Falta de políticas públicas que auxiliem os voluntários de Ongs dificultam o trabalho realizado para evitar superpopulação de animais e maus-tratos

Desde setembro do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que prevê o aumento da punição para quem praticar maus-tratos contra animais, o assunto tem sido mais recorrente, principalmente para ativistas da causa. A Lei 1.095/2019 abrange animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Segundo o texto da legislação, a prática de abuso e mautratos será punida com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa e a proibição de guarda. Anteriormente, o crime constava no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais 9.605/98 e previa pena de três meses a um ano de reclusão e multa.

Para a administradora Fernanda Juliana, ativista da causa animal há mais de 30 anos, o assunto precisa ser colocado em pauta Em Bento Gonçalves. “Criei o Help Pet em maio de 2015, pois sentia que a cidade precisava de um grupo para discutir assuntos dos mais diversos relacionados aos focinhos”, afirma.

O grupo criado por Fernanda na rede social Facebook tem, atualmente, 19,1 mil participantes. Ali são divulgados animais para adoção responsável, além de pedidos de auxílio para castração, remédios e cirurgias, principalmente de cães e gatos.

Fernanda explica que, ao longo dos anos, não conseguiu ver nenhum movimento concreto em prol dos animais por parte das administrações que passaram pela prefeitura. “Se alguma coisa foi conquistada foi por causa de anônimos, cidadãos do bem, que, por vontade própria, tiraram dinheiro do bolso e doaram tempo para efetivamente fazer algo de concreto. O que o Poder Público fez ao longo de todos estes anos para controlar a superpopulação de animais abandonados? Quase nada! O que fazem para atender os animais errantes que vivem nas ruas em situação de vulnerabilidade? Nada! Então, é muito fácil se isentar da responsabilidade enquanto tem quem faça, sozinho e sem quase nenhum apoio, como é o caso dos protetores e das ONGs (Organizações não governamentais)”, lamenta.

Sophie foi adotada há oito anos pelo empresário Mauro Noskowski
Foto: Arquivo pessoal

A administradora acredita que Bento está em uma fase crítica, pois a quantidade de pets abandonados está crescendo a cada dia. “Está chegando numa situação de descontrole. Ninhadas por todos os lados, animais no cio não somente na periferia, mas nas ruas centrais, números crescentes de abandono e maus tratos, graças a falta de fiscalização e principalmente de punição. Agora temos a Lei Sanção. Mas quem faz valer se não temos fiscais para combater os crimes? Assim como eu, os demais protetores têm medo por sofrerem ameaças constantes. E o Poder Público, que tem condições, negligencia descaradamente estes fatos. Quando procuramos ajuda, raramente, para não dizer nunca, conseguimos”, reitera.

Animais também possuem direitos

Não é de agora que a causa animal precisa de atenção. Além da lei sancionada por Bolsonaro em 2020, em julho de 1934 o presidente Getúlio Vargas assinou o decreto número 24.645, que especifica que todos os animais existentes no país são tutelados do Estado. Mesmo assim, a ativista afirma que a ausência de políticas públicas que tenham como objetivo auxiliar os animais não permite que as normas sejam cumpridas. “A legislação reconhece que os animais, apesar de não possuírem capacidade civil, possuem direitos que precisam ser protegidos. Notadamente existe uma distância abissal entre o que cabe como dever, e o que é praticado”, reitera.

O que poderia ser feito?

Frente a tantos problemas apontados por Fernanda, a administradora também cita soluções que poderiam ser tomadas para que as condições dos animais do município melhorem.

• Atendimento aos animais atropelados em via pública;
• Orientação sobre o que fazer com cadelas prenhas ou filhotes;
• Atendimento para animais que precisam de cirurgia;
Campanhas informativas e educativas para a sociedade;
• Divulgação para a comunidade sobre castrações gratuitas por meio da prefeitura;
• Infratores processados pelas leis vigentes;
• Trabalho para a comunidade relacionado aos animais silvestres ou sinantrópicos;
• Convênio com universidades da região para parcerias no atendimento aos animais errantes;
• Trabalho para evitar o abandono e os maus-tratos;
• Disque-denúncia para reportar atropelamento, abandono ou maus-tratos contra animais de grande porte, como cavalos e bois;
• Controle de doenças infecciosas e zoonoses;
• Como é o controle dos animais bravios que perambulam pelas ruas. Há relatos, por exemplo, de muitos de cães da raça Pit Bull, que circulam livremente colocando em perigo pessoas e outros animais;
• Clínica para realização de castrações gratuitas;
Pessoal capacitado para averiguação de maus-tratos;
Animais da cidade microchipados, com cadastro único na cidade;
• Parcerias entre prefeitura e clínicas, petshops ou agropecuárias, além de outros órgãos públicos;
• Cobrança do Ministério Público para que o governo coloque em prática medidas eficazes para melhorar as condições existentes, melhorar o controle da superpopulação dos animais de maneira humanitária, bem como ações para combater e fiscalizar maus-tratos.

Como lidar com os animais silvestres?

Animais como ouriços, jabutis, gaviões, urubus, capivaras e cobras são alguns da fauna urbana de Bento, que ocasionalmente aparecem na cidade. “Caberia a nós interferir o mínimo possível na vida cotidiana deles, mas não é o que acontece. Basta analisarmos o caso de um tatu que na última semana foi covardemente agredido”, frisa Fernanda.

A ativista também afirma que seria necessário um local que recebesse os animais silvestres para tratamentos e cuidados veterinários, além de reabilitação e destinação para soltura na natureza. Ter para onde ligar quando aparecem é essencial.

Ações da prefeitura em prol dos animais

O secretário de Meio Ambiente, Claudiomiro Dias, afirma que por ano são feitas em torno de mil castrações gratuitas em Bento Gonçalves. Já sobre a questão de recolhimento de animais errantes, foram sete cães em situação de maus-tratos ou abandonos.

Dias explica que não há algum lugar específico onde os animais possam ficar esperando para serem adotados. “Os cães ficam para adoção responsável, por meio do Conselho do bem-estar animal. Não há um lugar, contamos com apoio de lares temporários”, esclarece.

Além disso, segundo o secretário, há uma ação que valoriza a adoção responsável. “Com o objetivo de sensibilizar e mobilizar pessoas para obter a autoconscientização sobre a posse de animais domésticos, a Prefeitura trabalha com o Programa Posse Responsável, que atende escolas da rede municipal. A iniciativa consiste na realização de palestra, apresentação de peça de teatro sobre os cuidados com animais de estimação, além de fiscalização quando se trata de denúncias de maus-tratos. O projeto também conta com a construção de casinhas, pela Comunidade Terapêutica Rural, para distribuir às famílias”, ressalta.

A iniciativa é realizada em parceria entre o Gabinete da Primeira-Dama e secretarias de Educação, Meio Ambiente e Saúde. “As ações tiveram que ser paralisadas devido a pandemia do coronavírus”, relata.

Enquanto alguns abandonam, outros adotam

O empresário de Turismo Mauro César Noskowski mora na Capital do Vinho e tem um sítio no distrito de Lajeado Grande, onde, na época do verão, muitos cães são abandonados nas ruas. “Um dia eu estava voltando para Bento e encontrei quatro cachorros, três atropelados. Depois, retornei pelo mesmo caminho e quando vi, o quarto também estava atropelado”, relata.

Branca estava prenha e teve oito filhotes
Foto: Arquivo pessoal

Entretanto, o que realmente impactou a vida de Noskowski foi o que ocorreu no dia 15 de novembro de 2020. “Votei em Bento e depois vim para cá (Lajeado Grande), quando cheguei tinha uma cachorra na frente do sítio e um vizinho disse que ela estava abandonada há cerca de uma semana”, lembra.

Branca, como é chamada após a adoção, estava faminta. “Dei ração de gatos, porque tenho três. Dei um punhado e ela comeu tudo, no fim, acabei dando quatro punhados e ela comeu tudo, porque estava esfomeada. Quando ela terminou de comer, lacrimejou, foi isso que mexeu comigo mais uma vez”, conta.

Ao adotar a cadela, o empresário não imaginava o que estaria por vir. “Recolhi e vi que ela estava engordando, quando vi, estava prenha. Ela pariu dia 16 de dezembro, foram oito filhotes, cinco fêmeas e três machos”, destaca.

Foto em destaque: Reprodução internet