Exatamente 30 dias separam o feminicídio de Vanessa Martins, 29 anos, ocorrido no domingo, dia 11, do assassinato de Tânia Maria Pires, 53 anos. Entre este período, também foram assassinadas Josene Peterle, de 37 anos, e Juliana da Silva Duarte, de 42 anos. Com isso, Bento Gonçalves chega à marca de seis mortes violentas de mulheres em 2019, uma a mais que todas as registradas no último ano.

Como reflexo dos dados apresentados no Atlas da Violência 2019 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que apontou Bento Gonçalves como a cidade mais violenta da Serra Gaúcha, o número de homicídios de mulheres parece acompanhar a alavancada da violência na Capital do Vinho. Considerado o ano mais violento da história de Bento Gonçalves, 2018 fechou com 52 mortes, das quais cinco eram de mulheres, ou seja, 9,6%. Neste ano, 18,1% dos assassinatos na cidade correspondem ao gênero feminino.

Considerado o principal problema da cidade pelas autoridades de segurança, o tráfico de drogas é apontado pelas 1ª e 2ª Delegacias como responsável por 95% dos casos de homicídio, alavancando também o número de assassinatos envolvendo mulheres. Um dos casos mais recentes, por exemplo, foi o de Juliana da Silva Duarte, de 42 anos, assassinada no bairro Santa Marta, no dia 1º de agosto. Segundo a Polícia, Juliana não tinha antecedentes criminais, mas morreu em virtude de um familiar seu ter dívidas com o tráfico de drogas. Outra motivação está ligada estritamente a questão de gênero, como o caso de Vanessa.

Um feminicídio confirmado, outro em investigação

Sexta mulher assassinada em 2019, em Bento Gonçalves, Vanessa Martins foi esfaqueada na madrugada de domingo, dia 11, no bairro São Francisco. De acordo com a Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (Deam), Vanessa havia rompido com agressor e reatado seu relacionamento com outro homem recentemente.

O ex-companheiro, Éberson Guaresi de Freitas, 30 anos, foi a um baile onde tentou falar com a mulher, mas não conseguiu. Quando o casal chegava a casa com um grupo de amigos, Vanessa foi atacada pelo agressor. Apesar de ter sido socorrida, não resistiu aos ferimentos e acabou morrendo. O caso é o primeiro feminicídio confirmado na cidade em 2019.

Segundo informações da coordenadora do Centro de Referência da Mulher que Vivencia Violência (Revivi), outras ex-companheiras de Éberson já haviam sido atendidas pelo Revivi, mas Vanessa nunca havia registrado nenhuma ocorrência. “Ela nunca foi atendida por nós, mas ele já tinha registro na Lei Maria da Penha com outras duas mulheres que eram atendidas aqui e, felizmente, conseguiram sair desse ciclo de violência”, destaca Regina Zanetti, coordenadora do Revivi.

Para a Delegada titular da Deam, Deise Salton Brancher, é uma amostra da necessidade de se buscar ajuda e da importância e eficácia da Lei Maria da Penha. “Infelizmente tivemos mais uma vítima, mas serve de alerta à sociedade da importância da Maria da Penha. Talvez, se essa moça tivesse registrado ocorrência sobre as ameaças e perturbações que vinha recebendo, e se ele tivesse sido formalmente intimado das medidas protetivas vigentes, tivesse noção da responsabilidade de seus atos. A maioria das mulheres que são vitimadas não tem ocorrência e medida protetiva”, destaca.

“A Serra Gaúcha tem uma formação patriarcal, onde a figura do homem é vista como provedor, que determina as regras da casa, que exerce um poder de mando sobre a família, inclusive na esposa e filhas. Por isso, fator cultural na nossa região é determinante sem dúvida, seja para casos mais graves como esses, quanto para ameaças e lesões corporais”

Além de Vanessa, outro caso, ainda em investigação, pode ser confirmado como feminicídio. O corpo de Josene Peterle, 37 anos, foi encontrado semidespido no bairro Juventude, no dia 15 de julho. Segundo a perícia, ela foi morta por asfixia provocada provavelmente por estrangulamento. “O modus operandi sugere que o suspeito tem um desprezo pela figura da mulher, encontrada despida e com sinais de agressões, mas ainda estamos diligenciado para identificar o autor e esperando o laudo pericial”, explica Deise. Se confirmado, o número de feminicídios igualará 2018, quando Flavia de Oliveira Baltazen, 22 anos, e Juceli de Oliveira, 38, foram assassinadas pelo ex-companheiro de Flavia, Alisson Claus de Oliveira, 21.

Para Deise, a realidade aponta para a necessidade de se trabalhar alternativas de conscientização junto aos homens, desconstruindo uma visão patriarcal que considera fortemente inserida na cultura do Brasil e, sobretudo, em nossa região. “É muito bom ver que as mulheres estão mais encorajadas e empoderadas, o aumento das denúncias mostra isso. Mas temos que chegar também em quem pratica a violência e mostrar aos homens que a figura feminina não é um objeto. Esse indivíduo que matou a moça no fim de semana, por exemplo, considerava a mulher uma coisa, não uma pessoa, ao ponto de fazer dela aquilo que ele desejava, inclusive tirar sua vida”, explana.

 

Relembre os casos:

17/03 – Jéssica Luzia de Souza, 27 anos, São João

Conforme a Brigada Militar, uma guarnição foi acionada na madrugada para socorrer uma mulher ferida por disparos de arma de fogo na rua Arlindo Baccin. Uma vez no local, a BM acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que ao chegar ao local e confirmou o óbito. Ela foi atingida com pelo menos sete disparos na região do tórax, pescoço e braço. Nas proximidades, a polícia encontrou um cachimbo usado para fumar crack.

22/05 – Andressa Weber Erbice, 24 anos, Santo Antão

A jovem, grávida, foi atingida por disparos na porta de sua casa. A vítima foi socorrida com vida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e encaminhada em estado gravíssimo ao Hospital Tacchini, onde ocorreu uma cesariana de emergência. Após uma cesariana de emergência, a bebê, que havia nascido com vida e encaminhada para a UTI Neonatal do Hospital Tacchini, acabou falecendo por insuficiência respiratória, devido à prematuridade.

12/07 – Tânia Maria Pires, 53 anos, Eucaliptos

Alvejada com ferimentos na cabeça. De acordo com a Brigada Militar, a mulher possuía antecedentes por tráfico de drogas. No entanto, a polícia não apontou se a morte ocorreu devido a um acerto de contas.

15/07 – Josene Peterle, 37 anos, Juventude

Encontrada sem vida no pátio de uma residência localizada,  Josene foi encontrada por funcionários da prefeitura de Bento Gonçalves, no momento em que realizavam uma obra nas proximidades de uma casa que fica no entroncamento das ruas Augusto Geisel e Candelária. As marcas no pescoço indicavam a possibilidade de estrangulamento. Ainda não se sabe se Josene sofreu violência sexual.

01/08 – Juliana da Silva Duarte, 42 anos, Santa Marta

A vítima estava almoçando em uma lancheria na esquina das ruas Francisco de Carli com a Domingos , quando um homem entrou no estabelecimento e efetuou disparos de arma de fogo que atingiram as costas, a boca e peito. Segundo a polícia, Juliana não tinha antecedentes criminais.

11/08 – Vanessa Martins, 29 anos, São Francisco

A vítima foi atacada a facadas pelo ex-companheiro, em frente ao atual namorado e um grupo de amigos ao chegar em casa, depois de uma festa. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu durante a madrugada.