O botão do saber

Estou na Europa. Visito uma Igreja histórica, quero saber dela, escolho a linguagem, aperto o botão e vou saber tudo. Mesma coisa em museus. Se você quiser assistir um filme de sucesso na Netflix, assista uma série histórica ou biografia. STALIN, HITLER, GARIBALDI, SAN MARTIN, escolha entre um filme ou um livro, você vai aprender muito e deduzir que, ninguém chega a lugar algum sem empenho, sacrifício, determinação, trabalho. Muito trabalho. Bem, agora se reporte a Bento e tente encontrar o BOTÃO DO SABER. Você vai encontrar, na Prefeitura, a Galeria dos ex-Prefeitos, foto e nome ou, vá visitar a galeria dos ex-presidentes do Centro da Indústria, Comércio e Serviços, e você só verá a foto e nome, nada mais. Se você encontrar um jovem senhor de 40 anos – até mais -, levá-lo até o CIC e perguntar quem foi aquele Presidente, ele, no máximo, dirá: “ouvi falar que foi Presidente”. Se você levá-lo até o Salão Nobre da Prefeitura, ele nunca saberá de nossos ex-prefeitos a não ser a partir de Darcy Pozza. Mas, o que saberá? Somos assim um povo ainda sem o espírito de reconhecimento e memória e, nossas crianças e jovens, crescem sem saber o básico sobre os líderes que forjaram, o extraordinário município em que ele s vivem. Tudo pela ausência de um botão.

O incêndio

Em 1970, o Prefeito Fialho, que tinha um eficiente “HOME OFFICE” (escritório em casa), composto de uma escrivaninha e um conjunto de canetas Mont Blanc, uma Bic, lápis, borracha, mais essas coisas de Engenheiro. Um dia ele veio de casa com uma ideia fixa, acho que colhida, ou do Pe. Chico, ou do Pe. Manica, ou do Dr. Bozetto, ou do Moisés Michelon. Olhou para mim e disparou: vou convidar José Eugênio Farina, Horácio Guedes Mônaco e Carlos Reno Dreher, para presidir a Fenavinho. Difícil, eu pensei. Foi feita uma reunião, eu estava presente, quando foi feito o convite e solicitado que fizessem um plano e apresentassem. Geninho olhou candidamente para o Prefeito e, simplesmente disse, – jamais vou esquecer este momento e estas palavras – : “Prefeito o senhor me dá 48 horas”? O Prefeito concordou. Passadas as 48 horas veio o plano, uma “tripa” de solicitações. Nova reunião, plano apresentado e Fialho, Prefeito, sereno, disse simplesmente: “ tudo bem, vou atender estas exigências”, vamos começar a trabalhar. Quando cheguei na Prefeitura fui pra cima do Prefeito “tá louco Fialho, tu vai gastar o orçamento de um ano da Prefeitura para fazer a Fenavinho”? Ele, com ares de severidade, olhou pra mim e disse com ênfase militar: “Doutor (meu codinome era Doutor), a FENAVINHO TEM QUE VOLTAR”. Não falei mais, não havia tempo para os Presidentes irem atrás de patrocínio e, absolutamente tudo o que eles pediram a Prefeitura cumpriu, item por item. E a festa saiu, bela e esplendorosa. Em 1971, ao sofrer o profundo desgosto de ver sua empresa destruída por um incêndio juntou as máquinas salvas, seus fiéis e solidários colaboradores, apaziguou seu espírito junto à Dona Lourdes e os filhos, e disse “vamos a reconstrução”. Eu estava Secretário Municipal de Governo, quando Geninho chegou ao Prefeito Fialho e pediu o Pavilhão da Fenavinho emprestado para instalar, provisoriamente, a produção com o espólio do incêndio e os empréstimos da solidariedade. Era para a Todeschini ficar na Fenavinho seis meses, ficou mais de dois anos. Ao receber do CIC, o troféu DOM EMPREENDEDOR, Geninho chegou lá um tanto debilitado, não era para ele falar, mas, inteligente, quando viu que a homenagem era singela demais, pediu a palavra e contou sua saga empreendedora. Foi aplaudido, nunca vi coisa igual, por cerca de 10 minutos, pelas pessoas presentes postadas de pé. Parei de escrever, estou emocionado. Continuando, estava ali, diante de nós, um líder com uma beleza de vida qual o pôr do sol “visto da casa do Valério e da Gircey Pompermayer”. Passada a quarentena, como CORONA é coisa do diabo, Deus deve ter tomado suas precauções lá no “jardim do além”. Me parece ver Moysés e o Geninho sentados num banco, com uma bata branca vinda lá da Igreja do Bonfim da Bahia, e cantando Lupicínio: “esses jovens, pobres jovens, ah se soubesses o que eu sei…”. Fica aqui o meu lamento diante da perda de mais uma expressiva liderança. É profundo, me abate muito.

A despedida de Eugênio

Quando eu tinha meus 14 anos, já morando na cidade, uma coisa que eu gostava de fazer era ir até a revenda de carros zero Studebaker, que ficava no edifício Adelina Ruga, em frente ao Banrisul. Quem cuidava da manutenção, polimento dos carros de quem me enamorava, era o pintor PRIMO. Quando eu encostava neles, o Primo vinha e dizia candidamente “ei, não encosta, seu Eugênio (dono da revenda de importados junto com Humberto Ruga) não gosta muito, ficam marcas”. E eu admirava de longe. Ia lá todo santo dia. Um dia fui visitar o seu Eugênio na nova Todeschini e, ao entrar me deparei com um piso no qual poderia me espelhar. Tinha lá duas senhoras cuidando da limpeza e eu perguntei: “tenho um piso no jornal desse porcelanato e eu não consigo deixar tão limpo e reluzente assim. Qual o produto que vocês usam? Resposta delas: “Só o seu Eugênio que sabe”. José Eugênio Farina, o Geninho, era assim, cuidadoso com suas coisas, tinha um olhar analítico, por vezes crítico, mas de sua boca sempre brotava um sorriso e seus olhos brilhavam. Tinha seus princípios, seus métodos, sua ajuda comunitária era respalda em premissas rígidas, tinha seu círculo restrito de amigos e adoração pelos seus clientes, orgulho pela sua empresa e família. Construiu um império econômico sob severa gestão. Em meio a uma vida de sacrifícios e muito trabalho sofreu percalços com o incêndio da empresa e até no “encaixe”, dos filhos, dentro de seu “código de conduta” na sua sucessão na empresa. Criou, planejou, trabalhou até seus últimos dias. Uma de suas últimas aquisições foi o imóvel em que estava o SUPERMERCADO NACIONAL. Empreendedor como poucos, gerou milhares de empregos, estimulou desenvolvimento e quando se lhe opunham algum obstáculo, saía declamando “tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra…”, e ia à luta até removê-la. Isso se chama tenacidade e perseverança.

Fotos: Silvia Tonon e Ana Carolina Azevedo / Divulgação