Em 10 anos, o município se tornou referência para produções audiovisuais, aparecendo também em comerciais e novelas

Cenário de filme. Em Bento Gonçalves, essa expressão, usada normalmente por turistas para falar de paisagens marcantes, ganha contornos literais. Afinal, desde 2007, mais de 30 filmes, entre curtas, longa-metragens e documentários, já foram gravados na cidade.

O número levantado pelo Bento Film Comission, no entanto, pode ser ainda maior, pois há muitas produções independentes não listadas. Vale ainda citar, que para além do universo da sétima arte, a consolidação do município como referência para produção audiovisual reflete também em novelas, séries, programas de televisão, comerciais e bancos de imagem de dentro e fora do Brasil.

Os motivos do sucesso

Casarões centenários e conservados. Vales verdes tomados por parreirais. Estação de trem. Estradas sinuosas. Esses são alguns dos retratos de Bento que mais costumam aparecer na telona, e são, em parte, os motivos pelos quais tantos cineastas e produtores audiovisuais usam a Capital do Vinho em suas gravações. A paisagem, no entanto, não é a resposta definitiva para o sucesso da cidade.

Apesar do município ter sido cenário de grandes produções como “O quatrilho”, filme de 1995, e “Saneamento Básico”, rodado em 2007, foi com a criação da Bento Film Comission, órgão integrado a secretaria municipal do Turismo, em 2010, que a cidade passou a se estruturar, investindo em logística para colocar Bento no radar dos produtores audiovisuais, conforme comenta Deise Chagas, que atuou frente a comissão nos primeiros anos. “A Film Comission é um grupo que capta, incentiva, facilita e apoia a produção audiovisual em várias esferas, seja nas locações, nos profissionais locais para trabalhos temporários, segurança, logística com hospedagem, transporte e alimentação, entre outros”, explica.

O objetivo da comissão, segundo Deise era transformar a cidade em um polo de turismo por meio da divulgação que as gravações poderiam proporcionar. “Queríamos atrair ainda mais produtos cinematográficos para a cidade, a fim de promover o turismo local por meio da visibilidade nacional e mesmo internacional, que o município teria com as produções”.

Vagão 215 da Maria Fumaça aparece em “A história da minha vida” (Foto: Fábio Becker)

Para Denise Holleben, atual responsável pela Bento Film Comission, o objetivo foi alcançado com sucesso, o que se comprova não só pelo número de gravações feitas no município, mas pelas imagens dele que começam a correr o mundo. Nesse sentido, destaca como exemplo, a importância de Bento ter se candidato a cidade-sede para a Copa de 2014. “A gente recebeu equipes de jornalistas da Rússia, Japão, Costa Rica, Alemanha, Itália, Suécia, que vieram ver qual era essa cidade que estava se candidatando para campo-base. Nessa época foi quando mais rendeu imagem para o mundo”, conta.
Ela opina ainda que o reconhecimento de Bento no cenário do audiovisual se deu de forma orgânica. “Tudo é uma grande engrenagem. Vem alguém aqui e grava, depois comenta com outro produtor que a cidade é bonita, que tem logística. Então essa pessoa que ouviu se interessa, busca imagens do destino, vem até nós, e assim segue”, comenta.

Lucas Cassales é um desses diretores que escolheu gravar em Bento Gonçalves, devido aos cenários e a logística oferecida. Foi aqui que ele gravou o curta-metragem “O corpo”, obra vencedora de dois Kikitos de Ouro no Festival de Cinema de Gramado, em 2015: Fotografia e Melhor Filme. “Acho que a região por si só já tem um ambiente demográfico e cultural que inspira histórias a serem contadas. Mas também creio que o estímulo governamental à produção de obras na região foi fundamental. Sem o apoio da Film Comission, certamente não teríamos como ter viabilizado o filme na cidade”, enaltece.

Quanto ao cenário, diz que escolheu o município pois buscava o clima serrano para ambientar seu filme. “Queríamos algo que não necessariamente correspondesse ao que se tem de mais tradicional, que são os vinhedos. Buscávamos uma casa mais simples e com alguns animais de criação familiar. Passamos um dia andando pelas regiões mais rurais da cidade junto com a comissão e acabamos achando um local perfeito como havíamos imaginado”, destaca.

Cassales destaca ainda, o retorno positivo que a obra trouxe à cidade, levando imagens do interior de Bento Gonçalves para espectadores longínquos. “O apoio se mostrou frutífero, visto que o curta passou por diversos países do mundo, como Islândia, Inglaterra, França, Argentina e pelos principais festivais brasileiros”, finaliza.

 

O cenário onde tudo começou

Construída em 1880, a casa que fica no distrito São Pedro foi cenário do filme “O quatrilho” (Foto: Fábio Becker)

Na loja de souvenirs da Cantina Strapazzon, há um espaço especial na parede para o quadro que emoldura as fotos de Patricia Pillar e Glória Pires. Os personagens também ilustram álbuns de muitas das famílias mais antigas do Distrito de São Pedro, na Linha Palmeiro, conforme comenta Inês Paese Strapazzon, que trabalha como guia no local onde foram gravadas cenas de “O quatrilho”. “A rua foi trancada três quilômetros para cada lado. Nos dois dias de gravação, trouxeram ambulância, bombeiros, polícia. O distrito estava em polvorosa. Muita gente ficava ao redor aqui da casa, e os artistas vinham para receber a comunidade. Todo mundo tem foto com a Patricia e com a Glória por aqui”, conta.

O filme e a escolha da locação

Gravado em 1995, em municípios como Farroupilha, Antônio Prado e Bento Gonçalves, “O quatrilho”, dirigido por Fábio Barreto, foi um dos maiores sucessos do cinema nacional, sendo o segundo filme brasileiro a ser indicado ao Oscar. O primeiro foi “O pagador de promessas”.

Conforme Inês, a casa da Família Strapazzon, construída em 1880, foi apontada por um amigo pessoal do cineasta, que na época estava rodando as cidades da região em busca de um cenário bucólico, onde tivesse uma casa de pedra. “Essa casa tem 139 anos e é aquela que mais manteve a originalidade arquitetônica, sem contar o parreiral ao redor, plantado pelos bisavôs. Não se tem conhecimento de uma casa com toda essa composição, por isso quando o Barreto chegou aqui, ficou impressionado e decidiu de pronto que este era o cenário que ele estava buscando”, conta.

Além de tomadas externas da casa, o interior recebeu móveis de época para o quarto que foi instalado no segundo piso, e em uma parte do primeiro andar foi instalada uma cozinha tipicamente italiana, sendo necessário a retirada de duas pipas para que se desse o aspecto de residência.

Após o sucesso do filme, a casa erguida pelo imigrante Giovanni Strapazzon já serviu de cenário para programas de televisão, novelas e comerciais, mas segue reconhecida como a “Casa do Quatrilho”.

 

A visão local da produção audiovisual em Bento

Cena de gravação de “Latíbulo”, curta premiado no Cineserra (Foto: Mosfera Filmes, Divulgação)

Enquanto a logística e o auxílio da Bento Film Comission atraem cineastas e produtores audiovisuais dos mais diferentes nichos para a cidade, a realidade da produção local ainda não é tão fortalecida.

Essa, pelo menos, é a visão de Gustavo Bohm Bottega, diretor do documentário “Os Reis do Cha-Cha-Cha”, da série documental “Rock Bento, o Boom do Cenário Autoral”, e do curta-metragem de terror “Latíbulo”, vencedor de três categorias no certame regional do Cineserra 2017: Melhor Roteiro, Melhor Edição e Melhor Desenho de Som. “Tem muita gente que faz filme independente, mas falta auxílio. Quando vamos fazer algo não encontramos fornecedores, atores, e nem mesmo maquiadores. Temos que fazer tudo às cegas”, observa.

Embora aponte que o panorama não é muito fácil para produtores locais, assinala que, aos poucos, a situação tem melhorado. “A cena está mudando. Se antes só tinha comédia escrachada, agora o cinema alternativo está produzindo coisa boa em todos os gêneros. É sinal que o pessoal está investindo pesado, as empresas estão comprado as ideias, há varias formas de captar dinheiro e editais”, pontua. Entre as iniciativas das quais já se beneficiou, destaca um curso de audiovisual antigamente oferecido na Casa das Artes de Bento, e o apoio do Fundo Municipal da Cultura, com o qual obteve recursos para suas três obras.

Bottega opina que para alavancar as produções locais seria interessante a criação de um “núcleo audiovisual” na cidade. “Falta um espaço para as pessoas discutirem filmes, para fazer um cadastro de quem faz cinema aqui e de fornecedores para saber a quem recorrer”, finaliza.

 

Últimas gravações feitas na Serra Gaúcha

O “Filme da minha vida” teve cenas gravadas na Estação Férrea de Garibaldi (Foto: Alexandra Ungaratto)

Para Denise Holleben, um ponto importante a ressaltar acerca do Bento Film Comission é o apoio prestado às cidades do entorno, afinal, os filmes gravados em Bento também acabam tendo cenas gravadas em outros municípios da região e vice-versa. “Nosso papel é auxiliar na logística, e o fato de estarmos em uma posição geográfica beneficia bastante, já que 40 minutos podemos acessar quase 15 cidades ao redor. Muitos filmes gravados nas outras cidades tiveram nosso apoio, o ônibus que leva para lá é daqui, o batalhão da brigada, as empresas de segurança, entre outros”, aponta.

O retorno é o reconhecimento de toda a Serra Gaúcha como região propícia para o audiovisual. Prova disso é o grande número produções gravadas nas pequenas Monte belo do Sul, com pouco mais de 3 mil habitantes, e na ainda menor, Santa Tereza, com menos de 2 mil. Outros destaques são Garibaldi, que conta com uma Film Comission própria, e Farroupilha, que em 2018 lançou o “Farroupilha, Câmera, Ação!”, roteiro turístico que passa pelos cenários da cidade que já apareceram no cinema.

Lista de audiovisuais gravados em Bento

Filme: Os dragões
Ano: 2018
Direção: Gustavo Spolidoro
Gênero: Fantasia

Filme: O Último Jogo
Ano: 2017
Direção: Roberto Studart
Gênero: Comédia

Filme: O Guardião
Ano: 2017
Direção: Fernando Menegatti
Gênero: Terror/Drama

Filme: Linha de Ferro
Ano: 2017
Direção: Matheus Toledo
Gênero: Documentário

Filme: Na Trilha da Imigração Italiana
Ano: 2017
Direção: Denize Amilibia Gomes
Gênero: Documentário

Filme: O Deserto de Nós
Ano: 2016
Direção: Celso Perotto
Gênero: Curta metragem

Filme: Bem ao Lado
Ano: 2016
Direção: Márcio Kinzeski
Gênero:Drama

Filme: O Filme da Minha Vida
Ano: 2015
Direção: Selton Mello
Gênero: Drama

Filme: O Corpo
Ano: 2014
Direção: Lucas Cassales
Gênero: Ficção

Filme: Bocheiros
Ano: 2013
Direção: Ivanir Migotto
Gênero: Ficção

Filme: Diminuta
Ano: 2013
Direção: Bruno Saglia
Gênero: Ficção

Filme: Desenhista
Ano: 2013
Direção: Michel Marchetti/Dandy Marchetti
Gênero: Documentário

Filme: O Silêncio das Palavras
Ano: 2012
Direção: Laine Milan
Gênero: Ficção

Filme: A Oeste do Fim do Mundo
Ano: 2012
Direção: Paulo Nascimento
Gênero: Drama

Filme: Os Senhores da Guerra
Ano: 2012
Direção: Tabajara Ruas
Gênero: Ficção

Não Antes das Eleições
Ano: 2012
Direção: Fernando Menegatti
Gênero: Ficção

Filme: Amigas e Vinhos
Ano: 2012
Direção: Luciana Druzina / Saskia Sá
Gênero: Série

Filme: Carpinteiro
Ano: 2012
Direção: Michel Marchetti/Dandy Marchetti
Gênero: Documentário

Filme: Tcheco 
Ano: 2012
Direção: Ivanir Migotto
Gênero: Documentário

Filme: Parasitas do Lodo
Ano: 2012
Direção: Fernando Menegatti
Gênero: Ficção

Filme: Eu sou mais Eu – Ana Mazzotti
Ano:  2011
Direção: José Martin
Gênero: Documentário

Filme: Un Bacio su Cristo, il Santo su Pozzo
Ano: 2011
Direção: Fernando Menegatti
Gênero: Documentário

Filme: Il Paese Della Cuccagna (O País da Cocanha)
Ano: 2011
Produtora: Cosmonauta Filmes

Filme: O céu sobre mim
Ano: 2011
Direção: Gian Vittorio Baldi
Gênero: Ficção

Filme: Sapore D´Itália
Ano: 2011
Direção: Ivanir Migotto
Gênero: Série/Comédia

Filme: Gigante de Ferro – A Ferrovia do Trigo
Ano: 2010
Direção: Matheus Piccoli
Gênero: Documentário

Filme: Caminhos de Pedra – O Tempo e Memória na Linha Palmeio
Ano: 2008
Direção: Pedro Zimmermann
Documentário

Filme: Decamerão –  A Comédia dos Sexos
Ano: 2008
Direção: Jorge Furtado   Guel Arraes
Gênero: Série/Comédia

Filme: Saneamento Básico
Ano: 2007
Direção: Jorge Furtado
Gênero: Comédia

Filme: O Quatrilho 
Ano: 1995
Direção: Fábio Barreto
Gênero: Comédia dramática