Cerca de 579 livros são retirados por mês no local, pelos mais diversos públicos, do infantil ao adulto. Mas, o que todos têm em comum, é a paixão pela leitura

Para muitos, exercer a atividade da leitura perpassa por diversos lugares, alguns encontram na leitura o aprendizado, já outros descobrem novos mundos que só existem nas páginas dos livros. Mas, todos têm algo em comum: o prazer de passar os olhos atentos sobre as frases escritas, que em sua totalidade, formam toda uma narrativa e um pensamento. O montante desta atividade pode ser encontrado em livrarias, ou também de uma forma bastante democrática: bibliotecas públicas. Em Bento Gonçalves, este lugar recebe o nome de Castro Alves, e fica localizado na rua Barão do Rio Branco, 123.

A bibliotecária do lugar, Paula Gauterio, trabalha há sete anos, e para ela, exercer essa função é como viver no paraíso. “Como disse o renomado escritor argentino, Jorge Luís Borges: ‘Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca.’ A sensação de poder facilitar o acesso ao saber, contribuir para promover a leitura, o aprendizado e, acima de tudo, a igualdade no acesso ao conhecimento é muito motivadora. No entanto, é importante reconhecer que há desafios significativos. No Brasil, como em muitas partes do mundo, a cultura nem sempre recebe o devido valor”, realça.

Paula também relata que o público que frequenta são os mais singulares mas para isso, há todo um trabalho pensado pelo próprio espaço. “Procuramos tornar nossa biblioteca atrativa para os diversos públicos, o que tem se refletido na diversidade dos perfis que nos visitam. Desde crianças, que além
de usufruírem da sala infantil, utilizam o espaço da brinquedoteca, até adultos em busca de recursos diversos; Nossos frequentadores incluem leitores ávidos de todas as idades”, explica.

Para quem tem interesse em fazer parte desta comunidade e poder usufruir dos livros disponíveis, é necessário realizar o cadastro, apresentar um documento com foto, um comprovante de endereço atualizado e pagar uma taxa anual de R$15. O horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, sem fechar ao meio-dia.

Conheça os campeões de leitura

Guilherme Krema tem 26 anos, é escritor e produtor cultural, e no último ano foram 19 livros retirados. Sua história com a leitura começou ainda na infância, por conta de sua avó que lhe contava as mais diversas estórias. “Enquanto crescia fui ganhando livros da minha madrinha, que é bibliotecária, e crescer
numa casa com literatura fez muita diferença. Quando os livros que tinha acesso deixaram de ser suficientes, descobri a biblioteca da escola pública em que estudava, que para o meu tamanho parecia enorme e cheia de possibilidades”, relembra.

Para ele, ler ultrapassa o físico, fazendo com que se possa teletransportar para outros locais. “Estar dentro de outra cabeça, vivendo algo que fisicamente não é possível no momento. É clichê, mas ler é sim viajar. Seja para lugares, para experiências ou diferentes possibilidades”, elenca.

Seu carinho pela Biblioteca Pública vem já de alguns anos, pois lá, existem mais que as histórias que estão no papel. “Bibliotecas em geral guardam diferentes mundos, diferentes tempos. A Castro Alves é um desses lugares e tenho o privilégio de conhecer um pouco desse ecossistema pois frequento há muitos anos”, conta.

Krema lembra ainda que trabalhou no local durante dois anos, o que só estreitou sua relação com os
corredores e os acasos desse lugar. “Ali tem livros que já passaram por muitas mãos e guardam histórias além daquela escrita pelo autor: são notas de rodapé, dedicatórias, grifos, marcas, manchas. Tem livros guardados no lugar errado que atravessam nossa busca inicial e se intrometem no caminho”, conclui.

Gabriel Heberle, estudante de 13 anos, é considerado um dos frequentadores fiéis da biblioteca Castro Alves, com o total de 12 livros retirados no último ano. Seu amor pela leitura iniciou com se pai, que compartilhava a atividade com ele desde que era pequeno. “A leitura sempre foi algo presente em minha vida, lembro-me do meu pai lendo para mim ao anoitecer. Acredito que o hábito de ler muda significativamente nosso pensamento e perspectiva sobre diferentes assuntos”, afirma.

O que ele aprecia na biblioteca é poder ter acesso a um acervo enorme de livros tão facilmente. Apesar das tecnologias disponíveis, Gabriel prefere a experiência física de ler. “A Biblioteca Pública desempenha um papel crucial na valorização do conhecimento, pois oferece uma variedade imensa de livros. Gosto de sentir os livros em minhas mãos. Embora o Kindle seja uma ótima ferramenta de leitura, para mim, os livros físicos são muito mais atrativos”, destaca.

O jovem leitor conclui que, para ele, ler é uma maneira de explorar diversos lugares sem precisar sair
de casa. “Costumo pensar que a leitura é uma forma de viajar por meio de histórias variadas, alimentando
nossa criatividade”, destaca

Jennifer Alonso é estudante, tem 18 anos, e no último ano retirou 21 livros. Assim como muitos jovens, foi se apaixonando pela leitura a partir de sagas famosas, que no seu caso, é Harry Potter. “Foi nas férias dos meus 11 anos. Minha prima tinha a coleção de Harry Potter e eu li todo o primeiro livro em duas semanas. Quando voltei não sabia como continuar lendo, por coincidência, minha mãe apareceu do nada com livros e contou que tinha feito cadastro na Biblioteca Pública, então eu comecei a retirar e comprar livros com muita frequência”, destaca.

A Biblioteca Pública Castro Alves teve muita influência em seu hobby, já que lhe dava oportunidade de ter
acesso a diversos livros. “A biblioteca pública foi um dos primeiros starts da minha paixão pela leitura. Se não fosse essa facilidade, provavelmente teria ficado muito tempo sem ler depois de ‘A Pedra Filosofal’ e não manteria o ritmo. Já hoje, mesmo comprando vários livros, gosto de manter o hábito de pegá-los lá pra testar se vão me agradar antes de comprar algo que possa não ler inteiro”, justifica.

A jovem vê a leitura como um alicerce, e que ajuda, até mesmo, afastar jovens das telas, um vício muito comum na nova geração. “A leitura para mim é uma ferramenta de várias formas, serve para distrair, ensinar, desvencilhar o cérebro do fácil acesso que o Tik Tok causa, por exemplo. Depois de algum tempo percebi que comecei a ler ainda menos por causa do celular. Então separei um tempo determinado para isso e sem atrapalhar minhas leituras. Há alguns meses, venho tentando passar esse hábito para o meu irmão, que sempre gostou dos filmes do Harry Potter graças a mim. Acredito que esse possa ser o melhor legado que tenho a deixar para ele, que a leitura abre portas e mente”, afirma.

Matheus Kercher Vieira, é servidor público, tem 29 anos, e ainda na infância retirava seus livros de ciência e gibis na biblioteca da escola. Hoje, retira em média cinco livros por ano. O que mais gosta na atividade, é aprender algo novo, além disso, tudo o que a leitura pode trazer de benefícios. “A possibilidade de aumento de perspectiva. Por exemplo, ler um “O Livreiro de Cabul” aumenta nosso entendimento inevitavelmente. Alcançar, através da imaginação, a realidades que não poderíamos de outra forma
é engrandecedor”, aponta.

Para ele, a biblioteca pública permite se conectar com diversas histórias. “A sensação de acessar livros que eu talvez nunca compraria, por diversos motivos. Pra mim, é muito importante a frequência nas bibliotecas, tanto que fiz o cadastro da minha filha, hoje com quase três anos”, salienta.

Ao ter acesso a tantos livros no local, Vieira ainda tem certa resistência ao ler de forma online, já que as histórias, ele prefere no papel. “Confesso que ainda tenho resistência, mas por questão de costume apenas. Livros, ainda prefiro físicos. Mas jornais e periódicos, leio virtualmente mesmo. Tenho uma coleção de livros no kindle (smartphone), mas prefiro ainda os livros físicos, lápis/caneta”, constata.

Leitura e conexões caminham juntas em grupo de mulheres

O Clube do Livro das Gurias foi uma iniciativa da estudante de psicologia Laura Gabardo Baggio, de 22 anos, e de sua amiga, Juliana Cavalli, assistente social de 28. “Eu e a Juliana, que é a outra idealizadora, trabalhávamos no CAPS Infantil, um local onde éramos 20 mulheres, e um dia falei em voz alta ‘podíamos
ter um clube do livro’, e ela ouviu e se interessou pela ideia. A partir disso, criamos um clube do livro apenas para as mulheres do trabalho, mas éramos poucas. Então, a Juliana teve a ideia de abrir o clube para pessoas de fora, e decidimos experimentar essa nova dinâmica. Divulgamos o clube em nossas redes sociais e houve uma adesão surpreendente”, relata Laura.

O grupo conta com 15 mulheres que participam ativamente, mas o total na comunidade do WhatsApp ultrapassa as 50. O significado do clube vai além do hábito da leitura, mas também da conexão feminina. Muitos dos livros lidos são escritos por autoras, que compartilham dores e anseios de mulheres. Durante os encontros, elas aproveitam o espaço para debater os sentimentos e as reflexões causados pela leitura. “O objetivo do grupo, além de incentivar e manter a leitura em dia, é proporcionar um espaço seguro para as mulheres explorarem a literatura. Historicamente, nós, mulheres, fomos excluídas dessa cultura literária. É fundamental que tenhamos um espaço onde possamos nos reunir, nos apoiar e desfrutar do direito que conquistamos à educação e à literatura. Por isso, priorizamos autoras e damos preferência a livros escritos por mulheres”, destaca Laura.


Ela explica como são escolhidos os livros que serão lidos ao longo do ano. “As obras são definidas todas de uma vez, entre novembro e dezembro. As participantes sugerem títulos, compartilham sinopses e realizamos uma votação pelo Google. Os mais votados compõem a lista anual. Durante o ano, fico responsável pela logística dos livros, agrupando aqueles com temas semelhantes para que possamos explorar melhor os assuntos”, relata.

Para Lívia Mezacasa, uma das participantes ativas do grupo, o Clube do Livro é uma oportunidade de aproximação da literatura e de pessoas com interesses semelhantes. “Através das histórias que
lemos, nos conectamos e compartilhamos não apenas a ficção, mas também um pouco de nossas vidas. O Clube me permite reservar um momento mensal para ler por prazer, enquanto ainda desfruto da
vantagem de discutir as leituras, tornando a experiência mais enriquecedora e menos solitária”, conclui.