Cada vez mais presentes em restaurantes, feiras, lojas de produtos naturais e em redes de supermercados, os cogumelos comestíveis começam a ganhar o paladar dos brasileiros, se convertendo também em uma modalidade de negócio bastante lucrativa para os produtores que resolvem arriscar nesse tipo de cultivo.
Contudo, apesar do visível aumento do consumo e da oferta, que se traduz na inserção de novas receitas e novas variedades, ainda não existem levantamentos concretos sobre o número de produtores e mesmo os dados sobre a média de consumo dos brasileiros são contrastantes. A Embrapa calcula um consumo de 288 gramas per capita por ano, contra quatro quilos dos alemães e oito quilos dos chineses, os maiores consumidores do mundo. Já a Associação Nacional dos Produtores de Cogumelo (ANPC) estipula uma média de 160 mg per capita. Embora os dados sejam bem diferentes, o aumento é evidente, há 20 anos, a média não passava de 30 gr.
Proprietário de uma loja de produtos naturais de Bento, Adriel Marangoni, comprova o aumento da procura. “Tem difundido muito. Antigamente não vendíamos tanta quantidade, mas hoje sai bastante. Nosso público maior ainda é restaurante, mas muita gente vem aqui porque quer fazer uma receita ou conhecer”, conta. O funghi, vendido também para outras cidades do estado, é o campeão da preferência: são 200 kg por mês. Já os cogumelos frescos, shimeji e pleurotus, saem na média de 10 kg cada.
O avanço do cultivo
Segundo o técnico da Emater e especialista em fungos comestíveis, Ari Uriartt, embora os cogumelos ainda soem como ingredientes exóticos por aqui, o Rio Grande do Sul, junto com São Paulo, é um dos pioneiros na produção. “O cultivo no estado é bem antigo. Somos os primeiros na produção de champignon, que começou na região de Barra de Ribeiro, antes mesmo da década de 1970, mas é nos últimos dez ou oito anos que se percebe o aumento de produtores. Apesar de ainda dispersa, o cultivo começa a ter densidade, e cogumelos como shitake, champignon e pleurotus já são mais fáceis de encontrar”, pontua.
Estima-se que não chega a 50 o número de agricultores no Estado. Na Serra Gaúcha, são citados produtores em Monte Belo do Sul, Gramado, Farroupilha, Caxias do Sul, Carlos Barbosa, Cotiporã, Flores da Cunha e um em Bento Gonçalves.
Um pioneiro em Monte Belo do Sul
Com uma safra fraca e problemas na parreira, 1994 estava sendo um ano complicado para o agricultor de Monte Belo do Sul, Gilmar da Costa. Certo dia, porém, de ímpeto, resolveu investir em algo completamente novo ao ver na televisão uma reportagem sobre a produção de cogumelos. Se hoje, mesmo diante de uma procura cada vez maior, ele segue como o único produtor da cidade, não é de se admirar a estranheza com que seus amigos assimilaram a notícia de que ele iria investir na produção de pleurotus, também conhecido como shimeji-preto na década de 1990. “Na época, o pessoal não entendia, e me chamava de maluco”, brinca.
O que, há 25 anos, tinha começado com uma pequena produção no porão, se multiplicou: já são cinco estufas, que produzem mensalmente mil quilos ente pleurotus e shimeji, espécie a qual se dedica há dois anos. “Teve uma grande impulsão de sushis e restaurantes vegetarianos, então a maioria a gente vende para eles. Também para fruteiras, e o excedente para particulares. O pleurotus sai entre R$17 e R$20, dependendo de quanto nos encomendam; e o shimeji pedimos entre R$20 e R$30”, conta.
Como prova da alta demanda, Felipe Lazzarotto da Costa, que desde 2015 se tornou sócio de seu pai Gilmar, comenta que pretender investir ainda mais e ampliar a produção. Para isso, pretendem criar uma estufa profissional, para garantir uma produção constante e maior ao longo de todo o ano. “Até agora, construímos as estufas meio que artesanalmente, com o que tínhamos. Usamos isopor para manter a temperatura, e mangueira para deixar úmido”, conta.
A nova sala, explica, terá controle automático de ventilação, claridade e climatização, mantendo a temperatura entre 12º C e 25º C e a umidade acima de 90. “No verão a alta temperatura e baixa umidade diminuem a produção; nos meses frios o cogumelo congela internamente e não brota. Então com uma estufa adequada, vamos poder manter a produção, e mesmo deixar de correr o risco de perder espaço para a concorrência. Ainda vem muito cogumelo de São Paulo, e lá eles já produzem com tecnologia faz tempo”, explica.
Outra expectativa, segundo Felipe, se dá pelo investimento municipal na área do turismo. Pioneiros na produção de cogumelos, o visionarismo da família Da Costa segue a toda: já estão inclusos na primeira rota turística de Monte Belo do Sul, que ainda está em planejamento. Além disso, já estão investindo na produção de um novo e exótico produto: o alho negro. “Mais uma loucura”, brinca Gilmar.
Dez anos de amor ao champingon
No pulso de Daniela Fidelis Festa, a tatuagem de três cogumelos deixa claro que para a única produtora de fungos comestíveis de Bento Gonçalves, o cultivo não é só um negócio, mas realmente uma paixão. Há dez anos, ela investe no aprimoramento da produção e na evolução da empresa que atualmente toca praticamente sozinha, contando com o apoio do filho que trabalha fora, no Vale dos Vinhedos.
Produtora de champignon, também conhecido por cogumelo-paris devido a sua presença marcante em pratos franceses, e cogumelo portobello, Daniela conta que a ideia surgiu de seu cunhado Orval José Perego, antigo sócio da empresa, após uma viagem à Itália. “Ele viajou nos anos 1980 e viu que lá se consumia muito, e aí teve a ideia de trazer para cá. Um dia me explicou sobre e me convidou para começar o negócio com ele. No começo a ideia era comprar o composto e vender só in natura. Aí a gente arriscou, e continuo produzindo até hoje”, conta.
Além dos equipamentos necessários para a produção do composto, conta com dois pavilhões: no primeiro, mantém o composto em armazenamento, e no outro, os cogumelos em fase de colheita, garantindo a rotatividade da produção.
Cultivados em sacos, espalhados em duas prateleiras, na sala de aproximadamente 50 metros quadrados, são produzidos 23 kg em média por dia. O champignon in natura é vendido por R$30 o quilo para restaurantes e mercados, e o vidro de conserva de 200 gramas sai por R$10. Aos turistas vende bandejinhas de 200 gramas por R$10 ou cinco por R$30. “A procura tem aumentado muito. No verão tive um problema e não consegui produzir, aí toda hora tocava o telefone de gente pedindo. O ideal é aumentar a equipe e o espaço. Ano que vem pretendo criar outra sala”, projeta.
Sucesso gastronômico
Embora o brasileiro costume associar o cogumelo, sobretudo, ao strogonoff e a pratos asiáticos, o ingrediente faz parte de uma cultura gastronômica bem mais comum para quem vive na Serra Gaúcha: a cozinha italiana.
Cozinheiro de um restaurante do Vale dos Vinhedos, Tailan dos Santos, comenta que o cogumelo Paris, comprado fresco diretamente da Daniela, já é ingrediente principal em um dos pratos mais populares da casa: o ravióli recheado de vitelo com molho de cogumelos. “A base é o champignon. Puxa no alho e cebola, um pouco de nata, e molho sugo”, conta. Para acompanhamento, sugere um bom merlot.
Bom também para a saúde
Muito além do aroma, da textura, e do sabor tão distintos, os cogumelos também possuem características nutritivas e medicinais importantes. Segundo a nutricionista Kelly Todescatto, os cogumelos, de modo geral, possuem compostos bioativos que auxiliam na atividade antioxidante, prevenção do danos gerados por estresses e envelhecimento e atividade anti-inflamatória. “Um exemplo é o shitake, muitas pesquisas estão avaliando seu potencial como restaurador do organismo, melhorando a imunidade, sua atividade antiviral e antitumoral”, conta. Explica ainda, que os cogumelos secos, podem alcançar 34.8% de proteína bruta.