Pelo menos três situações de truculência foram registradas no bairro em duas semanas, a última na quinta-feira, 8

Era 7 da manhã de quinta-feira, dia 8, quando o jovem de 24 anos acordou com estouros na porta de casa, no bairro Municipal. Enquanto levantava, seis policiais já haviam adentrado a sala, com armas em punho. Eles mandaram ficar com as mãos para cima, encostado na parede, e reviraram tudo em busca de drogas. Não encontraram nada e constataram que o rapaz não tinha antecedentes criminais.
Como em momento algum foi apresentada ordem judicial e não havia situação de flagrante, ele registrou Boletim de Ocorrência ainda no mesmo dia. Sua expectativa é de que a denúncia, formalizada, seja investigada pela Brigada Militar.Na ocorrência, consta que no momento da entrada “nenhum documento foi apresentado” e que após as buscas, assinou um termo “informando que nada de ilícito foi encontrado no local”. Com medo de represálias, ele pediu para seu nome não ser divulgado no Semanário.

Ele lembra que questionou os policiais sobre os danos causados na casa, sobretudo na porta, arrombada. “Um deles mandou eu ficar quieto, ele disse que estavam procurando alguém que estava escondido por aqui. Começaram a revirar lá pra dentro, pediram meus documentos, aí me mostraram as fotos das pessoas que estavam procurando, pediram se eu conhecia. Eu falei que não, que nunca tinha visto, e eles continuaram revirando lá para dentro”, conta.
Outra porta, no andar de baixo, também foi arrombada. A dona havia saído para trabalhar antes da chegada da Polícia e ainda não sabia o que havia acontecido em sua casa. Semanas antes, situação parecida aconteceu com a vizinha Maria Augusta Nunes, de 68 anos. Ela conta que estava em casa com a filha e o neto, de 4 anos, por volta das 17h, quando a Polícia invadiu a casa.
De acordo Augusta, a criança ficou assustada. “O nenezinho de quatro aninhos ficou doente, deu febre nele. Ele se assustou, porque nunca tinha visto coisa assim. Eu nessa idade nunca vi a Polícia
entrar na casa dos outros dessa forma, eles entraram com as armas mirando para dentro”, conta.
A sensação de fragilidade do rapaz que teve a casa invadida na manhã de quinta-feira também foi compartilhada por sua mãe, Tereza Alcará dos Santos, de 57 anos. “Nós moramos há 38 anos aqui, criei todos meus filhos, eles nunca tiveram envolvimento com Polícia, nem com bandidagem, nem com drogas. Todos trabalham”, declara.
Segundo ela, mesmo que o bairro seja conhecido por casos de tráfico de drogas e homicídio, nada justifica a atuação da Polícia. “Como vamos confiar neles, se entram aqui e arrombam?”, lamenta.

Defensor público percebe mais casos de excessos da Polícia

Na avaliação do defensor público Rafael Carrard, que atua na 1ª Vara Criminal e na Vara de Legislação Penal, neste ano houve mais casos de excessos policiais em Bento Gonçalves. Ele relata que chegou para Defensoria situações de invasão de residências, acesso a celulares sem autorização do interlocutor e abordagens violentas, seguidas de socos e pontapés.

Casos de invasão de casas chegaram até Defensoria Pública. Foto: Divulgação

Segundo ele, é compreensível que a Polícia seja mais cobrada da sociedade civil em virtude do aumento nos índices de violência, contudo, a ação não se justifica. “O que nós enxergamos é uma equiparação das atividades ilícitas. Mas o Estado não pode se equiparar ao criminoso, não pode entrar nessa, porque senão fica igual ao criminoso”, avalia.
Ainda de acordo com Carrard, a autoridade policial séria precisa ser louvada, mas somente quando age dentro da lei. Na sua avaliação, é uma minoria dentro da Polícia que pratica atos ilegais e que ocorrem excessos de ambos os lados, na medida em que a atividade criminosa busca burlar a legislação.
Em casos assim, a Defensoria Pública pode pedir providências para que haja investigação no âmbito do Judiciário. “Quando nós temos versão da autoridade policial e do cidadão, há uma lógica jurídica que diz que o servidor público goza de fé pública, então há uma tendência de sempre se prestigiar a versão do policial”, explica.
Por isso, ele indica que é importante ter mais de uma testemunha para fortalecer os relatos. “Assim nós podemos evitar esse tipo de ilegalidade. É necessário trazer isso para as autoridades. Posso garantir que MP e Defensoria são instituições atentas a isto”, afirma.

Moradores denunciam abuso de poder policial no Novo Futuro