Moradores foram surpreendidos com Ação Demolitória recebida na última semana, o ofício encaminhado pela Administração Pública alega que os terrenos pertencentes ao Clube São Bento, onde se ergueram sete casas, possuem padrões irregulares

Dorvalino Olivotto, 77, e Glória Lovera Olivotto, 79, vivem na casa de alvenaria que construíram sobre o terreno que compraram na Linha Palmeiro, em uma rua tranquila da comunidade de Santo Antoninho. Na última quarta-feira, dia 13, contudo, foram informados de que eram réus de uma ação movida pela Administração Pública de Bento Gonçalves, e que sua residência poderia ser demolida. Um ofício de Ação Demolitória, igual ao que foi entregue pelo oficial da justiça aos Olivetto, também foi direcionado para seus vizinhos de rua. Ao todo, sete famílias foram surpreendidas e temem perder suas residências.

Segundo o processo que corre na 3º Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves, as terras onde as famílias se assentaram estão fora dos padrões estabelecidos pela Lei Complementar Municipal 103/2006 e pela Lei Nacional nº 6 6.766/79. O ofício alega que a comunidade encontra-se em uma área rural do Município e que, por este motivo, deveriam ter no mínimo dois hectares cada. De acordo com o mapa do local, existem em torno de 38 terrenos na área, a maioria de 15 X 30 m², portanto, com uma metragem inferior à estabelecida pela legislação.

Embora os moradores só tenham sido incluídos recentemente no processo e sido comunicados oficialmente sobre a situação há pouco mais de uma semana, a Ação contra a Sociedade Civil, Educativa, Cultural e Atlética São Bento, popularmente conhecido como Clube São Bento, havia sido informada sobre o “parcelamento irregular do solo”, desde março de 2015. O documento pontua que “os referidos lotes têm sido vendidos por intermédio de contratos de gaveta, mascarando o parcelamento irregular por intermédio de contratos de ‘locação’”. Entre outros pedidos pontuados no ofício, a Administração Pública solicita “proibir o demandado (Clube São Bento) de vender e construir novos ‘lotes’ irregulares” e “determinar a demolição das construções realizadas, a expensas do demandado, sem qualquer direito à indenização”.

Defesa diz que moradores querem a regularização
Conforme o advogado de defesa das famílias, Alan de Moura Vieira, em 1981, o clube São Bento resolveu vender uma área que pertencia à sua sede campestre para sócios. Alguns terrenos como o do senhor Olivotto teriam sido comprados com contrato de compra e venda e outros com contrato de locação. Passado mais de 35 anos, muitas áreas também foram revendidas a terceiros. Somente em 2019, os moradores teriam sido notificados de que estariam em áreas irregulares. “O clube fez contratos de compra e venda que a gente chama de contratos de gaveta, loteou e vendou os lotes, e a Prefeitura entrou com essa ação contra ele em 2015. Mas agora, incluiu os moradores, pois mais para frente isso iria dar cerceamento de defesa, afinal eles, que são a parte mais interessada, não tinham sido citados ainda para apresentar suas defesas e argumentos”, explica.

Vieira explica que os moradores estão dispostos a regularizar suas situações e que tinham buscado a Prefeitura e a Procuradoria-Geral para isso, embora “não tenham sido escutados”. “Qual o interesse do Município em entrar só em 2015 com a ação? De querer demolir sete casas? Se regularizar a situação, o município vai recolher imposto, demolindo não vai ganhar nada”. Embora o ofício aponte ser “impossível regularizar o parcelamento”, Vieira aponta em outra direção. “Dá para regularizar esse hectare em um CNPJ de cooperativa e fazer um estatuto onde cada pessoa cuida de um lote. Não é plausível essa alegação que não tem como regularizar. Tem sim, mas eles não querem ajudar”, protesta.
O advogado pontua ainda que, caso a Ação seja perdida, os moradores devem recorrer contra o Clube São Bento, buscando uma indenização, mas que os valores seriam tão baixos que, ao fim, ficariam sem ter para onde ir. “O clube já vendeu os lotes e ganhou seu dinheiro, se essas familiais chegam a perder essas casas, o máximo que pode acontecer é o Clube sofrer uma ação indenizadora para reaver o dinheiro dos terrenos. Mas eles foram comprados muito tempo atrás, os valores eram menores. Mesmo que os moradores ganhem a indenização, não será suficiente para uma nova casa ou terreno”, sustenta.

“Dediquei a vida para ter uma casa, agora posso perder tudo”
A fala, em tom misto de tristeza e revolta, de Dileta do Nascimento, 60, dona de casa que há sete anos vive em Santo Antoninho com o esposo João Nelson e o filho Cassiano, é em parte, o eco e síntese das vozes de seus vizinhos. Assim como as demais famílias, Dileta se diz surpresa e acena estar desesperada com a situação, afinal foram décadas economizando dinheiro até concluir o sonho de ter a casa própria. “A gente ficou pagando aluguel 40 anos. Quando a gente somou o pouco dinheiro que conseguimos, investimos aqui, fizemos o que deu, nem terminamos a casa ainda e vem um pessoal dizendo que tem que derrubar. Falaram que a gente tinha que buscar um advogado porque estávamos ilegais, mas a gente não invadiu, a casa é nossa, o terreno é nosso, compramos do São Bento”, protesta.

Trabalhei nas parreiras de sol a sol até que consegui comprar o terreninho e fazer essa casa. Agora veio essa notícia horrível. Meu Deus, estão falando em demolir as casas! Para onde vamos? José Tomasi, 72, aposentado

O trabalhador autônomo Altaus Vieira Duarte, 30, foi o último morador que se instalou na área, há cerca de cinco anos. Encarregado de recolher as documentações necessárias à defesa, é quem atualiza os vizinhos sobre os andamentos do processo. Segundo ele, tudo aconteceu de forma inesperada. “Na quarta-feira passada o oficial de justiça nos deixou um oficio onde dizia que teria uma ordem demolitória de nossos lares, todo mundo se apavorou, desde então não conseguimos nem dormir direito”, pontua. Comenta ainda que todos têm contratos de compra ou locação, e, por isso, nunca imaginaram estar cometendo alguma ilegalidade.

A opinião é reforçada por Dorvalino, antigo funcionário e sócio do Clube São Bento e o primeiro morador a construir uma casa no local. Hoje, 35 anos após, assinala o espanto com que recebeu a notícia. “Não invadi isso aqui, eu comprei o terreno, mas se o Clube nos vendeu de forma irregular, eles é que deviam colocar isso em dia”, comenta.

São Bento emite nota de esclarecimento

Clube São Bento manifestou que há décadas houve a negociação de uma área de terras, sendo algumas por compra e venda, e a maioria por meio de locação vintenária, como uma forma de arrecadar fundos para a ampliação da sede campestre. Aponta ainda, que alguns locadores negociaram a posse sem a anuência do clube, e que a Sociedade não fez loteamento da área.

A direção diz ainda estar cumprindo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público, comprometendo-se a não vender terrenos ou frações destes. Acerca da ação demolitória ajuizada pelo município de Bento Gonçalves, aponta que a defesa foi acostada em junho de 2016. O clube São Bento afirma ainda estar aberto a qualquer esclarecimento.

Prefeitura assinala possibilidade de regularização

Ao contrário do que afirma a Sociedade São Bento, a diretora adjunta do IPURB, Melissa Bertoletti sublinha que “a localidade foi dividida em dezenas de lotes todos inferiores a 2Ha”, portanto, as construções realizadas na área não possuem autorização do órgão Municipal competente.

Acerca da denúncia dos moradores de que nunca teriam sido notificados sobre a irregularidade, Melissa pontua que a ação foi movida contra a detentora da propriedade, ou seja, o Clube São Bento. “Não foi feito contato com os moradores, pois o processo judicial está em andamento e o detentor da propriedade é a Sociedade São Bento. Sempre é tratado com o proprietário detentor do título”, assinala. Ainda segundo Melissa, com a mudança do Plano Diretor em 2018, bem como a Lei Federal 13.465/2017, os lotes podem ser regularizados desde que comprovem contrato com mais de 10 anos.