Sete e quinze da matina. O despertador de cabeceira, que sofrera uma pane por causa da falta de luz elétrica na noite anterior, arranca o homem da cama com um atraso significativo. Seu relógio biológico? Em parafuso – ainda não assimilou as mudanças impostas pelos novos tempos. Há de se compreender! Mudar uma programação ancestral no DNA masculino leva gerações.

Ele suspira preocupado. Por pouco não atrasa o café da família, que inclui suco natural de laranja, torradinhas, geléia e café passado. Menos mal que o leite foi banido da mesa, em função dos aditivos da moda encontrados no líquido branco, tipo soda cáustica e formol. Assim, não vai ser preciso limpar o grude ao entornar no fogão, coisa que habitualmente acontece.

Apesar do adiantado da hora, o homem fala macio para acordar sua turma, respeitando o mau-humor matinal típico dos adolescentes, mas como todos se fazem de surdos, apela ao método sugerido pela terapeuta:
-Gente! Quero ver todos de pé! Vou contar até três… Um, dois, três…
quinze, dezesseis, dezessete…quarenta e um…

Então o velho sentimento de macho alfa renasce das próprias cinzas. O homem introduz dois dedos na boca e deixa escapar um assobio tão fino que faz tremer as vidraças. Todos levantam rapidinho. Sem brigas no banheiro, sem reclamações no café, sem xingamentos.
Ele prepara a merenda dos garotos e ajeita o blazer da executiva, que está pronta para o batente. Ganha um selinho de despedida tão leve que nem deixa marca de batom, e a recomendação para que se acalme, afinal a manhã ainda é uma criança. Dos filhos, um “tchau, pai, descansa, tá?!”.

Assim que fica só, analisa os prejuízos do atraso: perdeu a feira ecológica. Pragueja xingando a si próprio e vai à luta. Inicia o ritual da separação da roupa suja suja, conforme a cor, fibra, textura, finalidade…, cuidando em especial da lingerie da mulher.

Arreda os móveis, varre, encera, espana, organiza, areja, perfuma… Ufa! O tempo passa voando. E o almoço? Muito tarde para um prato mais elaborado. Decide por algo simples, mas não simplório. Gosta da arte da culinária.
Depois da refeição, as tarefas continuam. E vem a noite. Com ela, o jantar, e a louça, e a roupa do banho, e tantas outras coisinhas…

Já na cama, ele fantasia. Está cansado, mas não morto. Se aconchega, se insinua, enquanto suas mãos se multiplicam. Então ela se desprende e resmunga, com o direito de quem provê o sustento:
-Não dá pra ficar quieto, homem de Deus? Tem gente aqui que trabalha, sabia? Vê se sossega o pito.