Ao longo do ano passado, Bento registrou um número recorde de homicídios em sua História. Foram 34 casos, um aumento de mais de 30% em relação aos 26 registrados em 2016. Conforme as autoridades da área de segurança pública, a grande maioria desses crimes possui relação com o tráfico de drogas.
No entanto, o que pouca gente sabe é de onde vem a droga que abastece e circula pela região. Como é e quais são os pontos principais que envolvem o transporte desses ilícitos pela Serra Gaúcha e Bento Gonçalves? Para tentar entender os caminhos percorridos, o Semanário ouviu fontes locais e estaduais, com o objetivo de traçar as rotas do tráfico na região.

A droga na Serra Gaúcha

Criado em 1995, o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) é responsável pela coordenação, fiscalização e execução das atividades referentes à Polícia Civil nos delitos envolvendo tráfico de entorpecentes. Cabe ao órgão as investigações em todo o Estado, inclusive na região da Serra Gaúcha.
Conforme o Diretor de Investigações do Denarc no Rio Grande do Sul, delegado Mario Souza, a região da Serra está entre as prioridades do órgão. “Por ser uma região com grande concentração de população, economicamente forte e com investimento em turismo, o tráfico se posiciona ali”, explica.
De acordo com ele, as principais organizações criminosas instalam-se em pontos estratégicos, que facilitam a distribuição da droga entre diferentes locais. Em função desse fator, é comum identificar rotas entre a Capital, Região Metropolitana e Serra. “O traficante se posiciona para fazer o vai-e-vem da droga”, explica.
Segundo Souza, o monitoramento da região é uma constante. Recentemente, além de Caxias do Sul, foram feitas ações do órgão em Farroupilha, Bento Gonçalves e Gramado. “Temos atuado na Serra com operações mais longas e apoio da Delegacia Regional, mas sempre com as investigações em total sigilo”, pontua.
De acordo com ele, o trabalho do Denarc é definido por ações específicas. Entre elas, estão pontos como a identificação e desarticulação das rotas, o corte no abastecimento, além da identificação das organizações criminosas que eventualmente tentam se estabelecer na região.
Conforme o delegado, a questão do tráfico, especialmente em municípios em que a violência tem disparado, como Caxias do Sul, é uma preocupação constante do Denarc. De acordo com ele, com o aumento do consumo e da demanda, há a necessidade de abastecimento e movimentação de dinheiro, o que faz com que as organizações partam para outros crimes, como roubos de cargas, por exemplo. “O tráfico é a mola propulsora do crime organizado”, analisa.
Além disso, a Polícia Civil e o Denarc têm trabalhado em conjunto na Operação Anjos da Lei, em todo o Estado. O foco é fazer investigações e fechar pontos de tráfico no entorno das escolas. “O tráfico não é só uma questão de segurança pública. É um problema de ordem econômica, social e de saúde pública”, finaliza.

As ações da Polícia Federal

Há pelo menos uma década, a Unidade da Polícia Federal em Caxias do Sul deflagra inúmeras operações voltadas a combater o tráfico de drogas, incluindo esforços de trabalho em cooperação internacional com a Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai – SENAD/PY. Conforme a assessoria de imprensa do órgão em Porto Alegre, o modal terrestre é o predominante, tanto para internalização quanto para o transporte e escoamento da droga, desde a região de fronteira até a Serra Gaúcha.
Ainda conforme o órgão, as rodovias 386, 470 e 101 (com utilização da Rota do Sol) são as mais utilizadas pelas organizações criminosas, como logística de ingresso de drogas na região serrana.
Recentemente, em agosto de 2017, a Delegacia da PF em Caxias do Sul-RS deflagrou a Operação COROA, que teve como alvo um dos maiores traficantes de drogas da América do Sul, extraditado em 28 de dezembro do Paraguai para o Brasil, sob forte esquema de segurança e recolhido ao Presídio Federal de Mossoró (RN), onde, atualmente, também estão presos os traficantes Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP.
No curso dessa Operação, foram apreendidas cerca de 4,6 toneladas de drogas em diversos locais do Brasil. Esse narcotraficante possui dois mandados de prisão preventiva expedidos pelo Juízo Federal de Caxias do Sul, resultantes das Operações Matriz (2010) e COROA (2017).

O que dizem as autoridades locais

Conforme Lucas Martins, chefe da 6ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal, sediada na BR 470, em Bento, o trabalho de combate ao tráfico é feito com equipes especializadas, atuando em operações de prevenção e combate.
De acordo com ele, é complicado falar em questões de rotas específicas, já que o tráfico migra muito. “Claro que a BR-470, por ser uma rodovia de ligação, unindo o Rio Grande do Sul à Santa Catarina e à região metropolitana, é uma rota muito forte e propícia para esse tipo de crime”, comenta.
Segundo ele, a droga apreendida na rodovia, em ações constantes de fiscalização feitas pela PRF, chegam de diversos caminhos. Entre eles, a fronteira do Estado, onde se produz em larga escala, e a região metropolitana de Porto Alegre, “por ser um centro de distribuição”, aponta.
Ainda conforme Martins, o tráfico de drogas é um problema de segurança pública, e o abastecimento às regiões precisam ser combatidos. “Aqui em Bento, sabemos da relação com os crimes violentos, então as forças de segurança estão trabalhando para reduzir esses índices. Temos combatido com planejamento e trabalho”, pontua.
Na avaliação da PRF, é necessário um controle maior das fronteiras do país, não apenas pela questão do tráfico de drogas, mas por outros crimes que também dizem respeito à entrada e saída do país, como contrabando, descaminho e tráfico de armas. O Brasil possui mais de 16 mil quilômetros de fronteiras terrestres, com nove países da América do Sul, além da Guiana Francesa: Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname.
De acordo com Martins não é possível falar sobre rotas de tráfico de drogas sem citar as questões de fronteira. “O Brasil tem uma extensão territorial muito grande. A droga sai de países como Bolívia, Paraguai e Colômbia, mas não temos como evitar isso”, aponta.
Na avaliação dele, isso ocorre porque falta policiamento e material humano para dar segurança às fronteiras do país. “Enquanto não pensarmos em investimento nesse sentido, e reestruturação das polícias, vamos continuar tendo retrabalho nesse sentido”, comenta.

De acordo com Maria Isabel Zerman, delegada titular da 1ª Delegacia de Polícia (DP) de Bento Gonçalves, e que tem como foco a repressão ao tráfico de drogas, o trabalho da Polícia Civil no município diz respeito ao que ocorre no âmbito local. Segundo ela, cabe ao Denarc e a Polícia Federal o mapeamento de rotas e eventuais quadrilhas responsáveis pelo transporte da droga. No entanto, conforme a delegada, algumas investigações coordenadas pela 1ª DP verificaram que a droga apreendida vinha do Paraná e de Santa Catarina, com dois caminhos sendo utilizados dois caminhos: via Vacaria, pela RS 122 e pelo Litoral Norte, em Torres. “Isso foi em relação a investigações específicas. Não podemos afirmar que toda a droga que chega a Bento Gonçalves venha apenas destes Estados e por estas rotas”, pontua.

As rotas

Linha do tempo