A experiência de perder alguém que se queria ter por perto ou de algo que se desejava preservar é sempre avassaladora. Independente das circunstâncias, a perda lança-nos abruptamente a uma dimensão de tempo e espaço desconhecidos, gerando instantaneamente sentimentos de medo, insegurança, confusão, paralisação e uma série de questionamentos permeados, às vezes, por uma revolta imensurável dirigida a qualquer coisa que possa ter sido responsável pelo vazio deixado pela vivência de uma perda.

Existem, de fato, experiências que nos fragmentam por inteiro, que parecem roubar o nosso sentido de viver, conquistado sob tamanho investimento. E arrisco-me a dizer que talvez nem seja tanto pelo ‘material’ que as compõem, mas sobretudo pelo o que elas representam na linha transversal da nossa história. Sim, pois não somos apenas consequências de tudo o que experimentamos durante o ciclo da nossa existência. As mudanças vêm para mostrar o quanto nossa ‘linha do tempo’ é atravessada pela intensidade das experiências que vivemos e o que escolhemos ser e fazer a partir deste olhar por ‘através’ das janelas da vida.

Quem, em algum momento, já não sofreu por ter sido traído, enganado? Por se sentir sozinho, não ter com quem contar? Por romper um relacionamento e perder um grande amor? Por ser menosprezado ou não reconhecido num trabalho? Por falir depois de um grandioso investimento? Por mudar-se de cidade, estado ou país e ter de abandonar referências conhecidas? Por perder, por morte, uma base segura de amparo e cuidado? Estas e outras tantas experiências que a vida nos propõe são desafios intensos, dolorosos e repletos de significado, que rompem com a homeostase dos dias e que, na dor, acabam constituindo um convite para o enfrentamento. Isso porque todo o luto é também um chamado para a evolução da vida, para o desenvolvimento de ferramentas que demonstrem o quanto cabe dentro de nós e o quanto somos capazes de suportar.

O custo de toda a dor é a consequência do mergulho profundo oferecido pelo mais sincero amor que temos por tudo aquilo que investimos. Então, amor e dor podem ser vistos como dois lados de uma mesma moeda. Controverso, mas fundamental para compreendermos que apenas nos arriscamos, porque algum dia aprendemos a amar. E, embora algumas perdas pareçam nos fazer regredir e estacionar no tempo, elas também são importantes para nos transformar, nas costuras de um novo tempo, no melhor que podemos vir a ser tanto no presente quanto no futuro, e no maior e mais verdadeiro afeto que pudemos, algum dia, oferecer, resgatando-o nos dias mais difíceis, para reconhecermos que algumas perdas são muito dolorosas… mas que também podem ensinar a ver a vida pelas janelas da sensibilidade, do valor, do respeito, da sabedoria do viver.

Franciele Sassi
Psicóloga Especialista em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto e Perdas