Olha só! Foi preciso eu atravessar o velho Cabo da Boa Esperança e visualizar o nem tão terrível Cabo das Tormentas para (re)conhecer o outro lado da história, aquele que a gente até intui que existe, mas que, por uma razão ou outra, ou sem razão alguma, acaba ignorando. Refiro-me à Guerra dos Farrapos, que, segundo a história oficial, foi um movimento formado por idealistas, abolicionistas e republicanos. Minhas decorebas do ginásio foram postas em xeque. Afinal, o que foi mesmo essa tal Revolução Farroupilha?

Como não tenho autoridade para discutir o assunto, passo a transcrever o que achei de mais crítico e discordante em relação à versão oficial. Começo com Mário Maestri, ferrenho historiador gaúcho, que não tem papas nas teclas:

“No RS, como pequenos robôs esquizofrênicos, os estudantes agitam primeiro as cores verde e amarela das bandeirolas do unitarismo nacional, inaugurado em 1822, para saudarem dias mais tarde, com igual ânimo patriótico, o verde-amarelo-vermelho do separatismo sul-rio-grandense de 35”.

“Num desses paradoxos da história, a Guerra Farroupilha contra o regime imperial foi movimento elitista, sem nenhum conteúdo social, promovido, sobretudo, pelos grandes criadores sulinos, que sequer contou com a unanimidade dos proprietários regionais.”

Na mesma linha, o historiador Tao Golin declara:

“A Semana Farroupilha, do ponto de vista da história, é um grande equívoco. Essa ideia de que o Rio Grande do Sul se levantou como um todo contra o império é uma bobagem tremenda”.

O historiador de Palomas, Juremir Machado, apresenta os pontos vitais da Revolução Farroupilha, que tomei a liberdade de resumir:

“Foi uma guerra civil de proprietários rurais em defesa dos seus interesses de classe”. “… usou os negros como mão de obra militar no momento do aperto e os traiu em Porongos”. “Canabarro fugiu só de cuecas enquanto os negros, traídos, eram mortos”. “Bento Gonçalves morreu rico, como prova o seu inventário, deixando mais de 50 escravos para seus herdeiros”. “Praticou-se de tudo: estupro, degola, saque, apropriação de terras alheias e sequestro”. “A história é uma ficção reconstruída a cada geração”, “por aduladores de um passado que não existiu”.

Já o historiador Moacyr Flores esclarece que “a visão romântica da história dos farrapos foi estabelecida em 1947, com a criação dos Centros de Tradição Gaúcha (CTG).” Segundo ele, “houve então uma apropriação do gauchismo como símbolo de identidade, modificando a interpretação de toda essa história, colocando os revoltosos como heróis”.

Diante das várias facetas da “verdade”, nenhuma livre de ser manipulada, é interessante mantermos certo distanciamento em relação ao estudo do passado. Só assim é possível o entendimento do presente com uma possibilidade de projeção do futuro com menos mentiras e corrupção.

Por enquanto, o que interessa é que os festejos farroupilhas são uma forma de os gaúchos se congregarem, de curtirem uma semaninha de folga com muita alegria, churrasco e chimarrão, culminando num belo feriado de Vinte de Setembro. O resto é… Bom, o resto é história.