Assim como algumas famílias vindas da Itália por volta de 1875, os Merlin e os Strapazzon se estabeleceram na atual comunidade da Linha Palmeiro, no distrito de São Pedro. Com diversas dificuldades, conseguiram se manter e passar a tradição de geração em geração
Na terça-feira, 21 de fevereiro, foi a data escolhida para celebrar o Dia Nacional do Imigrante Italiano, momento que marcava a chegada do navio La Sofia com 380 famílias, em 1874. Foi nesse dia que iniciou a grande imigração da Itália com destino ao Brasil.
Os motivos para a vinda dos imigrantes italianos para cá foram diversos, desde políticos e econômicos à sociais, bem como pelas difíceis condições nos vilarejos em que viviam no país europeu. Já na região em que escolheram para se estabelecer na Serra Gaúcha, as dificuldades encontradas por eles nos primeiros anos foram a miséria, a falta de médicos, a exploração e o mau tratamento por parte das autoridades.
Ao receberem seu lote na região de São Pedro, passavam a realizar o desmatamento e a construção de um abrigo provisório embaixo de árvores chamadas marias-moles, barrancos, cabanas, entre outros espaços. Os primeiros a erguerem suas residências foram os que já possuíam conhecimento em edificação e rochas.
A família Merlin
A família Merlin foi uma das primeiras a colonizar a região, por volta de 1875. A casa onde morou durante gerações foi construída em 1884 pelo imigrante italiano Pietro Merlin, vindo de Trichiana (comuna italiana da região do Vêneto, província de Belluno), juntamente com a sua esposa Lúcia e seus pais, Basílio e Angela. O casal teve 14 filhos, sendo oito mulheres e seis homens.
As pedras utilizadas na construção da casa eram basalto, retiradas do local onde se estabeleceram. Além disso, foi levantada em três fases, mas atualmente encontra-se levemente modificada, fazendo parte da Casa da Memória Merlin, um dos pontos turísticos da região. “A primeira parte é a menor, onde há uma sala de restauro, cozinha, loja, museu da família, quarto do casal e das crianças. Na segunda temos a recepção, sala de reunião Anselmi e museu das famílias da comunidade”, conta Taína Debona, assistente responsável por apresentar a residência aos visitantes.
Na terceira é a parte do sótão, onde está instalado um espaço para relembrar peças daquela época. “Antigamente, chamavam de ‘granaro’. Por ser um ambiente bem arejado, onde encontramos a maior parte das aberturas da casa, era favorável para a secagem das sementes. Hoje, temos o museu itinerante. Este local altera-se há cada seis meses, demonstrando um pouco das famílias da região. Também, possui alguns livros que falam do Talian – autodenominações para a língua de imigração falada no Brasil na região de ocupação italiana direta e seus desdobramentos desde 1875 – da cidade e do nosso Distrito, São Pedro, preservando a história e a cultura do local”, relata.
Por volta dos anos 60, a residência foi toda rebocada, como outras casas de pedra do roteiro. Parte do reboco foi removido nos anos 80 por Alcides Merlin, neto de Pietro Merlin, recuperando a imponência e a beleza original. Um tempo depois a casa foi restaurada, com início das obras em 2016 e término em 2020, sendo aberta para visitação em 12 de outubro de 2021. O restauro aconteceu através da Lei de Incentivo à Cultura, tendo várias empresas da cidade e região como patrocinadoras.
O museu da família encontra-se na 1ª fase da casa, onde antigamente era a cozinha. Os armários eram embutidos, não existia encanamento na casa, então, precisava-se pegar a água de fora para lavar a louça. “Hoje, encontramos o Museu da Família Merlin, com várias latas de azeite, a caixa registradora, ferramentas agrícolas e para análise da soja da fábrica da família, localizada em Porto Alegre, que por volta dos anos 90 encerrou suas atividades”, informa.
A família também fez parte da Banda Musical São Pedro. No museu, encontram-se alguns instrumentos musicais, como violino, acordeom e bombardino. “Além disso, há fotos que recordam um pouco dos momentos vividos pelos Merlin, entre outros objetos”, revela.
Família Strapazzon
A Família Strapazzon também foi uma das pioneiras da região, chegando em 1875 à comunidade de São Pedro, na Linha Palmeiro. Ao receber o lote rural número 72, as gerações foram passando-o até chegar na quarta, com Vilson Strapazzon, que atua há anos com sua cantina e espaço turístico.
De acordo com Strapazzon, assim como todos os imigrantes, seu trisavô Santo e bisavô Giovanni, passaram por muitas dificuldades. “Tiveram que desbravar o mato, enfrentar fome, frio e doenças. Antes de se fixarem em São Pedro, ficaram abrigados num local que era chamado de Barracão, que hoje leva o nome do bairro. Depois de um certo tempo que estavam lá, recebem os seus lotes”, explica. Porém, não ganharam a terra em que ele herda até os dias atuais. “Tiveram que pagar uma porcentagem sobre a produção que eles tinham no próprio terreno”, observa.
Por volta de 1880, a família construiu a primeira residência, a casa de pedra que existe até hoje e recebe visitas e muitos turistas. Inclusive, a construção foi cenário do filme ‘O Quatrilho’, famoso por ter sido indicado ao Oscar de filme estrangeiro, em 1996. “Foi erguida em pedra bruta e irregular, onde os imigrantes foram limpando o terreno e, ao mesmo tempo, selecionando o material para a obra. Ela tem uma parede de aproximadamente 60 cm, onde iam trabalhando com duas pedras, usando as faces das mais perfeitas nas extremidades e no meio, sendo compensado com barro e argila, que davam liga e sustentação”, relata.
Além disso, a casa tem toda a parte interna de madeira de Pinheiro e Araucária, que foram cortadas com machados e marretas. “As partes irregulares eram falquejadas manualmente. Seus caibros, tábuas, janelas, portas e principalmente as telhas, que mostramos sempre para os turistas, eram primitivas e chamada de ‘escandole’, como dito no dialeto de Vêneto, região ao nordeste da Itália de onde veio minha família. Atualmente, o telhado já não é mais original, desde 1960 ele é de zinco”, menciona.
Segundo Strapazzon, seus filhos fazem parte da quinta geração e serão os responsáveis por dar continuidade ao trabalho de preservar, manter a propriedade e tentar levar adiante a história da imigração italiana na região. “Sinto que tenho a obrigação de manter esse espaço que é herança, que veio das mãos dos meus antepassados, que não mediram esforços para manter essa terra. Passaram por todas as dificuldades que se possa imaginar, mas nunca venderam a sua propriedade. Ela tem valor sentimental, não tem preço que pague o que vem de geração para geração”, encerra.
Fotos: Cláudia Debona