(Este texto, resultado de uma pesquisa de campo, dormia, numa das gavetas, o sono dos esquecidos. Ou talvez esquecida esteja eu: vá que já tenha publicado! Em caso positivo, conto com providencial falha de memória dos leitores…)

Muita pedra havia no meio do caminho e um mato espesso, habitat de onças, bugios, antas…, típico de uma natureza indomada. Mas os imigrantes não se intimidaram. Italianos de cepa tão humilde quanto vigorosa trouxeram, na bagagem, fé e sonhos. A fé alimentou os sonhos, e os sonhos proveram a fé, binômio que deu certo por ser alimentado pelo trabalho.

No decorrer de quase dois séculos, as pedras do caminho compuseram os Caminhos de Pedra, uma espécie de Santiago de Compostela, roteiro obrigatório dos turistas que vêm à serra e de nossas próximas incursões pelo passado. Começaremos com a família Bertarello:

Corria o ano de mil novecentos e alguma coisa – na verdade, naquela época, o tempo não corria: se arrastava. Ari, um moleque de doze anos, resolveu que já era homem, afinal exibia até um rascunho de barba na cara. Assim, num belo dia, embrenhou-se, na mata, com dois amigos. Para proteger os pés, um par de tamancos e para proteger a vida, uma arma – a funda.

O grupo avançava pela mata fechada quando, próximo ao Rio Burati, rugidos fizeram o chão vibrar e as folhas das árvores estremecer. Ari teve um calafrio. Aquilo era coisa de leão baio, e dos grandes.

-Mama mia! Dio santo! Vamo trepá nas planta. Prêsto, que os bicho gá fáme!

Ante a urgência da situação, os guris obrigaram-se a escalar um pinheiro. Lá de cima, com “as partes” e o peito ardidos, olharam para baixo. Quatro leões e três jaguatiricas avaliavam o território. As feras não mostravam nenhuma intenção de se afastarem.

Ari choramingava em brasiliano:

-Gó sbregá minhas calça. Elas rasgaram bem in mézzo…

-Adésso tu pode pissar sem abri a botega – brincou o amigo tropeçando no Português.

Horas se passaram. O sol já se punha no horizonte quando os felinos resolveram seguir viagem. Talvez nem estivessem com tanta fome assim…

Dizem que descer é bem mais fácil do que subir, mas Ari garante que não, ao menos em se tratando de pinheiros. Vergões tatuados na subida foram redesenhados na descida.

Momentaneamente a salvo, o bom senso dizia para o grupo retornar à casa, mas qual o quê! Ari, que era muito teimoso, resolveu que não voltaria de mãos vazias. Com o bodoque em punho, começou a procurar algum bicho. Ao atravessar pequena clareira, aproveitou a distração de um casal de gorilas e raptou o filhote.

Caco, o macaco, virou animal de estimação, mas aprontou tantas (aí são outras histórias) que os Bertarello não viam a hora de passá-lo adiante. Quando uma caravana de ciganos acampou por perto, eles sorriram maliciosos… E o Caco foi trocado por uma caçarola.