Além de estimular a participação, animais melhoram o humor das crianças e auxilia na inclusão dos pequenos à sociedade

Quarta-feira é dia de festa para a jovem Cecília Beal, 13 anos. Os motivos têm quatro patas e pelos fartos: é o cão labrador Jack, de seis anos de idade, que participa periodicamente das sessões de psicopedagogia que a adolescente realiza na clínica Jeito de Ser em Bento Gonçalves. O resultado da parceria formada entre os dois é imediato. É o sorriso da menina que aos poucos vence as suas limitações e medos, costumeiros em pessoas com autismo, como é o caso dela. Além do fortalecimento da confiança, a presença do animal estimula na assiduidade, fator decisivo no auxílio das práticas de leitura, escrita, ao falar de maneira mais clara e influenciar o seu comportamento e convívio familiar e social.

Participação do cão Jack nas sessões de psicopedagogia resultam em avanços significativos. Foto: Ranieri Moriggi

As atividades com a presença do dócil labrador, adestrado por Janaina Ganzer, do centro de adestramento Vale da Neblina, tiveram início no passado, quando a psicopedagoga Letícia Casonatto, que trabalha no local há 10 anos e com crianças que possuem o transtorno de espectro autista há cinco, sentiu a necessidade de incluir novas propostas nas aulas com seus pacientes. Após um período de estudos e na busca por atividades que pudessem dar novos estímulos a quem possui autismo, a profissional contatou o centro de adestramento para o início de uma parceria. “Geralmente, essas crianças ficam em atendimento por muitos anos em um determinado momento, precisamos inovar para alcançarmos alguns objetivos. O cão é muito útil, pois acaba sendo um elemento motivador na sessão”, explica.

Conforme Letícia, o planejamento das atividades com o cão está voltado ao que é considerado prioritário para o desenvolvimento da criança, estimulando a função psicomotora e sensorial, possibilitando a aprendizagem de atividades mais instrumentais de vida diária da criança autista ou com deficiência, além de contribuir para o processo de inclusão. “Para cada criança é um trabalho diferente, onde elencamos o que é mais importante para elas, onde o Jack pode contribuir”, ressalta. Além do labrador, as atividades também são desenvolvidas com mais um animal, Ronda, uma labradora de dois anos. Letícia salienta que os animais utilizados nas atividades variam de acordo com o perfil do paciente.

No caso de Cecília, que há dois anos frequenta a clínica, a atividade com o cão de terapia modificou a rotina de participação nos encontros. Segundo Letícia, antes da presença do animal, a menina faltava muito às sessões, porque, segundo a profissional, não havia algo que motivasse a adolescente. “Por mais que as propostas psicopedagógicas sejam lúdicas e voltadas para o jogo e o brincar, a Cecília mostrava certa resistência. Com a vinda do Jack, esse cenário mudou completamente. Hoje, o cão é essencial no desenvolvimento dela”, garante.

Letícia (e), Janaina (d) e Jack. Foto: Ranieri Moriggi

Indagada sobre a evolução dos pacientes que participam das atividades com os animais, Letícia salienta que a mudança é gigantesca. Ela diz que é possível elencar diversos objetivos que foram alcançados com a presença dos cães e que antes não era possível. No caso da menina Cecília, o cão foi fator decisivo para retornar com os ânimos da garota. “Antes, ela não pegava mais os cadernos e o Jack resgatou isso. O caderno dela, hoje, é a coisa mais importante. São pequenas ações exitosas que a gente não imaginava”, afirma. “O fato da Cecília não faltar, vir motivada é um crescimento enorme”. Outro ponto que a profissional trabalha com a menina é referente à ida para a escola. Caso Cecília vá para a aula todos os dias, o cão vai buscá-la uma vez por semana. “Como sabemos que esse vínculo criado entre os dois é muito forte, utilizamos o Jack para motivá-la nesse sentido também”, revela.

Além da questão alfabetizadora, as sessões com o labrador buscam proporcionar à adolescente episódios de vivência do cotidiano. Chamados de conteúdos funcionais, as atividades envolvem idas a estabelecimentos comerciais, exercícios com dinheiro, a medida em que a evolução de Cecília vai ocorrendo. Neste caso, a participação do cachorro é focada no acompanhamento da menina até o local escolhido. “Quando a criança vai passear com o cão, ela tem uma responsabilidade, pois precisa cuidar do animal, ir no ritmo dele. E um dos aspectos de quem possui o autismo é a questão da fuga. Se ele tem essa responsabilidade de estar segurando o cão, acabam focados nisso e esquecem de outras coisas que poderiam tirar a sua atenção. A motivação está aqui com o cão”, explica.

Letícia acredita que a oportunidade em trabalhar com um cão reforça o desejo em oferecer a quem procura pelo serviço maneiras de melhorar o seu desenvolvimento intelectual e propicia a inserção dessas pessoas junto à sociedade. “Todo o profissional quer isso: a evolução do paciente. Ter essa possibilidade aqui e ver a melhora na qualidade de vida de quem procura atendimento é gratificante”, garante.

Treinamento dos cães

Entre as atividades de Cecília e Jack, está a procura pelos biscoitos em cones coloridos. Foto: Ranieri Moriggi

A paixão pelos cães surgiu há muito tempo na vida da adestradora Janaina Ganzer. Com o passar dos anos surgiu a possibilidade em liderar um centro de adestramento que oferecesse um trabalho diferenciado, com o intuito de ajudar e dar mais autonomia às pessoas com alguma dificuldade física ou intelectual, onde os animais passassem de companheiros para facilitadores ou ajudantes em situações do cotidiano. Para isso, a equipe Vale da Neblina, de Farroupilha, a qual Janaina faz parte, iniciou o trabalho pioneiro na região da Serra Gaúcha.

Conforme a adestradora, a formação envolve treinar o animal para atender em determinadas situações. “Fui em busca de capacitações na área de cão terapia até iniciarmos o trabalho na prática, mostrando os possíveis resultados que os pacientes poderiam alcançar com essa atividade”, explica. A preparação para o adestramento começa cedo: o animal, ainda filhote é selecionado dentro de uma ninhada que possua uma genética por parte dos pais voltada à terapia. “Começamos a treiná-lo assim que ele é separado da mãe, por volta dos dois meses de idade”, revela. As primeiras lições de aprendizado do animal são voltadas às ordens básicas, tais como, onde eles devem fazer suas necessidades, o que pode e não pode ser feito, a socialização do cão em diversos ambientes para não ter medo ou trauma com qualquer situação. “No caso, aqui da clínica, trabalhamos bastante os sons, ruídos, gritos, movimentação para que o Jack consiga estar tranquilo em qualquer local”, afirma. Segundo Janaina, os comandos de obediência também são ensinados desde o início do processo de adestramento.

O cão como auxiliar nas sessões

A adestradora explica ainda que para inserir o animal no tratamento de crianças com autismo, há um preparo específico. No caso do labrador Jack, há o treinamento para as situações mais diferenciadas. Ela cita o exemplo da forma como ele pode ser tocado. “Sabemos que em alguns casos, a criança pode tocar o cão de maneira mais forte, porém, como ele foi ensinado desde pequeno que aquele movimento não é para agredi-lo e sim, acariciá-lo, ele vai entender e permitir que a criança tenha esse contato”, explica Janaína.

Atividades de Cecília e Jack envolvem execícios de memorização e na alfabetização da garota. Foto: Ranieri Moriggi

Entre as atividades de Cecília e Jack, está a procura pelos biscoitos em cones coloridos. Ela escolhe um dos potes, coloca o alimento, memoriza onde ele está, pronuncia as cores e dá ordens para que o cão tente achar o alimento. Outro elemento é a participação do cão em auxiliá-la na descoberta de novas palavras e objetos. Jack escolhe o pote onde há figuras e Cecília precisa adivinhar qual o significado de cada uma. Ao final das respostas, ela pergunta para o cão se estão corretas as respostas. Se positivo, ele late para parabenizá-la e as profissionais comemoram junto com a garota.

Gratidão

Conforme Janaína, oportunizar o contato do seu cão com crianças e adolescentes vai muito além de um simples trabalho. Ela diz estar realizada com as descobertas e resultados que a equipe vem obtendo junto à Cecília e os demais pacientes que participam dos encontros. “Fico feliz e emocionada em perceber que o meu cão pode proporcionar uma aprendizagem, sentimento a alguma criança. É algo que me emociona sempre, principalmente quando encerramos as atividades e percebemos a evolução. Eu amo o que eu faço”, ressalta.

Para o futuro, a adestradora pontuou diversas ideias que estão sendo elaboradas, mas que ainda estão sem previsão para serem colocados em prática. Segundo Janaína, por ser uma novidade na região, tudo precisa ser pensado com calma, a fim de oferecer um trabalho que alcance resultados satisfatórios. “Aos poucos, a gente vai ampliando o atendimento, oferecendo essa possibilidade para as famílias. Tudo é muito pensado e discutido, afinal, há um grande número de pessoas envolvidas”, destaca.

Projeto autoriza entrada de animais em hospitais de Bento

Projeto está apto para votação. Foto: Ranieri Moriggi

Está em tramitação na Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves o Projeto de Lei Ordinária nº 30/2018, que libera a entrada de animais de estimação nos estabelecimentos de saúde da rede municipal e hospitais privados conveniados com ela para visitas a pacientes internados. De autoria do vereador Gustavo Sperotto (DEM), entre as normas impostas pelo projeto, está a exigência de que os animais estejam com a vacinação em dia e higienizados com laudo veterinário atestando a sua boa condição. Também prevê que os animais estejam em recipiente ou caixa adequada. No caso de cães e gatos, devem estar em guias presas por coleiras e, se necessário, de enforcador e focinheiras.

Além disso, a presença do animal se dará mediante a solicitação e autorização do médico responsável pelo paciente e deverá ser agendada previamente na administração do estabelecimento, respeitando a solicitação do médico e critérios estabelecidos por cada instituição.

O autor, vereador Gustavo Sperotto (DEM), revela que a proposta foi construída após amplo estudo de projetos semelhantes, que acabaram se transformando em lei em outras cidades do país. “As cidades que estão propondo, como São Paulo, onde a lei já foi sancionada, defendem o fato de que tratamentos que utilizam animais na recuperação de pacientes já vêm sendo aplicados em diversos países, e apresentam resultados de sucesso. Essas experiências mostram que a presença dos pets podem trazer melhorias de saúde e qualidade de vida, como redução na pressão sanguínea e nos batimentos cardíacos até a sensação de felicidade e relaxamento”, afirma.

Conforme o parlamentar, o projeto está apto para a votação em plenário, pois já recebeu o aval positivo das duas comissões competentes: Legislação, Justiça e Redação Final e infraestrutura, Desenvolvimento e Bem-Estar Social.
Representantes do Hospital Tacchini divulgaram uma nota em que apoiam a iniciativa, além de sugerirem formas de tornar a legislação mais eficaz, do ponto de vista da instituição. O documento assinado pelo superintendente executivo e a diretora técnica da Casa de Saúde, Hilton Roese Mancio e Roberta Pozza, destacou ações pontuais que já são realizadas no local com vistas à interação entre pacientes e animais.