Minha vida de Pelé

Pois é, quando eu era guri – sempre é bom repetir – tinha sonhos. Ser locutor de rádio, cantor, artista de cinema, ser um “Roy Rogers” em seu cavalo branco, um “Rock Hudson”, um “Marcello Mastroiani”, qualquer coisa me serviria, até ser aquele bandido, o primeiro a morrer em filmes de máfia. Queria também ser um jogador de futebol, me encantavam Garrincha, Pelé, Gerson. Comparando nos dias de hoje eu poderia até ter sido um Moysés do Inter, por mais ruim que fosse, estaria ganhando meus ‘300 mil por mês’. Assim, em direção a Hollywood valia tudo, brilhantina, cuspe, fixador, um bom pente, um espelho e a exclamação “EU ME AMO”. Partiu! O máximo que consegui foi assistir os filmes no Cine Aliança e exercer o imaginário. Vamos então à minha iniciação no campo da bola, consciente que ser um Neymar é uma corrida como espermatozoide, “sai um milhão, chega um”.

Campo do Barracão

Como aquela canção “se eu soubesse, naquele tempo o que sei agora”, com os jogadores do Paris Saint Germain (PSG), jogando amanhã a final da Premier League, com a promessa de ganhar, cada jogador, o prêmio de um milhão de euros (6 milhões de reais) se vencerem o Bayern de Munique, juro que teria me esforçado mais. A Praça de Esportes do BARRACÃO FUTEBOL CLUBE é uma ilha de uma beleza ecológica ímpar. Pelo lado da rua central em frente ao cemitério tinha um acesso à ilha com aquelas tábuas de madeira sobre o estreito leito do rio que, para atravessá-la, só exercendo dotes de equilibristas ou com o pensamento positivo “vou atravessar……já atravessei”. Guri, levava junto minha bola de plástico que eu “chutava para mim mesmo”. Quanto ao que está acontecendo dentro do campo “to nem aí……to nem aí”, o essencial é que “eu estava ali”. “En passant” me lembrei que, em certa ocasião, levei uma sobrinha, hoje médica conceituada em Santa Catarina, para o Beira Rio, na ânsia de torná-la colorada. Ela deveria ter uns 3 ou 4 anos, talvez 5, quem sabe 6. Sentados na arquibancada recebemos, com muito prazer, a visita do “algodoeiro”, do “pipoqueiro”, do “picolezeiro”, do “cachorroquenteiro”, tudo que termina em “eiro” apareceu por lá. Quando ela cansou das guloseimas olhou pra mim e disse: “Tio, o que é aquela coisa branca correndo lá no meio do campo?” “Argh, a bola!” Veio mais: “Tio, qual deles é o Inter?” Argh – duas vezes – e “É o de branco!” Por fim veio a pergunta derradeira: “Quem é que tá ganhando?” Argh – três vezes – “Tá um a um”. “Ah tá tio, esse jogo vai demorar muito?” Argh dez vezes, fomos embora antes do jogo terminar, era contra o Caxias e o Inter não jogava nada. Ela? Virou a mais fanática Gremista da face da terra.

Mudança de lado

Eu tinha 8 anos quando meu pai construiu uma casa nova e declarou independência do meu avô. Dos 8 aos 12 anos, entrei no meu “inferno zodiacal” de guri. Passei a “fugir” de casa para frequentar o campo de futebol do Barracão. Para atravessar o rio em frente ao posto que era muito caudaloso, eu pedia ajuda às pessoas, que me carregavam no colo ou nas costas saltando de pedra em pedra em meio à correnteza. Lá, atrás de uma das goleiras, eu tive minha iniciação rumo a “Pelé ser”. Eu corria atrás da bola como gandula, foi o máximo que consegui. Buscava a bola rapidamente, chegando antes dos meus amigos e a chutava para o goleiro. Quando eu chegava em casa meu pai me alcançava a brítola e dizia: “vara”. Se ele dizia vara eu saia cantando, porque eu escolhia uma vara que “quebrasse logo”. Se ele dizia “vime” eu ia sério, porque a vime só quebra depois de umas 8 varadas. Mas, se ele dissesse “marmelo” eu já saia chorando, pois a vara de marmelo não quebra, ela só para diante da “piedade do carrasco”. Quanto mais eu apanhava mais eu ia ao campo de futebol nos sábados ou domingos à tarde. Até que um dia quem estava me carregando nas costas – eu agarrado como se fosse um macaco – escorregou e lá fui eu correnteza abaixo ouvindo alguém gritar “MENINO NO RIO”. Todos os jogadores viraram salva-vidas. O que me salvou foi eu ter agarrado um galho de uma cerejeira, debruçada sobre o rio, que eu conhecia bem e que ficava nas terras do meu avô. Fui salvo e, a partir daquele dia não apanhei mais, porque entendi perfeitamente a mensagem “varal” do meu pai. Os jogadores lamentaram porque perderam um “eficiente gandula”, rapidez que me serviu muito, porque quando vim para a cidade me tornei, no Clube Corinthians, o mais rápido levantador de pinos de bolão de Bento, e quem jogou bolão “no tempo da brilhantina” sabe o que isso significa. E, eu também, porque meu bolso estava sempre cheio de “dinheirinhos” com gosto de sunday, torradas, “bauru do Quito”, “gasosada do Morbini”, essas guloseimas.

Atleta Cidadino

Ainda morando no Barracão, estudei no Colégio Marista. O pátio interno do Colégio atual era o campo de futebol. O Aparecida disputava o TORNEIO ROSÁRIO, não ganhava de ninguém. Havia no Colégio a competição Interséries, nas quais eu corria atrás da bola. Lembro que um dia o Marista, técnico nas horas vagas, me escalou para marcar o Itacyr, que jogava com as mãos e o irmão “sebinho”, que escondia a bola debaixo da batina. Atento na tarefa, pensava: “le me toca tute a mi”. Eu pisava nos dedos do Itacyr e o juiz: “falta”. O baixinho não perdoava, colocava a bola onde queria, a potência era tanta que algumas estouravam naquele paredão. E o Marista, eu chegava pra ele e dizia: “por favor, larga a bola, que está escondida”, tinha que ir com calma porque aquela figura era um professor terrível. Diante dessa árdua tarefa desisti, chega! Tô fora! Aos 12 anos, com meus familiares, vim morar na cidade. Minha vida virou pelo avesso, virei mascote, vendia roupas, rádio portátil importado, era levantador de pinos de bolão, tinha sempre dinheiro no bolso, frequentava as rodas da gurizada da elite social e era fiel a Tiradentes, cuja história me encantava sob o lema, “libertá qua seram tamem” (liberdade antes que seja tarde) e daquele lema que está afixado na entrada da escola Bento “Labor Ommnia Vincit” (o trabalho tudo vence). E então reativei meu Projeto “seja um Pelé”. Não foi difícil me entrosar com a turma do Grêmio Atlético Juvenil porque “quanto mais gente dentro do ônibus nas excursões, mais barata custava a passagem”. Acho que foi por aí porque até então eu não passava de “um eficiente gandula em Barracão City”. Pelo sim ou pelo não, pelo bem ou pelo mal, estava eu lá, aos domingos, dentro do ônibus e, de quebra, escalado para jogar “na ponta direita do time reserva”. Um progresso, sem dúvida. Íamos jogar em Veranópolis contra o Dalban e o Veranense, hoje o VERANÓPOLIS, fruto da fusão; em Nova Prata, em Cotiporã, na Eulália e por aí vai. Era uma festa, ninguém ganhava da gente, na volta sempre comemorávamos na Boate do Clube Aliança em meio a generosas doses de uísque, cubas libres e sambas. Em campo, meu lema era simples “clareou, centrou”, eu era um Valdomiro, bem piorado, muito piorado, mais para o “coalhada” do Chico Anysio, sem nenhuma ambição de ser titular porque, na hora do time titular jogar, lá estava eu no lugar escolhido na arquibancada, o mais florido possível. Agora me digam, como ser um Pelé com essa mentalidade, sem o espirito de sacrifício, sem a ambição, sem a coragem de enfrentar o problema – a bola e o adversário? Bem, a felicidade não se mede pelo sacrifício, vamos lá. Minha carreira no futebol ficou marcada por dois episódios. Um em COTIPOCITY. Lá, no futebol, “ou tu perde ou tu apanha”. Esses tempos, recentemente, o ex-prefeito cujo nome não lembro, me reconheceu no Apolo porque foi presença em evento que realizamos. Eu perguntei, lembrando do episódio, “como é Prefeito, Cotiporã continua a mesma”? “Não mudou nada, ganhou apanhou” disse sorrindo. Depois de um jogo que ganhamos, pegamos nossas coisas e fomos pro meio da rua, perseguidos e correndo em direção ao ônibus que se deslocava para não ser apedrejado. Saímos ilesos. A partir daquele dia exigi cachê dobrado (redução do preço da passagem) se eu tivesse que voltar à COTIPOCITY. E mais, seguro de vida. Bem, a minha vida de jogador de futebol acabou na linha Eulália, naquele paraíso ecológico que é a praça de esportes da EULÁLIA ALTA. Imaginem a cena: lá estava eu na ponta direita, recebi a bola livre, parti em direção à área qual o Everton e, de repente, não mais do que de repente, lá veio, esfomeado como que em busca de um prato de comida, um zagueiro “brutamontes” – um mastodonte diria o Frizzo, com a fúria de um Kannemann. Literalmente me juntou e me jogou em cima do barranco que ainda está lá. Fiquei estatelado, gemendo de dor, doía tudo, (meu Deus, onde estás? O que foi que me aconteceu? Porque eu?), olhei para os lados, não tinha massagista, não tinha ambulância do Tacchimed, só lembrava da existência do carro fúnebre do Seu Rigon. “Sou cliente certo do Dr. Caron, o consertador de ossos”, pensava eu, sendo otimista. Nada mais restando de esperança, permaneci imóvel por um tempo e decidi “não quero mais ser um Pelé”. Encerrei minha carreira precocemente “tinha muita coisa pra fazer em Denver (Bento)”. Restos da minha luta, usando aquelas “chuteiras de pedra dos Flintstones: unhas encravadas, dedos tortos. Mas continuei com a turma DO Juvenil até que um dia, nos reuníamos, diariamente, no “batponto” ali em frente à Benoit, Moisés Michelon, que fizera o futebol voltar no Esportivo, nos chamou. Subimos (eu fazia números) a Montanha cantando “eu vou, eu vou, pra montanha agora eu vou”, na esperança de obter um patrocínio (na verdade, ajuda de custo) para o Juvenil. As palavras de Moisés ainda soam nos meus ouvidos: “a partir de hoje vocês vão deixar de vestir a camisa do Juvenil e vão vestir a camisa do Esportivo”. E assim se fez, acabou o Juvenil e ressurgiu o Esportivo com Pinicilina (o Kannemann do Juvenil), o Fontanela, o Zanetti, o Darcy Pozza, o Odyr Bertani, o Geada, o Pasquetti, o Neis, o Xandu, o Renato, o Trovão, o Tremea, o Valter, O Caetano, o Juarez, o Valduga, o Walgir, o Baldi, o Hentz… Conseguíamos, como Esportivo, ganhar do Fortes e Livres de Muçum, do Roca Sales, do Encantado às vezes e, parava por aí. Mas os jogadores eram tudo prata da casa, “made in Bento”. Me digam “cara pálidas”, vocês continuariam a carreira de jogador passando pela “purificação” de COTIPOCITY e LINHA EULÁLIA? Eu fora. Querem saber o meu sonho de ser artista? Acabou como contribuinte da Netflix. Querem saber de minha vida de cantor, de locutor de rádio? Mais adiante eu conto. Agora, “zefini”!