Um dos riscos de tomar remédios por conta própria é que algumas medicações possuem várias faixas de dose, podendo ocasionar efeitos diferentes

Quem nunca tomou um remédio para o alívio de dores de cabeça, dor no estômago ou sintomas de gripe? A automedicação é um hábito comum entre a população brasileira, de acordo com pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), feita em 2019 por meio do Instituto Datafolha. Segundo o estudo, 77% dos entrevistados fazem uso de medicamentos sem prescrição ou orientação médica.

A prática de se automedicar acontece uma vez por mês para 47% dos entrevistados, e 25% afirmam que tomam remédios todos os dias ou, ao menos, uma vez por semana. Além disso, o público feminino é o que mais tem frequência na automedicação, pois 53% das mulheres participantes do estudo disseram que ao menos uma vez por mês, tomam remédio sem prescrição. A Região Sul do Brasil é a que mais busca orientação médica antes de consumir medicamentos, 29%.

De acordo com o presidente da Associação Médica de Bento Gonçalves e cardiologista, Fernando Tormen, um grande risco de tomar remédios por conta própria é que algumas medicações possuem várias faixas de dose, o que pode ocasionar efeitos diferentes. “Algumas substâncias possuem dose tóxica muito próxima da correta. Pequenos erros no modo de tomar podem causar sérios problemas. É possível que o paciente tome vários tipos de remédios com composições parecidas, o que é muito comum em pílulas combinadas de analgésicos e relaxantes musculares, entrando, sem saber, na dose tóxica”, afirma.

Além disso, a recomendação para o caso de antibióticos é administrar os fármacos com rigidez, para que o problema de saúde não se agrave. “Deve-se observar o tempo de uso e intervalo de dose corretos, pois sabemos que se a posologia não for adequada, aumenta o risco de indução de bactérias multirresistentes”, explica o médico.

Outro problema causado pela administração indevida de substâncias, segundo Tormen, é a questão da interação entre automedicação e os medicamentos de uso contínuo. “Um exemplo é a combinação de drogas para disfunção erétil com remédios cardiológicos, que pode causar importante queda de pressão arterial, chegando até mesmo à morte”, frisa. O médico ressalta que todos os remédios possuem contraindicações, e estas “limitam seu uso em determinadas pessoas, e as informações, muitas vezes, não são conhecidas pelo leigo. Também há o risco de o paciente usar por tempo prolongado medicamentos que não são feitos para este fim, gerando complicações e sequelas que podem ser definitivas”, observa.

O clínico geral Leandro Machado adverte que a automedicação é uma prática incoerente, trazendo consequências à saúde em médio e longo prazo. Um dos perigos é o retardo de diagnósticos, escondendo os sintomas. “Quando um sintoma diminui ou desaparece, não significa que a pessoa está fazendo o uso adequado, ao contrário, pode estar ofuscando um adequado diagnóstico, e consequentemente, o correto tratamento. A consulta médica é indispensável, independentemente da situação ou sintomatologia, mesmo que para isso seja necessário permanecer com os sintomas ou procurar um pronto atendimento”, aconselha.

Venda sem prescrição agrava o problema

Machado argumenta que um dos fatores que favorecem a prática é a venda de medicamentos sem a prescrição médica, como no caso de analgésicos, antipiréticos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares. “Não significa que são menos perigosos”, esclarece.
Uma das ações positivas, segundo o clínico geral, é o acesso dificultado de alguns medicamentos, por meio de receituários controlados. “Ou a venda com termos de responsabilidade de efeitos colaterais aos pacientes, como, por exemplo, a sibutramina, usada para redução de peso”, conclui.

Cuidado! Remédios são “vilões” do bem-estar

Usar medicamentos inadequadamente pode transformar uma substância criada para auxiliar no combate a doenças em um catalisador de problemas. O presidente da Associação Médica de Bento Gonçalves afirma que é importante monitorar o uso de anti-inflamatórios (AINEs), usados para dores osteoarticulares, secundárias a artrites, artroses, desgastes, etc. “Mesmo numa pessoa jovem e saudável, o uso por mais tempo que o indicado pode gerar uma série de problemas, como doenças do estômago, piora da pressão arterial e lesões renais. Em quem possui comorbidades, como hipertensão e diabetes, este risco aumenta ainda mais. O uso inadequado é uma causa comum de insuficiência renal, podendo levar o paciente à hemodiálise”, elucida Tormen.

A ansiedade e estresse da sociedade também são fatores que levam a população fazer o uso de medicamentos para dormir. Tais remédios possuem efeitos colaterais que podem variar entre alteração do padrão do sonho e ganho de peso a alteração cognitiva. “Apesar de necessitarem de receita, muitas vezes o interessado consegue esta medicação pegando de algum familiar ou amigo. O problema é maior com os que são classificados com ‘tarja preta’, pois geram dependência, tanto física quanto psíquica”, aponta o cardiologista.

Outros exemplos de substâncias utilizadas no dia a dia por grande parte da comunidade são os descongestionantes nasais, antiácidos, fitoterápicos, vitaminas e suplementos. “Até mesmo os populares ‘chás’, que são comprados pelo paciente na esperança de melhora de qualidade de vida, na maior parte das vezes resultam em excesso de gasto e em alguns casos, piores desfechos clínicos”, destaca Tormen.

Orientação médica é a melhor opção

A pré-autorização de um médico, segundo o cardiologista, é uma das opções para quando há sintomas já conhecidos e necessidade de uso ocasional de medicação. “Quando em urgências durante alguma viagem, por exemplo, o farmacêutico deve sempre fazer uma checagem das medicações em uso para determinar se há alguma interação medicamentosa e desaconselhar o uso de substância para fins não estabelecidos”, instrui.

Tormen diz que automedicação é um assunto sério que o ideal é ter orientação médica. “Conforme estudo publicado em uma importante revista médica chamada British Medical Journal, em 2017, ter um médico de confiança para cuidado contínuo e duradouro está relacionado a menor incidência de problemas de saúde e redução de mortalidade”, finaliza.