A constatação se escancara a todo o momento: o Brasil padece da síndrome do touro. Em vez de pensar com a cabeça e arremeter com o coração, faz exatamente o contrário. Querem ver? O presidente Bolsonaro ouve os impropérios contra militares em mais um vídeo de Olavo de Carvalho, insere-o em sua rede social, retira-o depois de 20 horas de exposição. Solta uma nota repudiando o libelo acusatório, mas exaltando a figura do guru dos Bolsonaros. O filho Carlos, pondo mais pólvora na fogueira, acaba compartilhando o vídeo com seus seguidores. Síndrome do touro.

As relações entre os três Poderes da República atravessam um momento crítico. De um lado, o Legislativo, com o intuito de criar um escudo em defesa de prerrogativas, sentindo-se acuado pela Corte, põe em sua agenda a tentativa de criar uma CPI da Toga, instrumento com o qual tenta pressionar os membros do Supremo. Em outra frente, um alto ministro acusa o Ministério Público de “hiperativismo”, com “procuradores usando métodos questionáveis em sua estratégia de persuasão para transformar investigados em delatores”. Sobram termos como “gentalha, cretinos, incivilizados”. Procuradores mais destemidos partem para cima de magistrados. Um deles sofre processo administrativo disciplinar aberto pelo Conselho Nacional do MP. Síndrome do Touro.

Difamação, injúria e calúnias, sob gigantesca coleção de adjetivos espetaculosos e acusações recíprocas, inflamam grupamentos que tomam posição na arena de lutas em que se transformaram as redes sociais. Os partidários do bolsonarismo digladiam com os fanáticos do lulismo, sobrando flechadas para quem se dispõe a inserir na lateral um comentário ou mesmo um esclarecimento. O clima de campanha não amainou. Cicatrizes do embate eleitoral permanecem abertas. A fogueira recebe cargas de lenha a todo instante, agigantando o apartheid social que cria um fosso entre núcleos sociais. Síndrome do Touro. Que se proclame para cima e para os lados: o momento sugere que se pense com a cabeça e arremeta com o coração. E não como faz o touro.

Gaudêncio Touquato
Jornalista e professor da USP