Filas extensas e frequentes em frente à entidade de auxílio trabalhista são compostas, em sua maioria, por pessoas de outras cidades que vêm para a Capital do Vinho em busca de uma oportunidade de trabalho e melhora na condição de vida

Márcio Soares, 31 anos, natural de Cacequi, região oeste do Rio Grande do Sul, está em Bento Gonçalves há 10 meses. Desde então ele busca emprego, mas já pensa em desistir e voltar para sua cidade natal. Ele faz parte da estimativa levantada pela agência do FGTAS/Sine, de Bento Gonçalves. De acordo com os dados, 90% das pessoas que buscam uma vaga no serviço estadual não são naturais de Bento Gonçalves, sendo que muitos acabam não conseguindo trabalho na Capital do Vinho.
Outros quatro desempregados ouvidos pelo Semanário se encontram na mesma situação que Soares. Além disso, imigrantes haitianos também enfrentam o problema, mas com a barreira do idioma e a dificuldade de voltar para casa como fatores agravantes.
Em contrapartida, no último ano, foram abertos 450 novos postos de trabalho no município, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O cenário evidencia um possível desequilíbrio entre oferta e demanda, visto que novas vagas são abertas e parcela considerável das pessoas não consegue preenchê-las por falta de qualificação ou outros motivos.
Migrantes e imigrantes também são maioria na fila de distribuição de cestas básicas da Igreja Santo Antônio e frequentemente buscam atendimento nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) distribuídos pelo bairros. Contudo, na avaliação de pessoas ligadas às instituições de caridade, o município sofre com a falta de políticas públicas consistentes para auxiliar essas pessoas.

Número de migrantes cresceu

Na avaliação do coordenador do Sine, Sandro Castagnetti, poucos conseguem uma oportunidade sobretudo pela falta de qualificação. “São pessoas quase sempre minimamente qualificadas, elas não têm o ensino fundamental completo e um histórico de rotatividade muito grande”, analisa.
Ele comenta também que fica nítido que o primeiro contato é com o Sine. O coordenador observa que as pessoas chegam no município e no dia seguinte já se dirigem ao órgão estadual. “Dizem que não lembram o endereço, percebemos que estão chegando recentemente”, observa. Pará, Maranhão, Recife e Minas Gerais são os principais estados de origem dos migrantes, além de outras regiões do Rio Grande do Sul, sobretudo fronteira e metropolitana.
Ainda segundo o coordenador, o fluxo tem sido crescente, o que pode ser atribuído à crise econômica. “A gente percebia um aumento no período de pós-férias, mas agora estamos em abril e o número continua muito alto”, avalia. Sobre os haitianos, Castagnetti observa que o fluxo é normal, visto que usualmente os frigoríficos os contratam. “Eles migram bastante entre as cidades, muitos vêm para cá na safra, por exemplo”, analisa.

 

Relatos do desemprego

De segunda a sexta, muitos desempregados aguardam a distribuição de fichas na fila da agência do FGTAS/Sine, de Bento Gonçalves, cedo da manhã. Francis Pereira, de 26 anos, natural de Cacequi e que mora há oito anos no município, pensa em mudar de cidade pela dificuldade em conseguir uma vaga na região. “Está muito complicado, mas já teve época que era bom conseguir serviço por aqui. Quando cheguei, foi bem fácil”, relata. Ele conta que se arrependeu de ter pedido demissão do seu trabalho de açougueiro recentemente.

Márcio Soares busca emprego em Bento Gonçalves há dez meses, mas já pensa em voltar para sua cidade natal. Foto: Lucas Araldi

Aline Rodrigues da Silva, de 21 anos, veio de Paraí há três semanas, por intermédio de parentes. Ela conta que já foi em entrevista em uma empresa e um mercado, mas que até agora não recebeu retorno. “Eu sempre quis morar em Bento, tem meus parentes que vivem aqui. Ouvi que tem muito emprego”, expõe.

Rodrigo Peccatti, 25 anos, que veio de Cacequi, já garantiu sua vaga em um supermercado, mas precisa complementar a renda, por isso, pretende trabalhar mais um turno. “Meu sogro mora em Bento há um ano, aí resolvi vir para cá. Lá (em Cacequi) o emprego está falhando muito, no geral Bento é muito melhor. Tem sido fácil achar emprego”, comenta.

Desempregado, Jeferson Grasselli depende da distribuição de uma cesta básica e do Lar da Caridade. Foto: Lucas Araldi

Já Márcio Soares conta que sua principal dificuldade, para se inserir no mercado de trabalho, é a falta de qualificação. “Só duas empresas me chamaram para a entrevista e não deram retorno. Eles exigem muita coisa. Cursos, ensino médio, etc, mas eu só tenho ensino fundamental”, lamenta. O desempregado relata ainda que começa a ter dificuldades financeiras, uma vez que sua esposa também perdeu o trabalho. “Acho que o jeito é voltar para minha cidade, mas lá é difícil também. Não tem nada”, observa.

A situação de Jefferson Grasselli, 31 anos, que está desempregado desde 2015, tem se complicado nos últimos meses. No momento, ele depende de uma cesta básica doada pela Paróquia Santo Antônio. “Não tem vagas, eles querem com experiência. Estou fazendo uns biscates, mas estou tendo que ir no Lar da Caridade ao meio-dia, porque está muito difícil”, afirma.

 

Paróquia diminui fome de haitianos e desempregados

Morise, natural do Haiti, tem dificuldades com o português e gostaria de trabalhar como costureira. Foto: Lucas Araldi

Era pouco mais de 14h de segunda-feira, 24, enquanto a fila para a distribuição de cestas básicas acumulava mais de 10 pessoas, na Paróquia Santo Antônio, no centro de Bento Gonçalves. Em 2017, foram atendidas 3.500 necessitados, sendo que boa parte corresponde a imigrantes haitianos ou pessoas de outras cidades, que acabaram em situação de desamparo por ficarem desempregadas.
As imigrantes haitianas Morise Jefthée e Andrese Fleurent vieram para o Brasil há pouco mais de um ano e desde então não trabalharam. Elas relatam dificuldade de adaptação, uma vez que não conhecem o português. Além disso, dependem de ajuda para se sustentar. “Nos ajudamos bastante entre nós. Eu moro com minha irmã”, comenta Andrese.
Morise relata que sabe costurar e que gostaria de arranjar um emprego, para ajudar a pagar o aluguel. “Mas como não falo o português, é difícil. Ainda não fiz entrevista para trabalho”, afirma. Ela pretende se inscrever na próxima turma do curso de português, que deve abrir no Instituto Federal de Educação (IFRS), em junho.
Já a haitiana Lytise Elisa está em Bento há três anos e, em situação de desemprego, há um ano. Ela conta que trabalhou um tempo em um frigorífico de Garibaldi, mas que foi demitida. “Mandei outros currículos, ninguém chama. Estudei um pouco o português, mas é muito difícil”, relata.

Trabalho social

Os voluntários Domingos Marchiori e Zélia De Carli, bem como a coordenadora Salete de Oliveira, com ajuda dos padres e das irmãs da Paróquia Santo Antônio, fazem o trabalho de arrecadação e doação de alimentos. No geral, o grupo observa que, além dos imigrantes, há muitas pessoas da fronteira e de outras regiões do Rio Grande do Sul, que necessitam do auxílio.
Salete conta que os imigrantes procuram ajuda sobretudo para empregos, aluguel, móveis e roupas, além de alimentos. Ela diz que todos eles têm a Carteira de Trabalho e querem arranjar uma fonte de renda. “Quando eles arrumam emprego, se estabilizam um pouco, eles param de vir. Quando ficam desempregados, eles procuram a gente de novo”, ressalta.
Segundo a coordenadora, no ano passado, mais imigrantes buscavam a ajuda se comparado a 2018. “Nos últimos meses começou a vir mais gente daqui do Brasil mesmo”, analisa Salete.
Ainda de acordo com ela, entre os imigrantes, os homens buscam mais empregos do que as mulheres. “Elas não tinham carteira de trabalho. Em novembro nós fizemos uma ação para fazer o documento”, pontua.
A irmã Inês Postal acredita que, no Haiti, as mulheres não tinham a cultura de trabalhar fora, como no Brasil, e isso acaba refletindo nos hábitos por aqui. Ela afirma ainda que seria necessário políticas públicas mais sólidas para auxiliar essas pessoas. “Não nos resta dúvidas de que é necessário”, enfatiza.
A voluntária Zélia De Carli relata que muitas mulheres imigrantes, do Haiti, resolvem trabalhar para ajudar a trazer filhos ou demais parentes para cá, uma vez que a passagem aérea é muito cara. “Lembro da história de uma mulher que queria trabalhar para trazer os dois filhos, que estavam passando fome lá”, aponta. Segundo informações da Paróquia, são distribuídas cerca de 250 sacolas por mês.

 

Poucas políticas municipais para imigrantes

Embora haja atendimentos de imigrantes no Centro de Referência de Assistência
Social (Cras) e o número de haitianos em Bento Gonçalves seja expressivo, as políticas sociais de atendimento aos imigrantes ainda são tímidas. De acordo com informações da Secretaria de Habitação e Assistência Social, existem três unidades do Cras no município, com serviços para os bento-gonçalvenses. Contudo, nenhum serviço é direcionado especificamente aos imigrantes.
Segundo informações da pasta, nos últimos 12 meses teve cerca de 286 haitianos que utilizaram os serviços oferecidos pelo Cras. Além disso, o número de saídas – pessoas que deixam de utilizar o Cras por saírem de uma situação de fragilidade ou se mudarem de cidade – foi menor do que o número de entradas.
Ainda de acordo com informações da Habitação e Assistência Social, o atendimento aos imigrantes acontece frequentemente nas unidades do Cras e se dá de forma espontânea, encaminhamento da rede ou busca ativa. As principais demandas elencadas pelos Cras demonstram que os imigrantes chegam no serviços em busca de alimentos, benefícios oferecidos pelo governo e informações sobre empregos.
A partir dos atendimentos, o órgão informa que são encaminhados para os serviços disponíveis, como o Sine, Jovem Aprendiz, Cadastro Único, etc. A Secretaria de Habitação e Assistência Social informa ainda que após estabilizarem-se no mercado de trabalho, geralmente deixam de procurar o serviço.
A secretária-adjunta Milena Bassani afirma que existem diversos serviços destinados aos bento-gonçalvenses e aponta que são utilizadas verbas federais e municipais para sua execução, mas não especifica quais programas são voltados aos imigrantes. Ela ainda enfatiza que a estrutura do Cras é municipal. “Normalmente, as pessoas que vêm para cá, vêm organizadas em busca de emprego. Mas é o Governo Federal que faz essas políticas para baixa renda”, aponta.