Na janela aqui de casa tem um vaso de gerânios que estão querendo secar por culpa do outono que chegou com um par de olhos tristonhos. O outono anda com um olhar cabisbaixo, como que velando as folhas mortas dos cinamomos.

O inverno prefere olhar para dentro de suas lareiras acesas.

Já o olhar da primavera é horizontal para percorrer as paisagens em flor.

O verão anda de cabeça erguida, soleva seus olhos para o sol e a alegria escaldante.

Mas agora estamos sendo acometidos pelo outono. Alguns preferem dizer que estão sendo privilegiados pelo outono, uma meia-estação que começou quando o sol alcançou o equinócio de março e só irá terminar ao atingir o solstício de junho. Dia-a-dia, os pomares desnudam-se para poderem dormir seu sono profundo. O mesmo acontece com minhas desbotadas bermudas e os meus tênis amaciados pelo uso de tanto saltar pedras das cachoeiras.

Enquanto costuro esses desapontamentos sobre o outono, que me parece ser uma estação mais da alma do que da natureza, em pleno sábado de manhã, minha tia tenta enfiar a linha na agulha, procurando um pouquinho de sol com os pés descalços na sacada da casa. Tudo em vão: não consegue uma coisa e nem a outra. Como dizia meu sábio vovô: enfiar é sempre mais difícil do que tirar. Não ria, que o negócio é bastante profundo. Enfiar pensamentos ruins na cabeça, por exemplo, é rápido e dispensa até manual de instruções. O mesmo não acontece, porém, na hora de tirá-los. Não há pé-de-cabra que resolva.

Voltando a tarefa de enfiar a linha na agulha, ajudo minha tia que está no outono de sua vida. Ela me agradece com um entusiasmo quase infantil. Sua atitude mostra-me, claramente, a diferença entre uma mera comichão e a alegria verdadeira.

– Os gerânios estão secando, tia – digo, apontando o dedo para o vaso rodeado por crianças.

– É verdade – concorda ela, antes de complementar: – mas o grande segredo não é procurar tirar lições disso mediante um ato de vontade.

Como sou um imbecil de marca maior, penso com minhas folhas secas, porém indago com a clara intenção de desconcertá-la:

– Como assim, se as quase todas as lições que aprendemos são impiedosas.

Condensando toda a ternura do mundo em um sorriso, minha tia, acomoda-se melhor na poltrona e diz com a experiência de quem já está na idade do lucro:

– Depende de como você assimila os fatos. Olhe lá aquelas três crianças entretidas com a teia de aranha que envolve os gerânios. Cada uma delas deve estar reagindo de uma maneira diferente.

– Talvez – digo a meia voz.

– Tenho certeza de que cada uma delas deve estar colhendo uma impressão diferente – garante-me ela.

– Como assim? – quero saber.

– A primeira deve pensando como a aranha conseguiu tecer aquela teia complicadíssima.

– E a segunda… interrompo-a, arrastando a cadeira para mais perto dela.

– Bem, a segunda deve estar com medo das presas da aranha, imaginando o veneno mortal que elas contêm.

– E a terceira?

– Já a terceira está prestes a exclamar: “Que legal, uma rede de acrobatas”.

Quem caiu na “rede” armada por minha tia fui eu mesmo.

A verdade é que recebi uma lição que não aprendi em nenhum banco escolar e que me vale por muitos e muitos outonos.

 

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