Programa de Pacificação Restaurativa atua há cinco anos em Bento, sendo este o único município do estado a possuir uma central. Desde os últimos três anos, quase 790 círculos de paz foram instituídos na comunidade

Tendo o diálogo como base para uma boa construção familiar e social, o programa de Pacificação Restaurativa atua há cinco anos a fim de compreender diferenças e evitar conflitos em escolas e na comunidade. Segundo a Promotoria de Justiça de Bento Gonçalves, desde a implantação, percebeu-se uma diminuição dos confrontos em ambiente escolar.

A promotora de justiça especializada, Carmen Lúcia Garcia, destaca que o serviço é importante para a formação do caráter da criança e do jovem. “Foi construído um espaço de diálogo entre os profissionais da educação e os alunos, possibilitando a escuta dos anseios de cada um e a criação de uma cultura de paz. Isso também reflete na melhor convivência do educando com sua família e com a comunidade escolar em geral, fortalecendo os vínculos, contribuindo para um desenvolvimento emocional sadio e evitando a evasão escolar”, pontua.

Quanto a números de casos, Carmen afirma que o município ainda não possui uma estimativa completa, tendo em vista que as atividades presenciais voltaram recentemente. “Na semana que vem, teremos uma reunião em que trataremos a evasão. A partir desses dados, faremos a busca ativa, o que vai ensejar uma atuação da Central e verificar o que está impossibilitando que essa criança ou adolescente vá para a escola. Em determinadas situações, pode ser um receio da família em virtude da pandemia ou porque tem algum conflito que não chegou ao nosso conhecimento”, esclarece.

Município, Ministério Público e Promotoria se unem em prol do projeto.
Foto: Franciele Zanon

Com isso, a situação não precisa passar por uma judicialização e é resolvida por meio de conversas e reflexões. A Promotoria seleciona situações de conflitos e litígios envolvendo crianças, adolescentes e idosos de difícil solução, isto é, em que já teve atuação dos órgãos de proteção, mas sem sucesso. Além disso, o Ministério Público também cede um espaço para realização de reuniões com as famílias e demais pessoas envolvidas.

Bento Gonçalves é o único município no estado a possuir uma Central de Orientação Restaurativa Escolar (CORES), que dispõe de servidoras municipais. A secretária de Educação, Adriane Zorzi, frisa que são o olhar, cuidado e diálogo que podem minimizar os desafios de relacionamento e situações de violência. “A comunidade escolar tem sentido este apoio e o feedback é de escolas mais voltada para relacionamentos da paz. Acredito que, com esta participação de todas as instituições de ensino e de profissionais, envolvidos e comprometidos com a paz, teremos crianças e adultos mais sensíveis”, respalda.

De 2018 até o dia 17 de agosto de 2021, já foram realizados 783 círculos e práticas restaurativas, beneficiando um total de 6.348 pessoas.

Como funciona a CORES

O trabalho realizado é de sobreaviso. A Central vai até a escola trabalhar esses “Círculos de Paz” com a equipe diretiva, funcionários, alunos e as famílias. “Esses casos de prevenção realizamos na educandário, pois são mais leves, os mais graves tratamos aqui, no Ministério Público, são os que normalmente envolvem uma rede maior de pessoas. Às vezes, a escola tem um projeto que dialoga com o nosso e nos unimos”, comenta a coordenadora da Central da Infância e da Juventude e Cidadania, Marlisete Alessi.

Atualmente, todas as 20 escolas de ensino fundamental possuem, ao menos, um facilitador. O objetivo é que se tenha uma continuidade, por meio dos profissionais de educação. Os educandários infantis ainda estão em processo de implantação. “Quando pensamos em prevenção, teríamos que começar lá trás. Então, o nosso carro-chefe são as escolas infantis. Visitamos todas elas, fizemos formações com os professores e funcionários. Além disso, abordamos a escola de turno integral, a de ensino especial (Caminhos do Aprender) e os Ceacris”, acrescenta a coordenadora da Central da Comunidade, Vanise Marconi.

Em virtude de a demanda em instituições da rede estadual e privada ter diminuído, o foco hoje são as municipais. Além disso, são atendidos casos de idosos e do Conselho Tutelar para fortalecimento de vínculos familiares. Normalmente as famílias são as que procuram o serviço, mas ocorrem também a busca ativa.

A metodologia consiste em três etapas: pré-círculo (apresentação das ações), círculo (diálogos ou encontros) e pós (acompanhamento por meio dos facilitadores). Esses encontros se repetem por mais de uma vez, até os envolvidos interiorizarem os novos hábitos de relacionamento.

Dentro das diretrizes, para que os encontros ocorram de forma ordenada, estão: falar somente de si e nunca do outro, saber ouvir e estar com o objeto da palavra. A representante do Ministério Público, atuante na Central, Vanda Meneses, enfatiza que a escuta qualificada é o segredo do círculo. “Quando as pessoas escutam o outro, elas acabam se identificando e entendendo o próximo. A ação humaniza”, reitera.

Mesmo em período de pandemia, os encontros presenciais foram realizados esporadicamente, porém, a maioria ocorreu de forma online.

Como surgiu

A proposta surgiu com o então promotor Élcio Resmini Meneses, que entendeu que as situações que chegavam até a Promotoria eram muito pequenas e que podiam ser resolvidas com conversas.

Em 2009, instituições uniram-se para apresentar à comunidade escolar uma nova metodologia de resolução dos conflitos que decorrem de relações interpessoais. Secretarias Municipais, Coordenadoria de Educação do Estado, Ministério Público, Poder Judiciário e Defensoria Pública passaram a debater uma nova forma de praticar o diálogo nas relações da sociedade, baseada em princípios e valores da Justiça Restaurativa, com ações preventivas para a redução da evasão escolar, indisciplina e violência.

O movimento ganhou força e, em 2015, foi aprovada a Lei Municipal nº 5.997. O projeto, então, foi estendido para a atenção aos idosos, com a realização de diálogos familiares para a proteção dos seus direitos.

A iniciativa serviu de inspiração para o projeto institucional “Pacificação nas Escolas”. Dois anos depois da aprovação, foi estendido aos municípios de Carlos Barbosa, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Nova Prata, Santa Tereza, entre outros.