Segundo a medicina, Justina Bernardi tinha 5% de chance de sobreviver. Depois de 30 dias internada, ela entra para a estatística de 1% dos pacientes que ficam sem sequelas

“Um ato divino”. É assim que Thaís, a filha mais velha de Justina Bernardi, 55 anos, define a recuperação total da mãe. A artesã e técnica de enfermagem aposentada foi diagnosticada com Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico (AVCh) no dia 13 de outubro de 2020. O que poderia ser o fim, para ela trouxe esperança.

Todo AVCh começa de repente, de forma súbita e sem avisar. “No momento, senti dores muito forte de cabeça e vômito, seguido de desordem mental e dificuldade de fala”, lembra Justina.

A doença se caracteriza pelo sangramento em uma parte do cérebro, em consequência do rompimento de um vaso sanguíneo – artéria ou veia –, lesionando e provocando inchaço naquela região. O AVCh uma das maiores emergências médicas em Neurologia e Neurocirurgia. Entre esse e o tipo isquêmico, o hemorrágico é menos frequente, correspondendo a cerca de 10-15% de todos os AVCs.

De volta à rotina, Justina retoma paixão por tricot e crochê

A filha Thaís comenta que antes de ir ao Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, Justina teve duas paradas cardíacas. “Fiquei quatro dias completamente em choque. Quem resolveu todos os problemas foi minha irmã. Quando cheguei em casa, a vi no auge do AVC, estava muito mal. Só ficamos sabendo do acontecimento dois dias depois”, afirma.

Justina relata que nunca teve histórico de doenças cardíacas ou neurológicas, sempre se alimentou bem e os exames de rotina eram satisfatórios. Foi “do nada” que surgiu a enfermidade. “Não lembro muita coisa, na verdade. Minha filha Luize disse que eu estava com batimentos fracos e que o médico pediu transferência imediata para o Pompeia (em Caxias do sul), que é o centro especializado em neurologia, pois meu estado de saúde era muito grave”, conta.
A técnica de enfermagem precisou passar por uma cirurgia de alto risco. “Nos avisaram que podia acontecer de tudo. Passei 30 dias no hospital, entre UTI e quarto”, pontua.

Contrariando todas as estatísticas médicas, que apontavam que Justina teria 5% de chance de sobreviver e 1% de não ter nenhuma sequela, hoje ela vive de forma normal. “Desacelerei um pouco a vida, eu era muito acelerada, mas agora estou me cuidando. Faço tudo que fazia antes, mas um pouco mais devagar, por enquanto”, sorri e comemora.

Questionada sobre qual seu maior sonho, é enfática. “Queria que todas as pessoas tivessem a oportunidade de um bom atendimento como eu tive. A agilidade do Samu foi o que me salvou, todo o suporte foi via SUS e nada me faltou. Espero que todos possam ter esse atendimento, quando for preciso”, sublinha. Para ela, o que fica é a gratidão pelo recomeço de vida, pelas filhas Luize e Thaís e marido Cláudio, pelos profissionais de saúde e a todos que, de uma forma ou outra, ajudaram na recuperação.

Paciente podia perder a fala

Nos exames de Justina constam que a hemorragia atingiu ambos os hemisférios cerebrais, sobretudo à esquerda. O neurologista Mario Husek Carrion explica que os danos dependem de quais áreas cerebrais foram atacadas. “Simplificando, estatisticamente, a artéria mais acometida é a média, por ter maior fluxo. Nesses casos, o mais comum é sequela motora, paralisia em um lado ou outro do corpo. Se o esquerdo do cérebro for o acometido, a pessoa pode perder ou diminuir a capacidade de falar-escrever e/ou entender a linguagem falada ou escrita. Mas em outras áreas os sintomas podem ser perda parcial da visão, tontura, desequilíbrio, perda da coordenação da marcha, ou até, não ter nenhum sintoma perceptível, dependendo da área acometida”, esclarece.

Conforme Carrion, dentro das primeiras horas, é comum a recuperação parcial e até total, dependendo da agilidade na instituição do tratamento. “Em situações tardias, existem casos de recuperação progressiva ocasionalmente ou até total. Depende do que chamamos de ‘capacidade plástica cerebral’, isto é, a capacidade de outras áreas assumirem as funções das acometidas e também, se acredita na possível criação de células novas substituindo as danificadas, o que não se acreditava no passado. A recuperação depende de esforço e treino, o que desencadeia um processo de ‘reaprendizado cerebral’”, sustenta.

De passatempo a trabalho

Justina ou Tina também é conhecida pela produção de, como chama, “arte em crochê e tricot”. Começou desde nova e nunca mais parou. Hoje, faz peças de roupas e bolsas para vender. “Gosto muito do que faço, não vejo hora de voltar a dar aulas disso, amo minhas alunas”, destaca.

Fotos: Arquivo pessoal