Com o surgimento da “internetês”, cuja escrita é livre de convenções gramaticais, a Língua Portuguesa passou a ficar à deriva. Mas, como disse o poeta carioca Marcos Vinícius, “quem navega à deriva sabe que há vida além dos mapas, além das bússolas, astrolábios, diários de bordo, além das lendas de monstros marinhos, dos mitos…”. Se aplicarmos ao caso, diria que nossa Língua, embora cheia de fraturas, cicatrizes e hematomas, nos reserva muitas surpresas, o que significa que “naun” corre o risco de morrer, “entaum” bola pra frente…

Na verdade, eu também poderia ser condenada à prisão por alguns belos anos, computando-se as infrações que já cometi contra a linguagem formal mesmo antes da Internet. Eu e mais alguns milhões de brasileiros. Mas quando sou inocente – e desta vez sou – bato o pé. Vamos ao “crime”…

Na crônica de sábado passado, eu dizia que continuava encantada com a viagem ao Velho Continente (já comentada em outras crônicas) e que, portanto, não se tratava de um “entusiasmo passageiro”. Aí, uma pequena interferência do pessoal da revisão mudou drasticamente o sentido da frase. A maioria dos leitores nem se ligou, mas professores de Português – grupo no qual me incluo – sofrem de uma coceirinha típica no cérebro e não aguentam deixar impune qualquer pecadilho, particularmente este, que segue:

Foi sacada a última letra da palavra “entusiasmo”, que era substantivo, e acrescentado o sufixo “ado”, virando o adjetivo “entusiasmado”. E o termo “passageiro”, que era adjetivo, em função disso também mudou de classe, ganhando o título benemérito de substantivo.

Ao fim e ao cabo, essa inocente correção deixou o sentido esdrúxulo.

Meninos, vocês viram a encrenca em que me meteram? Tudo bem! Não se aflijam! Eu estava com uma baita saudade de dar uma aulinha de Português. Além do mais, tenho que me penitenciar por um pecado em especial, entre tantos outros que devo ter cometido durante o exercício do magistério…

Era uma turma de adultos, todos trabalhadores que estudavam à noite, tentando recuperar o tempo perdido. Ao corrigir uma redação, assinalei em vermelho os erros do texto de uma aluna, deixando-o igual a uma toalha de Natal – decorada com “poinsettias” ou “bicos de papagaio”. As frases, embora sem concordância, coerência ou coesão e com assassinatos gramaticais, exalavam sentimento. Que não levei em conta. Matei as expectativas dela com um “canetaço”. Pena que a gente aprende certas coisas tarde demais…

E o beijo de Língua? Resposta em internetês: he, he, he! Foi só um truque para o leitor chegar até o fim da crônica.