Além da uva, há uma diversificação do cultivo desses alimentos na agricultura familiar de Bento Gonçalves

Produzidos de forma natural, sem adição de químicos no processo de cultivo, os alimentos orgânicos são o sustento de alguns agricultures de Bento Gonçalves.

Segundo o engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) Alexandre de Oliveira Frozza, toda a produção do município é certificada, pois o produtor precisa ser regulamentado. “Temos as entidades que atuam no processo de avaliação da produção, do manejo do produtor, para emitir o certificado. Os produtores daqui fazem parte do Sistema Participativo de Garantia (SPG), que exige a participação direta dos seus membros (produtores, técnicos, consumidores, entre outros) em reuniões que avaliam a adequação aos regulamentos técnicos previstos na legislação vigente”, explica.

A lei referente à produção orgânica é a 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que entrou em vigor em janeiro de 2011. Além de seguir essas orientações, vindas do Ministério da Agricultura, também existem os Decretos e Instruções Normativas (IN), que regulamentam a norma. Segundo Frozza, a Associação dos Produtores Ecológicos de Bento Gonçalves (APEB) se vincula à Rede Ecovida, o Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC) cadastrado no SPG.

Falta mão de obra

Na cidade, prevalece a agricultura familiar de pequeno porte. “Desde a gestão, execução e comercialização, tudo é feito pela mão de obra da família. Com isso, o produtor pode vir a fazer um documento que o caracteriza como agricultor familiar, e, assim, ter acesso às políticas públicas específicas, além do atendimento da Emater, que prestamos como forma de auxílio diante de tantas complexidades”, explica.

Avaliação de conformidade orgânica da APEB

O engenheiro explica que a uva orgânica, em termos de volume, é o que ocupa a maior área de plantio. “Depois a gente tem diversificação do pessoal que faz feira, como alface, rúcula, couve, tomate, pepino e morango. Para esses produtores, o ideal é sempre ter produtos variados”, afirma.

Entretanto, apesar da grande demanda por parte da sociedade, a pouca mão de obra limita a expansão, em termos de novos produtores. “Na feira, faz alguns anos que a gente não tem a entrada de novos membros, tem se mantido as mesmas famílias. Antigamente, o receio era sobre como fazer o manejo, pois até hoje não se pode usar fungicidas, herbicidas ou inseticidas. Hoje, a gente tem uma série de opções com grandes empresas produzindo, porque é uma tendência mundial de criar novos produtos com menos agrotóxicos”, conta.

Agricultura familiar

O produtor agrícola Gilmar Cantelli trabalha com estufas em sua propriedade. “O cultivo é dentro daquilo que prega o Ministério da Agricultura. Não utilizamos adubos e nem defensivos químicos. O que usamos são produtos liberados. Também não usamos herbicida, então toda limpeza da cultura é feita de forma manual, como enxada e mão”, garante.

Para manter os orgânicos dentro do padrão exigido, a adubação é diferenciada. “Feita com adubos orgânicos, compostado de cama de aviário, de sobras de vegetais, restos dos cabos e cascas da uva. Isso tudo vai para uma compostagem perto de Veranópolis, que prepara os resíduos por praticamente um ano. Também são usados minerais como o fosfato mineral, cinza, pó de rocha, além alguma coisa de extrato de mamona, que é uma algo mais novo”, esclarece o agricultor.

Além disso, para reconstruir o solo, é necessário fazer a rotatividade das culturas. “No mesmo lugar, não se planta a mesma espécie depois que ela for colhida. Se planto alface em um canteiro, na próxima plantação vai ser outra coisa. É preciso sempre uma renovação, porque cada cultura que se planta extrai algo do subsolo”, salienta.

Cantelli costuma produzir 40 produtos diferentes entre inverno e verão, além de cinco mil unidades por mês. “Quase 100% é vendido na feira. Tem um restaurante orgânico que vem pegar alguma coisa aqui, mas é o mínimo. Tenho alface de cinco variedades, dois tipos de radite, rúcula, agrião, salsa, cebolinha, temperos diversos, cenoura, rabanete, beterraba, couve-folha, brócolis, couve-flor, repolho, pimentão, berinjela, tomate, pepino, abobrinha, brócolis, morangos, pêssego, caqui, amoras, alho-poró, entre outras coisas”, conta.

Para que o alimento orgânico chegue às mesas dos consumidores, os produtores resolvem muitas questões que vão além do cultivo. “Temos toda uma questão que não é apenas a produção. Auditoria, documentação, um monte de coisas analisadas para produzir orgânicos, toda uma estrutura por trás disso”, conclui.

Cogumelos orgânicos

Em Bento Gonçalves, um novo segmento de alimentos orgânicos está iniciando: o de cogumelos. Com um ingrediente utilizado em pratos simples ou elaborados, o champignon livre de agrotóxicos pode ser encontrado na empresa Pôr do Sol, em Monte Belo do Sul.

Os empreendedores Jairo e Catia Manica explicam que a iniciativa surgiu baseada no interesse do comportamento das novas gerações, preocupadas com o conceito de alimentação saudável e o consumo de alimentos livres de aditivos químicos. “Buscamos iniciar um projeto sustentável e 100% orgânico, valorizando a agricultura familiar. O empreendimento nasceu para introduzir a cultura da ingestão de cogumelos na casa das famílias, a fim de que todos possam usufruir dos benefícios deste cultivo, tanto para gastronomia quanto para saúde”, relata Catia.

Produzidos de forma natural para preservar o máximo dos nutrientes, “os cogumelos são cultivados em salas climatizadas com umidade e água controladas, em camas de palha de trigo e terra esterilizada”, explica Manica.

Orgânicos auxiliam a manter vida saudável

A nutricionista Franciele Valduga afirma que os agrotóxicos são substâncias nocivas para a saúde, tanto na manipulação, como na ingestão de alimentos convencionais. “Vários agrotóxicos têm relação com desenvolvimento ou aumento do risco de diversos tipos de cânceres”, aponta.

Além disso, o alimento orgânico, segundo a profissional, tem maior densidade nutritiva, aroma e sabor mais intensos. “Há estudos que afirmam diferença positiva na biodisponibilidade de alimentos orgânicos. Também há os que não encontraram diferenças significativas em relação a quantidade de micronutrientes. Tais evidências são dependentes de variáveis que também devem ser avaliadas, como solo, tipo de sistema utilizado, armazenamento e transporte”, pensa.

Um dos sistemas que podem ser mais afetados positivamente, de acordo com Franciele, é o hormonal. “Estudos científicos associam uma alimentação orgânica com benefícios na saúde em seu contexto geral, com destaque na questão da fertilidade, pois a maioria dos pesticidas agem como disruptores endócrinos, que são substâncias químicas que interferem nos hormônios”, conclui.

Falta nos mercados

Devido à grande procura e baixa mão de obra, os pequenos produtores não dão conta da demanda e então, mercados também não conseguem o produto orgânico para revenda. O proprietário do Mercadão da Fruta, Ari Menegon, explica que essa situação dificulta a comercialização. “Às vezes tenho alguns produtos, como alcachofra, tomate cereja, tomate italiano, batata doce, alguma coisa de brócolis, mas não é sempre. Não tem muita oferta da nossa produção, por isso o preço se torna bem mais caro”, relata.

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