Nos oito primeiros meses de 2018, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Bento Gonçalves instaurou 657 inquéritos e encaminhou 642 denúncias para o Poder Judiciário, que tratam de violência e assédio dos mais variados tipos. Além disso, mais de 929 Boletins de Ocorrências foram registrados. Números que assustam, mas ao mesmo tempo, traçam uma mudança no perfil das mulheres, que estão procurando mais as delegacias contra seus agressores.

E é exatamente neste contexto que a Lei Maria da Penha, que completou 12 anos em agosto, desempenha um papel fundamental, conforme a delegada titular da Deam de Bento Gonçalves, Deise Salton Brancher Ruschel. “Antes, as ocorrências de violência doméstica e familiar seguiam o trâmite normal, não havia uma diferenciação, um procedimento especial ou medidas específicas voltadas para a mulher. Com a Lei Maria da Penha, a mulher passou a ter a possibilidade de solicitar medidas protetivas, que são extremamente importantes, pois temos a possibilidade de afastar ela do foco de risco”, descreve.

Conforme a titular da delegacia, antes da homologação da lei, o agressor dificilmente seria preso após cometer o ato, em virtude da pena ser muito baixa. Isso foi alterado graças às medidas protetivas, as quais podem ser solicitadas com base na artigo 22 da Legislação, que engloba: suspensão da posse ou porte da arma de fogo do companheiro; afastamento do lar, para que o agressor saia da residência e a vítima permaneça com os filhos; proibição de várias condutas, como se aproximar dentro de uma distância delimitada pelo juiz dependendo do caso; toda e qualquer forma de contato com a vítima; frequentar determinados locais o qual a vítima se faz presente, entre outros. “Além disso, caso o comportamento estiver afetando os filhos, pode ser afastado ou ter suspensão da visita”, complementa. Segundo Deise, o descumprimento dessas medidas pode acarretar na prisão do agressor.

A delegada reitera em quais casos as medidas podem ser empregadas. “A lei é aplicada em casos de violência doméstica familiar, praticadas pelo homem contra a mulher. Mas também nos casos de relação homoafetiva, entre duas mulheres, tal qual filhas contra a mãe. É preciso ser violência de gênero. A própria lei não fala apenas em agressão física, mas também psicológica, sexual, patrimonial, moral e engloba diversos crimes, desde ameaças em redes sociais, telefone, vias de fato, lesão corporal até estupro e feminicídio”, explica.

O indivíduo que descumprir a legislação e for pego em flagrante será preso, sem direito a fiança. Em caso de morte decorrente de violência de gênero, a lei enquadra o crime como homicídio qualificado, que em 2012 passou a ser denominado de feminicídio. A pena ao autor é de 12 a 30 anos.

Em âmbito local, os casos contra mulheres são de ameaças e agressões físicas, os quais passam a ter várias especificidades que são englobadas no contexto, situações que aumenta a demanda na Deam. “A média é de 700, 800 inquéritos em andamento. A demanda é grande e a partir deste ano, a delegacia ampliou sua atribuição, atuando também com adolescentes que são vítimas de violência e abusos sexuais, independente do sexo”, fala.

Bento registrou dois casos de feminicídio em 2018, situação que não ocorria desde 2013. Para evitar novos crimes deste tipo, a Deam e as demais delegacias do estado passaram a realizar um trabalho preventivo pioneiro com os agressores, conforme conta a delegada Deise. “Criamos um atendimento aos agressores, que é um grupo de reflexão, o qual reúne policiais, representantes da OAB e psicóloga, que atuam junto aos homens selecionados, a fim de estimular o pensamento sobre os atos cometidos e assim, quando voltarem para o lar e convivência com as companheiras, consigam resolver as adversidades sem emprego da violência”, explica.

Mulheres denunciam mais as agressões

Ser submissa aos companheiros e aceitar agressões não é mais o comportamento de grande parte das mulheres. A prova está no número de denúncias e na mudança de postura, mais encorajada. A delegada confirma esse novo posicionamento feminino. “É um processo de amadurecimento e de evolução cultural. A violência contra a mulher não é um problema apenas criminal e sim, social. É a maneira como o homem e a sociedade veem a figura da mulher. E isso só será alcançado com o tempo. Infelizmente, nosso país deixou passar muito tempo e tivemos milhões de vítimas. Se agora temos números significativos, é pelo empoderamento, pelo encorajamento feminino de se ir até a DP e registrar. Torço e trabalho para que siga sendo assim”, conclui.