Tem espaço para tudo no turismo, junto à rodovia, desde que seja diferenciado, cultural e de bom gosto, afirmam Ivane Fávero e Tarcísio Michelon

Juntar duas verdadeiras sumidades em turismo com reconhecimento mundial numa mesma entrevista foi um desafio de agenda quase impossível mas aconteceu. O precursor do turismo na Serra Gaúcha, Tarcísio Michelon, que tem uma bagagem imensurável de mais de 40 anos de experiência, e a mundialmente reconhecida Consultora Ivane Fávero, que tem em seu vasto currículo MBA de Planejamento e Marketing do Turismo pela George Washington University, especialista em Enoturismo, Fundadora da Associação Internacional de Enoturismo – Aenotur realizando palestras em vários países da Europa e América e responsável pelo Blog Viajante Maduro, foram reunidos para essa entrevista com Ana Inês Facchin, diretora do Jornal Semanário. Resumindo ao máximo o cabedal de informações que brotou desse encontro que era só para falar da BR470 mas extrapolou de forma gratificante, iria render mais de 13 páginas do jornal. Então, condensamos o incondensável para caber em três páginas do impresso e publicamos aqui no site a íntegra da entrevista com áudio gravado e super recomendamos conferir pela riqueza de conteúdo, dicas e visão de futuro de quem é autoridade inquestionável no assunto sobre os caminhos que inevitavelmente iremos trilhar daqui em diante.

Tarcísio, criaste a nossa primeira rota turística, Caminhos de Pedra, que abriu caminho para tantas outras, como a Estrada do Sabor, que a Ivane implantou em Garibaldi. Vocês deram os primeiros -e tantos outros- importantes passos para inúmeras iniciativas de sucesso, como a própria Maria Fumaça, Vale dos Vinhedos e muito mais que pude acompanhar ao longo das últimas décadas. Como vêem a vocação turística nesse trecho da BR 470? Tem futuro?

Tarcísio Michelon: Na verdade o Vale dos Vinhedos iniciou antes da Rota Caminhos de Pedra. Inclusive, antes mesmo da Casa Valduga, nós, como Hotel Dall’Onder, levávamos nossos hóspedes para visitar a colônia do falecido Antônio Guerra com quem eu tinha trabalhado quando fiz o segundo grau e, como não havia ainda o asfalto, ao invés de ônibus usávamos a Magneti, que era um ônibus usado em uma novela da globo, porque, sem asfalto, os grandes ônibus não aceitavam ir. E naquela época nós chegamos a levar cinco mil turistas para visitar um agricultor chamado Domingos Tumelero, o Mingão, até um dia descobrir que vivemos num matriarcado respeitável, no qual as mulheres têm uma influencia decisiva, e a esposa do Domingos decidiu morar na cidade. Assim nós ficamos sem local de visitas na colônia. Veja que cada turista pagava ao seu Domingos só para visitar seu parreiral e ouvir suas explicações de como fazia o vinho, que não deixava nem a uva apanhar sereno, que fazia o vinho e vendia em “garafón”. Depois disso, morando na cidade, seu Domingos trabalhou um tempo na Cordelier e nós tivemos que buscar um novo parceiro: a família Valduga, depois Casa Valduga. E quem trouxe esse novo parceiro até nós foi o Danio Braga, um sommelier famoso, criador da Associação brasileira de sommeliers, que foi inclusive chefe geral de gastronomia da Varig por uns bons tempos, e aí, juntos, a gente fez nascer a Casa Valduga, com quem eu aprendi muito. O saudoso seu Luiz Valduga dizia: chi fa el vin, ga el vin; chi vende la u’a ga niente“ (“quem faz o vinho, tem o vinho; quem vende a uva, não tem nada”). E a partir disso, da teimosia dele, num período em que aqui havia meia dúzia de vinícolas somente, pois o inspetor de Bento era muito rigoroso, botava o vinho dos colonos no esgoto -e aqui em Bento se criou, graças à escola de enologia, uma cultura em fazer vinhos bons. Naquele tempo tínhamos meia dúzia de vinícolas e o vinho feito sem o auxílio de enólogos era desprezado e colocado no esgoto não se sabe bem ao certo se era para, com isso, aumentar o fornecimento de uvas para as grandes vinícolas com uma nova tecnologia em fazer vinhos. O fato é que Bento ressurgiu com uma nova tecnologia em produzir vinhos e brotou essa maravilhosa nova geração, Juarez Valduga, João Valduga, Adriano Miolo… temos hoje, me parece, 79 vinícolas. Resgatou-se a cultura de nossos antepassados. E quem fez isso foi a escola, junto com o turismo, mas começou pelo Vale dos Vinhedos.

Ivane Fávero: A gente precisa voltar um pouco mais na história. A vocação de uma cidade não se dá só pela paisagem ou pela cultura; é um somatório e também envolve oferta e mercado. Ao longo da história, o perfil econômico da região também foi mudando. Se voltarmos no tempo, primeiramente fomos agrícolas, mas os imigrantes italianos que aqui vieram tinham ofícios, conhecimento e ai começou a industrialização. Nesse meio tempo houve também o turismo, naquela primeira fase, era o saudoso veraneio na Serra Gaúcha, lá pelas décadas de 50/60. Depois a moda foi para o litoral e aqui o foco se voltou totalmente para a indústria. Neste tempo, lembro, eu já trabalhava ligada às prefeituras locais. Por cinco mandatos fui secretária de turismo e cultura entre Bento Gonçalves e Garibaldi. Lembro bem que se discutia isso na região, que a vocação das áreas da rodovia que hoje é BR470 era industrial, porque era essa a sabedoria daquele momento. Tem um autor que fala em topofilia, ou seja, o estudo do quanto o meio ambiente natural e cultural influencia no ser humano. Mas a gente pode ampliar este estudo e entender que a evolução do perfil da matriz econômica e sua influência no Brasil e no mundo foram nos moldando. Mas aí a indústria passou a ter alguns momentos de crise, não tem sido fácil nos últimos anos. E o turismo tem crescido anualmente em torno de 4 a 6% no mundo. Hoje, 10% do PIB mundial já é do turismo, um em cada dez empregos. E quando a gente ouve o seu Tarcisio falando, que se começou lá pelo Vale dos Vinhedos, com os Caminhos de Pedra, depois eu mesmo me envolvi na construção de diversas outras rotas, percebe-se que temos vindo aprendendo com isso, aprendendo também com Gramado e vendo conceitos que começaram a ser discutidos na região. Assim, além da Escola de Enologia, da Embrapa, surgiu também o curso de turismo na UCS, e em seguida o mestrado em turismo na UCS, trazendo pessoas como Mario Beni, considerado o grande doutor em turismo no Brasil, que veio para a região e disse: vocês já têm um cluster turístico aqui, o que é raro se perceber no mundo. E um cluster turístico é isso, é quando a gente começa a ver que há uma junção do conhecimento sendo aplicado através do ensino aos negócios que são dinamizados em todos os setores da economia; na agricultura com o turismo rural, através da indústria com as vinícolas, por exemplo, no comércio, nos serviços… Mas naquele tempo tudo ainda estava um pouco desarticulado, apesar de termos aqui uma governança, a Atuaserra, que é uma das mais antigas da região e tem muitos projetos de sinergia entre os municípios, efetivamente. Mas aí surgiram alguns projetos nos mostrando essa conurbação turística, e esse é um novo conceito que trago aqui, que a gente tem as conurbações da cidade, porém o que nós estamos vendo é essa conurbação turística, ou seja, os projetos turísticos transcendem a esfera territorial de cada município. Ela junta, por exemplo, Bento, Garibaldi e Barbosa com a Maria Fumaça, junta Bento, Garibaldi e Monte Belo com o Vale dos Vinhedos… Isso começou a nos mostrar que muitas vezes os negócios, a territorialidade, podem ultrapassar as barreiras geopolíticas e agora a gente vê esse outro momento crescendo e que, sim, a vocação (da BR 470), hoje se percebe, é muito mais natural para o turismo e os avanços são muito mais possíveis no turismo, inclusive com sustentabilidade econômica, social e cultural nesta área do que talvez com a indústria. Este é o momento que a gente vai perceber mais fortemente esse avanço, unindo principalmente Bento, Garibaldi e Carlos Barbosa, que já é um caminho natural para o turista. Todo o turista que vem pela região vai passar por estas três cidades, certamente.

Tarcísio Michelon: Em todos os passos da minha vida no turismo o aspecto cultural tem estado em primeiríssimo lugar. Qual é a região da Itália que mais turistas recebe por ano? É o Vêneto; surpreendentemente mais de 60 milhões de turistas/ano acontece no Vêneto, que também é industrialmente desenvolvido. Os nossos antepassados já trouxeram essa vocação turística e ela se manifestou várias vezes. Um elemento fundamental -e isso pode parecer curioso- Bento Gonçalves tinha, na década de 40, mais de 20 hotéis, era o maior polo turístico do RS, e por que? Porque havia acessos para você passar o veraneio na Serra Gaúcha, mas não havia acessos para você passar o veraneio na praia, não havia estradas para a praia. Então, a questão estradas, caminhos para se chegar até um local, sempre foi fundamental. O que aconteceu aqui é que, a partir de 1980 quando retornei para cá, já tinha feito este estudo: que nós tínhamos no passado muitos hotéis mas havíamos regredido por conta do desenvolvimento da estrada para o Litoral, através de Santo Antônio da Patrulha, da Freeway, e aí o litoral é que se desenvolveu e se tornou o local de veraneio em lugar da Serra Gaúcha. O asfalto chegou bem depois da indústria automobilística brasileira, que era a Volkswagen. O primeiro asfalto que chegou aqui na região foi em 1960, e passava por Caxias, não passava por aqui. Muitos anos após é que tivemos a São Vendelino. Mas em 1980, quando retornei a Bento Gonçalves, encontrei uma região que tinha vocação para a indústria, o comércio e o turismo, mas esse estava abafado completamente. E a que essa região priorizou se dedicar? À indústria, parafraseando Caxias. Mas cada um destes municípios desenvolveu a sua aptidão que os nossos nonos trouxeram da Europa, da Itália. Assim, chegou um momento, em 1980, que, tendo já estradas, começamos a retrabalhar esta vocação turística. E hoje, o que está acontecendo, que não parece terem passado 40 anos? Uma economia rica e é uma economia diversificada. Como dizia meu pai: quem vê um alfinete no chão e não recolhe, não vale o alfinete. Talvez haja um certo exagero, mas o princípio é válido. E aí o que aconteceu a partir de então. Nestes últimos anos alguns teimosos como a Ivane, eu e outros, fizemos com que o turismo prevalecesse mesmo não sendo a atividade econômica mais rentável naqueles momentos. Evidentemente a indústria era mais rentável como ainda é em alguns casos e a gente continuou insistindo no turismo. Fomos buscando essa antiga vocação e encontrando pessoas que começaram algo turístico. E normalmente estas pessoas que começaram, tanto na vida da Ivane como na minha, eram pessoas pobres, não eram ricas. As ricas continuavam em outro tipo de atividade e nós buscamos os pobres, fomos trabalhando eles e de repente surgiu um novo mundo, que está presente hoje em dia, e felizmente não pode ser mais desprezado por ninguém. O turismo está aí e é uma realidade. Então uma economia forte é aquela que tem um turismo forte, um comércio forte, um serviço forte, é isso que a gente então tem defendido nestes anos todos. O processo de desenvolvimento turístico é, portanto, um processo cultural.

Que mudanças vislumbram no trecho do Complexo Turístico Integrado da BR470 nos próximos anos, a curto e médio prazo?

Ivane Fávero: Já começou essa mudança. O seu Tarcisio mesmo inaugurou há pouco tempo um novo hotel na antiga área do Sky, que, aliás, pelo que sei, vai muito bem, vou lá com grupos e sempre vejo uma ótima ocupação, é uma área que dá muito certo sim. Já há outro projeto de hotel com centro de eventos, temos agora o parque temático que deve abrir junto à BR470, já temos, por exemplo, Garibaldi iluminando boa parte do seu território na rodovia com uma iluminação diferenciada, plantando hortênsias no caminho, Barbosa fez um belo acesso também e agora a gente deve integrar esse território paisagisticamente e outros projetos vão surgir, inclusive com a visão de planejamento regional. A Itália também nos ensina isso: tem lá o que eles chamam de ‘Pro Loco’ (pró-localidades) que são os escritórios de desenvolvimento territorial das localidades e são referência para nós. Já fomos lá estudar modelo, já tentamos aplicar aqui, até com o apoio do Ministério do Turismo, mas é um aprendizado que ainda, dentro da estrutura política brasileira -federal, estadual e municipal- precisa ser apreendida no conceito de região, parece que não cabe enquanto políticas, enquanto recursos. E o que se quer provocar agora é, sim, que é possível criarmos leis territoriais. Existe um consórcio dos municípios agora que pode estar desenvolvendo isso, mas independentemente do aspecto ou do caminho que se escolha, é possível sim que os municípios integrem projetos como planos diretores de desenvolvimento territorial conjuntos. Vale dos Vinhedos já fez esta provocação, pois precisa resguardar o território para o desenvolvimento turístico em três municípios, e agora, talvez, unindo estas rodovias, há que se fazer um reestudo, pois os planos diretores -lembro a época em que se discutia- favoreciam o desenvolvimento industrial. Vejam que, quando Garibaldi teve, recentemente, que possibilitar a construção do novo Hotel, precisou fazer leis específicas. Agora já é possível um novo olhar para estes municípios e ver como desenvolver esse processo, com harmonia entre a indústria, que já está estabelecida, desde a Tramontina até aqui, mas agora possibilitando investimentos no turismo e principalmente embelezando esta rodovia, o que vai trazer ainda mais competitividade no turismo, não só da rodovia, mas interiorizando o turismo. É importante entender que o turismo começa, como seu Tarcísio falou, pelo interior. É pelos distritos que se desenvolve, depois o aspecto urbano, vai para as suas margens, para a sua rodovia, mas não podemos nunca, deixar de entender, que a nossa base, a força do turismo local, ainda está no interior, onde se produz a uva, o vinho, onde se mantêm as tradições da imigração italiana, onde se têm a cultura mais viva. E digo mais: em 2001 foi um período onde nós fizemos o lançamento da Rota dos Espumantes, da Estrada do Sabor, da Rota Passadas, da Arquitetura do Olhar, era um momento em que nós precisávamos roteirizar para poder divulgar o turismo local e, primeiramente estruturar, depois organizar e divulgar. Hoje a gente sabe que o turista, mais do que rotas, ele quer saber o que fazer naquele território. Cada vez mais tenho defendido que é o momento de nós lançarmos os territórios turísticos e os territórios já não são mais Bento, Garibaldi e Carlos Barbosa individualmente; é esta região. Por isso que a maioria dos turistas usa o termo Região dos Vinhedos e o que eles querem encontrar aqui é essa cultura toda e saber que experiências vão ter aqui. Então é muito importante que a rodovia seja o receptivo deste turista que já dê a ele serviços, produtos e que ajude a redistribuir melhor este turista como um canal efetivo, de promoção deste território, entendendo que nós somos um território só, um território uno, para o turista, mas nós precisamos começar a organizar isso no âmbito dos municípios.

Tarcísio Michelon: Em janeiro deste ano tive a felicidade de receber uma amiga, proprietária da Brocker Turismo de Gramado. Ela me confessou que Gramado e Canela estavam com um problema e contrataram uma empresa internacional para estudar a questão, que é exatamente o engarrafamento. Aí esta equipe internacional, depois de estudos, chegou à conclusão que Gramado desenvolveu um modelo de turismo baseado só na cidade e isso fez com que o turista que lá chegasse -e chegou em grande número, foi um sucesso, também nos causa admiração, não temos problemas com Gramado- passou a ser um problema, por que demorava às vezes mais de uma hora para atravessar poucos quilômetros. Então o pessoal lá de Gramado e Canela perguntou para esta equipe internacional: e o que fazer para resolver este engarrafamento? Aí foi dito para eles: vocês têm que fazer como Bento Gonçalves. Isso poucas pessoas sabem e eu falo com muito carinho, com muito respeito. Minha mãe tinha, antigamente, junto com meu pai, um hotel turístico muito avançado, até hoje seria muito avançado, pois era um hotel que vivia de saúde, o hotel saúde. Na época não havia cama de acompanhante no hospital. O pessoal vinha no hotel, ate os doentes menos graves se hospedavam no hotel e se tratavam com os médicos do hospital, uma coisa muito atual hoje. Então um dia perguntei pra ela: mãe, o que os turistas gostavam no teu tempo. Ela me disse: no nosso tempo os turistas gostavam de tudo que era nosso. E aí eu comecei a observar que quando alguém ficava falando na ‘careta” e ‘caroça”, sem um ‘r’, muitas pessoas da cidade e do comércio local sentiam vergonha. Então nós chegamos à conclusão que devíamos direcionar o turismo para o interior, o turista queria ouvir o sotaque e o dialeto. Enquanto isso na cidade se comentava só uma coisa: como ter turismo em Bento se o comércio não abre aos finais de semana? O curioso, é que até hoje o comércio não abre e ninguém lembra. Mas o turismo cresceu no interior, e como. Então direcionamos naquela época o turismo para o Vale dos Vinhedos, para os Caminhos de Pedra, e aí começamos a ver que o turista ficava encantado com a experiência e estava era comprando uma experiência. Ele queria ver o nono, era isso que ele apreciava. O nosso folclore, ele queria ouvir as canções antigas e o sotaque fazia parte deste charme e não da vergonha que na época algumas pessoas desavisadas da cidade sentiam. A partir daí nós começamos a prestigiar no nosso hotel os atrativos que tinham a ver com esta cultura e não tínhamos a vergonha de falar grosso e nem de ouvir a pronúncia de um ‘r’ a menos. E aconteceu o resultado de todo esse esforço, direcionamos turistas para o vale dos Vinhedos, como a Casa dos Vinhos Tumelero, depois a Valduga, e para os Caminhos de Pedra mais tarde, isso num tempo sem estradas, era algo extremamente difícil. Só que aí aconteceu o seguinte, houve um vice-prefeito, que às vezes não é citado, e eu faço questão de citar, que asfaltou o nosso interior: o Rubens Lahude, ainda vivo, graças a Deus. E com o advento das estradas asfaltadas a Monte Belo, Pinto Bandeira, São Pedro e até Guaporé, nós conseguimos ter acesso asfáltico até o nosso homem do interior e aí se desenvolveu com velocidade o turismo. O que nos deixa alegres é que estes fatos aconteceram não somente em Bento mas em todos os municípios da nossa região, que fizeram projetos e colocaram assim, à nossa disposição, uma rede de 300 a 400 km de estradas asfaltadas no interior. Isso significa que nós podemos levar para o interior todo o turista que nós quisermos, pois agora ele tem acesso, bem diferente da realidade que tínhamos no início. Agora tem acesso para todos. A cultura está em nosso interior e também as culturas que se agregaram à nossa cultura aqui, mas sempre tendo como elemento guia a nossa cultura italiana. Evidentemente que a BR470 é uma área que está incluída neste todo e está entre as principais que poderão se desenvolver turisticamente. Porque também a vida mostra os exemplos de nossos antepassados em Beluno e é uma realidade muito significativa lá. Em Beluno tivemos nos últimos 40 anos o desenvolvimento da maior indústria de óculos do mundo. A Luks Ótica, que é a proprietária, para quem não conhece, de marcas como Georgi Armani, e de outras famosas. Ela é tão forte e poderosa que comprou a Rayban, então hoje você assiste uma corrida de Fórmula 1 e vê que ela patrocina a Ferrari, imagine o poderio econômico. Pois agora, lá em Beluno, região do turismo da neve, milhares de empresas montadas nos porões das casas, com o advento China, tiveram que ver as suas indústrias fecharem e voltarem para o turismo da neve. Isso é muito significativo para nós todos sabermos que colocar todos os ovos na mesma cesta não é nada bom. O turismo ninguém vai tirar daqui. O que acontece: as autoridades, sejam de Beluno, da região do Veneto, fazem qualquer negócio para segurar as famílias no interior. Eles fazem ciclovias, parques temáticos, tudo que possa beneficiar e não se deixe esses moradores que estão nas montanhas decidir mudar-se para a cidade. O Veneto é o que é por que tem turismo da neve, de cidades de arte como Veneza, Padova, Vicenza e Verona, e também turismo do mar, por isso chega a 60 milhões de presenças anuais. Aqui na nossa região, além especialmente, deste belo local que é a BR 470, eu diria que hoje a porta está aberta para quem tem foco no turismo para desenvolver várias cidades do nosso interior. Evidentemente a necessidade é também um grande influenciador desta vocação, porque o turismo aparentemente parece grave porque tem que trabalhar no sábado, no domingo, e tal, mas estava falando que, esses dias, fui em um concurso de misses lá em Flores da Cunha e comentei com uma liderança local: mas em Flores da Cunha o turismo não se desenvolve, o que há? Ele disse: o nosso problema é que estamos muito ricos e o dono do restaurante quer almoçar em casa no domingo, o restaurante não abre. Então, na verdade, temos que aproveitar toda esta mão de obra, às vezes despreparada, formar, mesmo que não seja de origem italiana, que estão afluindo para a nossa região, e transformar isso aqui em um grande potencial turístico, tão forte quanto, ou maior que, a Itália.

Então na BR470 justamente, por acessar todo esse entorno riquíssimo, o investimento turístico deve focar em coisas exclusivas, atentas às nossas particularidades, para que as pessoas que vêm aqui encontrem algo especial, com características originais?

Tarcísio Michelon: A indústria não tem conflitos com o turismo. Um dos exemplos que foi dado, com o incentivo da Ivane, ao meu ver é uma das maiores atrações turísticas da região: a Madelustre. Saber que o homem descobriu o vidro quando um raio caiu na areia e a fundiu formando o vidro. Assim como esse exemplo da Madelustre, tive a felicidade de ver na Itália, em Dobbiaco, uma indústria de laticínios, e nós temos em nossa região a Santa Clara. E eles, no andar de cima, fizeram o ‘Mondo Late’, esse mundo do leite começa dizendo que sem o leite não existiria o homem e explicando as etapas do leite, enquanto você assiste a produção dos laticínios através dos vidros, mas termina em um ambiente fechado, lindo, chamado Via Láctea. Você sai desta visita do leite tão impressionado como você sai de uma vinícola, de uma visitação enoturística. Isso está lá, em Dobbiaco. Ou então, ver, como a gente viu na Itália, antigas ferrovias a pleno vapor enquanto assistimos lamentavelmente, muito lamentavelmente, abandonadas em nosso município… Um belíssimo trecho de 49km entre Bento e Jaboticaba abandonado… As pessoas não têm noção do quanto foi gasto para construir este trajeto e está abandonado, e ninguém fala nisso. Mas lá na Itália nós vimos ciclovias construídas em antigas ferrovias desativadas e pedalamos 27km de uma ciclovia numa antiga ferrovia em Cortina d’Ampezzo, onde está a estação de esqui mais sofisticada da Itália e nós vemos aqui, como podemos assistir hoje, de Carlos Barbosa a Montenegro, a ferrovia totalmente abandonada, uma riqueza cultural que se fosse tentar construir hoje não se conseguiria  e você observa que nada foi feito no lugar; só foi feito algumas poucas coisas erradas que suspenderam para toda a vida uma ciclovia que poderia ter 43 km de Bento até Montenegro, e nós temos Bento a Jaboticaba assim. Lá, na Itália, nós vimos uma empresa com mais de cinco mil bicicletas para serem alugadas por 25 euros por dia. Lá, a ciclovia é sempre descendo. Como seria aqui, não chega a 8% de declividade, a maioria das partes onde a ferrovia passa dá volta pelas montanhas, não tem muita queda e a pessoa pode perfeitamente ir até Jaboticaba pedalando sempre, em família. Nós temos uma coisa deste tamanho esquecida, talvez por alguns interesses. Além disso a gente vê, aqui em Bento, a construção de um aeródromo em lugar de Fundaparque… que milhares de pessoas viriam por aéreo para cá?? Por que algumas pessoas queriam tanto o asfalto no aeródromo, enquanto a Fundaparque está abandonada e não pode receber turistas durante os meses de outono, inverno e primavera, pois eles podem estar sujeitos a mudanças na temperatura e, com isso, nós deixamos de receber milhares de turistas e de sermos um centro de convenções da Abraset em condições de concorrer com o Brasil inteiro? E foram lideranças que tomaram esta decisão. Eu até pouco tempo atrás não falava mais, Ana. Mas agora eu vou falar. Não consigo mais aguentar tantos absurdos…

Ivane Fávero: Vou voltar um pouco para a fala inicial de seu Tarcísio, pois lembrei de uma frase de Platão: a necessidade é a mãe da inovação. Foi assim que nós fomos inovando na região com a adoção do turismo. Tenho trabalhado muito Brasil afora como consultora, por exemplo agora, na Costa Doce, e vejo cidades com mais de 200 anos que, enquanto aqui éramos colonos, derrubando mato para construir casas, lá eles já tinham bibliotecas e teatros. Demorou mais para o desenvolvimento surgir aqui. E nós tivemos que nos construir muito rapidamente em 100 anos.  Há poucos dias, estive em Portugal para aprender com o melhor destino Europeu três vezes consecutivos, que teve que se recriar por necessidade, inovar e investir no turismo para equilibrar a economia. Lá percebi que há recursos da União Europeia para construir projetos e que estes projetos estavam indo ou para os países de língua portuguesa da África ou para o Nordeste; nenhum para cá. Então começamos a trabalhar lá os projetos de enoturismo. Já recebi um grupo de 12 pessoas dias atrás, agora vieram mais 4, e são em quatro entidades que vamos trabalhar esse projeto. Eles se impressionaram em perceber que tudo isso foi feito em pouco mais de 100 anos. Não imaginavam que tivesse tanto desenvolvimento e com relação ao enoturismo expressaram que nós estamos igualados à oferta mundial. Mas isso não foi uma construção fácil. Eu nasci há quase 50 anos. Só em 1969 chegou a luz à nossa comunidade, que era distrito de Monte Belo/Bento Gonçalves, depois Santa Tereza emancipou e abraçou esse território. Há 50 anos não tínhamos nada. Tudo o que nós tivemos que fazer foi por necessidade, e corremos muito, nos adaptamos muito. Por volta de 2000 eu estava na UCS como professora, coordenando o curso de turismo, e fizemos uma pesquisa para medir como era o enoturismo na região. Detectamos mais de 100 vinícolas no RS, a maioria na região, mas a oferta era muito limitada, visitação, degustação, varejo – hoje a gente adota Loja de Vinhos-, aí passou-se a inovar por necessidade, passou-se ao turismo de experiência, passou-se a aprender com o turista, o que ele buscava, a ouvi-lo e com isso desenvolver, sim, uma identidade enoturística diferenciada, qualificada. Por isso defendo que a base na nossa região é o enoturismo, mas no enoturismo ninguém viaja somente para beber vinho, não é só o que está dentro da taça, é muito além disso. Eles vêm para viver a cultura deste território, sua paisagem, as suas manifestações diversas. Vêm fazer turismo aventura lá na Gasper, na Eulália; vão nas Ovelhas dos Caminhos de Pedra; no passeio de Maria Fumaça, querem comer o queijo de Carlos Barbosa. Esses dias fiz uma palestra em parceria com o Sicredi e chamei muito a atenção: não tem mais como separar Carlos Barbosa da oferta enoturística; vinho combina com queijo, a identidade é a mesma. Precisamos unir isso. Tenho prestado assessoria para Flores da Cunha e para Monte Belo, tenho apreciado muito o entendimento que por meio do turismo é que se desenvolve também estes territórios. Em Monte Belo do Sul começamos há dois anos, e aí com o trabalho da secretaria de Turismo, do prefeito de lá, havia 10 empresários e agora são mais de 40 empresas. Flores da Cunha também está trabalhando bem forte com Nova Pádua esse desenvolvimento, então muita coisa vai acontecer nesta nova matriz do turismo regional que, sim, teve o start de pessoas como o seu Tarcísio, e de várias outras que fizeram o turismo, mas é um novo momento que estamos vivendo hoje e eu estou adorando ver esta nova geração de jovens empreendedores que estão atinadíssimos ao que o mundo está ofertando. Há poucos dias estive na Itália, a convite da Città Del Vino, fui declarada embaixadora da Città Del Vino e aproveitei para visitar Perugia que tem a fábrica perugina de chocolates, comprada pela Nestlé, mas que ainda mantém a identidade perugina, faziam um chocolate que é o mais famoso do mundo, que foi inovador, sempre, uma das primeiras fábricas a empregar mulheres, pagar o mesmo salário dos homens, enfim, foi sempre vanguardíssima na Europa, E lá, hoje, essa grande empresa, que tem a Nestlé no comando, abre a fábrica para o turismo e investe em turismo. Não é por necessidade, mas porque sabem que esta é a melhor estratégia de marketing e foi isso que as vinícolas daqui tiveram que fazer quando entenderam que a melhor estratégia de marketing era o enoturismo. É isso que a indústria de móveis, queijos, de todos os segmentos deve entender: o turismo alavanca a imagem de um território e, se tu diz que faz móveis em Gramado, ele já vale mais por causa da grife do destino. Se diz que aquele chocolate é de Gramado, ele já vai ser preferido só por que é de Gramado. É o território que alavanca o valor do produto local e a melhor forma de valorizar um território é por meio do olhar do turista. No momento que o turista passa a desejar o local, a própria população aumenta a autoestima. Agora podemos alavancar o valor de um território de rodovia, que era visto como algo de certa forma, e por muito tempo, feio, com as piores construções, intervenções, não havia um capricho, era estrada e a estrada não era nossa. Hoje ela é federalizada no sentido de cuidar da rodovia, do trânsito, da segurança, mas esse território também é NOSSO e nós podemos ainda avançar muito integrando essa rodovia e outras mais. Precisamos urgentemente qualificar a rodovia que liga Farroupilha, Caxias e Flores da Cunha, que é uma das piores do RS, uma das piores do Brasil e é uma vergonha pensar que a gente tenha chegado nesse estado de abandono, por mais que se entenda a situação do governo estadual que não consegue investir aqui, mas precisamos nos posicionar mais como um território turístico. Faço parte do G30, que é um grupo de empresários da Serra Gaúcha que discute as políticas de desenvolvimento do turismo e, como seu Tarcísio falou, quando se discute a região das Hortênsias, que é uma das microrregiões da Serra Gaúcha, se vai muito pelo impacto do trânsito e da super oferta hoteleira frente a um não compatível, talvez, fluxo de turistas. Aqui nós discutimos a falta de logística no fluxo turístico, pois, se o turista vai no distrito ele não tem como fazer um circuito, ele sempre volta ao ponto inicial, ou seja, à rodovia. Então, vamos pensar como tornar esse eterno vai e volta, pensando no crescimento que se vai ter -e vai ter- ano a ano está crescendo. Mas é preciso agora apostar nessa nova geração e nesses novos projetos, continuar empreendendo, como diz o provérbio chinês antigo: se quiser derrubar uma árvore na metade do tempo, passe o dobro do tempo amolando o machado. Ou seja, nós precisamos pensar mais, discutir mais planejamento para não errar e por isso é fundamental um plano diretor regional.

Tarcísio Michelon: Uma das coisas muito importantes que a Ivane falou é que as pessoas estão acostumadas a ouvir falar de turismo como uma coisa mais ou menos abstrata. Mas todo tipo de turismo é a maior oportunidade para que possamos desenvolver a indústria. Nossos antepassados chegaram em uma região, cheia de buracos e montanhas que tinha sido tornada em terras devolutas, pois nenhum dos primeiros colonizadores do RS se deu ao esforço de trabalhar esta terra devoluta. Então eu uso como força de expressão, mas tem sentido: aqui na Serra Gaúcha, a não ser em São Chico, ali por Caxias, não é lugar para a produção de commodities, especialmente agroindustriais. Nós temos aqui que seguir um caminho na agroindústria. O que nós vamos fazer além do vinho, se nossos antepassados trouxeram quiçá mais de 70 profissões? Eles não eram plantadores de uvas profissionais, todos plantavam uva para fazer seu vinho de consumo. A questão do vinho, que todo mundo produz hoje em dia, foi o jeito que eles acharam de sobreviver, mas eles antes disso trouxeram as várias profissões. O turismo é uma arma poderosíssima, sem igual no mundo e quem ensinou isso foram os italianos de Molise, uma província quase ao sul, perto de Roma, reconhecida como uma grande produtora de salames. Aliás, na Itália há 92 tipos de salame e aqui no Brasil temos só dois. Então por que Bento, na ocasião, foi escolhida para desenvolver um projeto de porcos? Porque tinha turismo. O que temos que fazer é o seguinte: não estamos habilitados a produzir commodities, a não ser em casos especiais. No geral temos é que distribuir coisas diferenciadas no preço. Vou dar um exemplo prático: um iogurte de leite de ovelha é vendido em São Paulo na Casa Santa Luiza a R$14,00. Já um iogurte Nestlé, famoso internacionalmente, é vendido a menos de R$ 2,00. Somos uma região que precisa do turismo para gerar produtos diferenciados, nós ainda apenas começamos: de 0 a 100 ainda estamos no 0,1%. Inclusive já desenvolvemos um porco para fazer frios, presuntos, como o Pata Negra da Espanha. O presunto Pata Negra é vendido a mais do que o dobro do preço do prosciutto crudo de Parma. Estive lá visitando a única cidade que produz. O que é o Pata Negra? É um presunto produzido por um porco comum, o mesmo porco preto que nossos antepassados sempre usaram. Que outra característica tem? Este porco é criado solto, não é fechado, em um ambiente limpo, livre, e vai comendo muita grama, criado em territórios que têm a produção daquela àrvore que produz a Bolota, voltei encantado. O porco, alimentado livremente come também essa fruta, que dá à carne um sabor todo especial. Este porco, criado solto, não cria uma graxa que faz mal às pessoas, resumindo, voltei, falei com um amigo meu dos Caminhos de Pedra, o Ari Bertarelo, hoje já falecido, e expliquei o que tinha visto. Ele disse: nós também sabemos disso, não precisa ir à Espanha para saber, o salame é muito melhor se o porco vem de Lagoa Vermelha, onde  são criados soltos e comem pinhão. Só que como você vai produzir um salame, normalmente, colocar na prateleira e definir preço? O consumidor não gasta isso à toa. Ele está disposto a pagar R$ 100 por um produto diferenciado, mas ele quer ver com os próprios olhos o porquê ele vai pagar aquele valor, ele vai pagar um valor bem acima se ele vê que tem benefícios: esse porco é um porco feliz, que apanha tantas horas de sol por dia, que o chiqueiro tem um solário e é limpo, aí o consumidor pensa: para a minha saúde eu não vou economizar. Não são todos que vão pensar assim, mas o universo desse mercado cresce e quem pode vai dizer que paga mais. O turismo é o grande elemento que dá oportunidade de mostrar para a pessoa esse valor. Quis fazer esta abordagem, por que praticamente, em todas as profissões aqui nós temos isso como saída, temos que buscar o fazer diferenciado, por um valor diferenciado, porque, em termos de produção, de commodities, imagine nós concorrendo com o Mato Grosso  na produção de soja, não temos nem chance, então cada coisa no seu lugar. Essa região tão acidentada e montanhosa precisa do turismo para desenvolver indústrias diferenciadas, particularidades e é isso, à medida que o tempo passar a nossa gente vai descobrir coisas especiais, vai fazer coisas especiais e os turistas consomem enoturismo, turismo, consomem tudo, pois aqui se produz coisas diferenciadas. O que cabe fazer na BR 470 é TUDO, desde que bem feito, tem lugar na BR 470. Pois o acesso é fácil, mas estudar a coisa como ela deve ser para que seja de bom gosto. Você não pode fazer um centro de convenções com o centro para uma rodovia muito acidentada, com muito barulho, você vai fazer um pouco recuado. Você tem que analisar o tamanho da propriedade, o que dá para fazer na propriedade, as coisas mais necessitadas nós temos nesta região são os parques temáticos. As pessoas virão pra cá para mostrar aos filhos os parques temáticos. E os parques temáticos, quando fomos para Verona há um tempo atrás, com  o então secretário de turismo do estado, levados pelo maior produtor de parques temáticos do mundo, que era de Verona, ele disse: um parque temático tem que estar a 25km, no máximo, de uma grande cidade, por isso que dizemos que o turismo pode se desenvolver em todos os lugares, especialmente na BR470, ela é uma chegada que vai convidar, tanto é que nós lançamos o Hotel do Sky e ele é um sucesso, no meio, ou bem próximo de hotéis fracassados, por que tem um acesso fácil e está em uma localização onde você tem, talvez, uma das melhores vistas panorâmicas da nossa região. Esse é o processo. Se você for fazer um parque temático de grande porte, ele tem que estar entre Caxias e Garibaldi, pois ali tem muitos consumidores que vão consumir. Existem muitos elementos que vão determinar onde vai o fluxo de cada coisa. Para tudo tem lugar; se for bem feito, tem lugar. Por exemplo, daqui, do Hotel Dall’Onder, para o centro de Bento e para o lado dos Caminhos de Pedra, podemos dizer que talvez em cinco anos teremos mais de três mil leitos. Quando a gente fala que o desenvolvimento é regional, ele é muito importante, assim como também Caxias, quando se fala que amanhã ou depois sai o aeroporto, também estará a alguns km de Gramado e Canela. Então, esta região, como diz a Ivane, da Serra Gaúcha, é privilegiada, é questão de visão e da gente trabalhar.

Pela sua experiência e visão, que nichos, ou tipos de negócios, como negócios complementares, serviços, acham que deverão surgir na BR 470 a curto e médio prazo, especialmente com os novos empreendimentos, recentes ou que estão sendo implantados? E qual a importância de focar o público familiar, como parques temáticos?

Tarcísio Michelon: Temos, justamente, que focar em outros atrativos. Quando falo do porco, do queijo, da ovelha leiteira… veja, como pode dar tão certo ovelha leiteira em Bento se não deu em toda a América? Em toda a América não existe ovelha de leite e mesmo na Europa você não encontra leite de ovelha. Aqui deu certo só por uma razão: por causa do turismo. O que a gente tinha em nossos hotéis? Iogurte de ovelha. E ‘democraticamente’ não tinha outro, você tinha que consumir esse de ovelha. O resultado é que o consumidor via ao vivo aqui, voltava para sua terra natal e não encontrava lá. Hoje ele encontra, pois os próprios turistas que aqui conheciam o produto o indicavam. Nós não temos nenhum vendedor e não há produto suficiente, e é aí que está: produzir o diferenciado.

Ivane Fávero: A nossa região já sabia que precisava estruturar produtos para a família, ainda que as famílias estejam diminuindo, que menos filhos se tenha, que se demore pra constituir, que a gente tenha, enfim, um perfil de ficar atentos aos que são mais maduros, e que os jovens já não casam tão cedo, têm muita viagem de amigos, é preciso estudar todas estas tendências. Mas ok, ainda é preciso pensar. O Davi Santini, lá atrás, estruturou o Sky nos anos 70, foi o principal atrativo da região, onde hoje está o hotel. Infelizmente fechou lá pelo ano 2000, mas aí, se a gente for ver, converge com aquilo que o seu Tarcísio está falando: o Snowland surgiu aonde? Na rodovia; liga Nova Petrópolis a Gramado. Então, a própria área do sky tem um projeto, que  foi aprovado em audiência pública, que vai construir, além do hotel, um memorial do sky, pista de caminhada, de ciclismo, praças, enfim… Mas ainda tem espaço, sim, para outras tematizações na rodovia. O importante é não ofertar mais do mesmo tipo. A Disney tem o sucesso que tem pois foi a pioneira, a única, mas qual é o nosso parque temático, e que pensa em todas as faixas de idade? Hoje temos que pensar na diversão de toda a família. O Epopeia Italiana alcançou um pouco isso, o próprio Gasper, o Parque da Ovelha, acho que são as referências de parques, mas ainda dá para aumentar bem mais, e tem muita história para contar pela região. A gente vê muitos parques que conseguiram trabalhar essa tematização, mas as próprias empresas estão trabalhando hoje essas experiências, criando temas. Eu trabalho em um projeto do Sebrae que é ‘Enoturismo na Serra Gaúcha’. Uma família, a Cainelli, de Tuiuty, viu que recebia criança e que tinha um produto na Vindima, mas não tinha durante o ano. Então criou o vinho dos 18 anos, ou seja, a criança faz a experiência do Museu, vão nos parreirais, brinca na terra, entende que é da terra que vem tudo, volta para a vinícola onde recebe o rótulo em branco para pintar e abrir o seu vinho aos 18 anos. Essa é uma vinícola que eu fico feliz, pois ela vende mais experiência ali pelo e-commerce, trabalhando a promoção física e virtual, do que só vinho. Então é possível, sim, trabalhar com produtos de alto valor agregado, pois temos pequenas propriedades, temos pequenos territórios paisagísticos fantásticos que para produção em alta escala não compensa e tudo tem valor agregado maior pela oferta. Esse vinho tem um valor diferenciado e ele merece ter, pois tudo isso dará o valor a este produto final. Champagne nos ensina isso: por que  custa tanto? Por que é feito somente lá, é uma pequena produção, eles não conseguem aumentar o território. Aquilo tem um valor agregado, é quase exclusivo. A DO (denominação de origem) do território do Vale dos Vinhedos precisa ser mais entendida, valorizada, defendida. A marca coletiva dos espumantes de Garibaldi, as outras indicações e origens de procedência, desde Pinto Bandeira, Flores da Cunha, Farroupilha, e outras que estão surgindo, Monte Belo, precisam ser melhor defendidas, mas como se defende isso se não tem nenhum instituto efetivamente brasileiro para defender o enoturismo brasileiro? A gente nunca falou disso. Então, é por meio de  trazer a pessoa para viver a experiência aqui, mas deixando claro que isso é uma experiência única. Eu gostei muito de uma pesquisa que o Luis Vicente Elías Pastor fez e disse que o nosso território vitivinícola é único no mundo, que em nenhum outro lugar se vê parreirais em latada, sustentado por taipas de pedra, suspenso o arame em outra pedra em formato de pêndulo, disse que deveríamos pleitear o tombamento disso como paisagem cultural. Então é importante que a gente comece a ver -repito- esta nova geração, vendendo hoje produtos de alto valor agregado, aliado à experiência. Outro caso, o Bruno Faccin, de Monte Belo do Sul, e há outros casos, enfim, mas ele conseguiu colocar seu vinho em um dos restaurantes mais finos do Rio de Janeiro. Na carta de vinhos está o vinho Faccin, feito no interior de Monte Belo do Sul, porque ele trabalha o conceito de vinho natural e agrega o valor daquela pequena parcela de produção que ele tem com seu pai Antônio e coloca em feiras de São Paulo, faz um belíssimo trabalho. O Edegar Scortegagna que  agora está trabalhando no ramo, vai ter a primeira fábrica de presunto cru do Brasil e ele quer ser  o grande produtor da América Latina. Então são os novos que vão trazer a nova visão de enoturismo, e cabe muito, dentro desta base cultural, de pequenas propriedades, melhor modelo de distribuição correta de terra e áreas, por que aqui as pessoas recebiam pequenas parcelas e tinham que trabalhar. Mas então, como se inova? Com produtos de valor agregado e, por outro lado, em áreas talvez tidas como industriais, trazendo a experiência dos parques temáticos. Acho que, aí, a gente ainda vai avançar muito.

Tarcísio Michelon: Poucas pessoas sabem da essência dos Caminhos de Pedra. Caminhos de Pedra é um projeto escrito, Ana, que tem 84 itens. Verbalmente, nós incentivamos todas as pessoas a não criarem duas casas iguais no roteiro. Temos mais de 70 profissões de nossos antepassados. Temos um caso prático, por exemplo, a Delinda Cavalet. Um dia fiquei sabendo que ela era a segunda casa produzindo massas e fui a um casamento na comunidade de São Pedro. Olhando aquela decoração do casamento que aconteceria à noite, achei aquilo lindo de morrer e perguntei quem tinha feito a decoração. Eles responderam que tinha sido a Delinda. Pensei com meus botões: é a que está produzindo a massa, fazendo o que a vizinha está fazendo. Chamei ela e fiz uma proposta de que ela deixasse de fabricar as massas para ser a decoradora oficial do Hotel Dall’Onder. Imediatamente ela parou de produzir massas e começou a decorar o Hotel. No início, ela pedia que alguém lhe ensinasse, ninguém queria. Então ela começou a descobrir por conta e, hoje, a Linda Flores tem a maior empresa de decoração de Bento, que nasceu justo da ideia de não fazer todo mundo a mesma coisa. Assim como entregamos, lá em São Pedro, para o Sérgio Viecili, gaiteiro e pedreiro da região, uma prensa de dois mil contos de réis, para fazer ladrilhos hidráulicos, que é uma coisa que nossos antigos faziam. Entregamos para ele, só imaginando o seguinte: se ele é pedreiro, nos dias de chuva não tem o que fazer, então pode ficar em casa fazendo ladrilhos. Depois de 15 anos, para nossa surpresa, alguém nos mostrou que na internet tem uma empresa montada de ladrilhos hidráulicos, de ‘n’ qualidades, que inclusive hoje são usados nos banheiros  do Sky Hotel e ele vende a um preço bastante alto, pelo valor agregado, um ladrilho feito de cimento como nossos antepassados faziam, e assim é o que acontece com a nossa gente. Como muitos, um dia uma mulher me questionou: o que eu posso fazer para ganhar dinheiro? Vou dizer o que para esta pessoa? Você tem que fazer algo que os nossos antepassados deixaram de herança para ver se dá para recuperar ou, em último caso, se não tem mais nenhum vestígio do que faziam os antepassados, sobra o fazer alguma coisa com muito amor e, aí, ela fez uma declaração de amor para nós, a Maristela Lerin, hoje presidente da Associação Caminhos de Pedra:  “minha paixão é tomate”. E com a paixão em tomate, ela é a proprietária da Casa do Tomate. Assim tem a casa da azeitona, do azeite, tem casa de tudo quanto é coisa e o grande diferencial é ter casas que ofereçam produtos diferentes, que são as profissões de antigamente, este é o futuro que a gente vê para o turismo da nossa região. Deixa desenvolver, procura viabilizar e ter foco nas coisas, quem você ajuda, acompanha como o crescimento de uma pessoa.

Ivane Fávero: Agregar experiência para valorizar o produto. O que vem antes, o jardim ou o jardineiro? Tendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde vai aparecer um jardim. Sem um jardineiro o jardim está fadado a morrer. Se a gente quer continuar com o desenvolvimento da nossa região, e com o desenvolvimento do turismo, temos que entender que somos os jardineiros disso tudo e precisamos mais  gente para trabalhar, pois o jardim está crescendo.

Mapas do Projeto

Pesquisa

A Dissegna realizou uma Pesquisa sobre a Vocação Turística da BR-470, que poderá ser conferida clicando aqui.

Confira a entrevista completa: