As pessoas que precisam de um “catalisador” para queimar a energia acumulada e diminuir a toxidade dos próprios pensamentos, trataram de buscar atividades nunca antes sonhadas, com que vão enfrentando este longo período de isolamento social. Muitas se encontraram na cozinha que, além de suprir uma necessidade, ajuda a manter a inquietude sob o controle. O problema é que, ficando em casa, a curva glútea se avoluma na mesma proporção em que a curva pandêmica se achata. O jeito é “tirar a bunda da cadeira” e buscar novas soluções, porque a coisa vai longe…

Foi o que fez um cidadão de bem. Estava ele com seu olhar de paisagem fixo no nada quando foi acordado pela buzina de um caminhão. Como não se tratava do famoso “cata-véio”, ele se aproximou, analisou e se interessou pela carga – terra preta, da boa – que ele comprou e mandou  jogar sobre o gramado em frente à sua casa. Depois de tê-la espalhado e, contrariando a lógica, ele começou a arrancar as ervas daninhas – tiririca, alho-bravo, rosetas, trevos e outras pragas. Nas lacunas que surgiam, foi plantando mudas de grama retiradas do fundo do pátio. O cara vem trabalhando nisso há sete meses e, pelo andar da carruagem, vai competir com a vacina Sputnik para ver quem obtém sucesso antes. O interessante nisso é o desenho que ele acabou fazendo no gramado, ao longo do tempo. Dia desses, olhando de cima, um par de olhos atentos estranhou o traçado:

-Por que o vô fez óculos pra grama? – me perguntou o garoto.

Achei incrível a visão lúdica do menino. Para mim aquilo mais se aproximava a duas letras maiúsculas do alfabeto. Então o autor da obra-prima disse que a imagem era do número oito, o símbolo do infinito, mas que não fora intencional. A ideia era segurar a terra em caso de chuva forte. Apenas isso.

A reflexão foi inevitável. Será que pode haver uma verdade única, se cada um de nós somos a soma de vários fatores – genéticos, biológicos, psicológicos (nossa história pessoal, experiências de vida…), ambientais (cultura, espaço físico e social…)?  Pode haver alguém que seja capaz de avaliar e julgar de forma totalmente isenta?

Diante de tudo isso, fico com a afirmação de Clarice Lispector: Ö óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”. E geralmente são as crianças que veem o rei desfilando sem roupas.