Mais de 20 municípios da Serra Gaúcha, cada qual a seu modo, já orientam a população a usar a proteção; nesta semana, a equipe do Semanário foi às ruas e constatou, com visitas em lojas e em pontos de ônibus, que o decreto municipal ainda não é totalmente respeitado na Capital do Vinho

Lisas, coloridas, estampadas. Cirúrgicas, de tricoline, TNT ou pano. Embora ainda possa causar estranhamento ou mesmo resistência, a cada dia que passa o número de pessoas com máscara se multiplica nas vias públicas e no comércio de boa parte das cidades da Serra Gaúcha. Isso porque a orientação de uso desse tipo de proteção tem se tornado uma das medidas públicas mais comuns de contenção do coronavírus entre os governos municipais da região.


Embora a obrigatoriedade do uso já fosse uma prática adotada em alguns municípios como Farroupilha, a estratégia passou a ser replicada por outras prefeituras, sobremodo, a partir da flexibilização dos decretos municipais, que permitiram o retorno do comércio e de outras atividades na região. A reabertura foi lograda após reunião da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) com o governador do Estado, Eduardo Leite, onde os prefeitos solicitaram a volta das atividades. Ficou acordado, então, que cada município se responsabilizaria em estabelecer suas próprias restrições.


Em levantamento do Jornal Semanário se constata que pelo menos 21 das 32 cidades representadas pela associação já orientam à população sobre o uso da proteção facial. As medidas municipais nesse sentido, no entanto, variam em rigidez. Enquanto em algumas cidades o uso é meramente recomendado, em outras, como Farroupilha e Garibaldi, elas são obrigatórias para quem sair de casa. Em meio aos dois extremos, Bento Gonçalves estabeleceu, em seu último decreto, a utilização das máscaras em locais fechados.

Flagras em Bento

De acordo com o artigo 63 do decreto número 10.506, de 16 de abril de 2020, o Município estabeleceu o “uso massivo de máscaras” no transporte compartilhado de passageiros (ônibus, táxi e transporte por aplicativo), comércio, indústrias, prestação de serviços e repartições públicas e privadas. Embora, sobretudo, nas áreas centrais seja evidente o aumento da circulação de pessoas com máscara, não é complicado encontrar locais em que a orientação ainda não é seguida pela população.

Na quarta-feira, 16, entre as 12h45 e 14h30, a reportagem do Semanário visitou 100 estabelecimentos dos bairros centrais da cidade (Centro, Cidade Alta, Humaitá, Maria Goretti e Juventude da Enologia) e constatou que em 17 deles havia clientes ou vendedores que não utilizavam máscaras. A situação, porém, foi mais impactante quando analisado o transporte público. Em nove dos 10 ônibus contabilizados, aproximadamente entre as 14h30 e 15h10, na parada da Júlio de Castilhos, foram vistos passageiros sem a proteção. Em um deles, nem o motorista a utilizava.

Ainda é comum observar passageiros sem máscaras em ônibus


Segundo o secretário municipal da Saúde, Diego Segabinazzi Siqueira, a Administração Pública tem trabalhado com uma “fiscalização forte” da Vigilância Sanitária e da Guarda Civil Municipal para dispersar aglomerações, bem como para orientar e distribuir máscaras para quem ainda não tem. “Temos muitos voluntários produzindo máscaras. Temos grupos da Educação, e mesmo no presídio, trabalhando com isso. Temos distribuído esse material, principalmente para pessoas de baixa renda”, pontua. Segundo ele, cerca 1 mil proteções são entregues diariamente. Siqueira acrescenta ainda, que boa parte dos comerciantes e da população tem respeitado o decreto, mas admite que existam exceções. “Por mais que o Poder Público faça sua parte, dependemos da população para que as pessoas tenham consciência dos riscos à sociedade que essa pandemia representa”, sublinha.


O secretário de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, Vanderlei Alves de Mesquita, por sua vez acrescenta que 30 fiscais atuam diariamente para orientar a população sobre a necessidade da máscara e também do respeito ao distanciamento, um problema observado, acima de tudo, em paradas de ônibus. “A orientação é para que todos usem a máscara. Se for motorista, notificamos a empresa, caso seja um passageiro, oferecemos a proteção e pedimos que a utilize por respeito aos outros”, diz.


Para o presidente do Sindicato dos Taxistas de Bento Gonçalves, Elmar Cainelli, entretanto, as ações são muito brandas. Segundo ele, embora o chamado “uso massivo de máscara” apontado em decreto se estenda aos passageiros de táxis e aplicativos, ainda há dificuldade de convencê-los sobre o uso. “O governo municipal deveria ser mais taxativo. Ainda tem muita gente que não quer usar e não podemos obrigar, pois a situação está tão difícil que acabamos nos expondo ao risco de pegar essa doença em função do dinheiro, pois temos famílias para sustentar”, protesta.


Gerente da Loja Pozza, Vagner Ferreira, é outro que pontua as dificuldades de convencer a clientela. Segundo ele, o cartaz fixado na vitrine solicitando ao público o uso de máscaras não foi o suficiente. Desde então, a loja passou a usar uma corrente plástica para barrar a entrada. “Passamos a exigir, quem chega sem, a gente não deixa entrar. Alguns até se irritam, mas acabam entendendo”, resume.

A Papy Toys tem entregado máscaras descartáveis aos clientes que chegam sem proteção

Medida é obrigatória nas ruas de Farroupilha e Garibaldi

Medida que pode vir a ser adotada em Caxias do Sul a partir da semana que vem, o uso obrigatório de máscaras pela população nas vias públicas, além do comércio e serviços, já ocorre nos municípios de Farroupilha e Garibaldi. Na primeira, a medida foi adotada ainda antes do encontro da Amesne com Leite. Segundo informações da assessoria, a ação “impede o contato da mão diretamente no nariz e na boca”, dificultando a contaminação. A nota afirma ainda, que a medida toma por exemplo o caso da República Tcheca, onde o controle do número de contágios é atribuído, sobretudo, ao uso de máscaras.

Parada de ônibus no Centro de Farroupilha


Como forma de conscientizar a população, o prefeito, Claiton Gonçalves, lançou, inclusive, um “concurso de máscaras”. Por meio de eleição pública no Facebook da Prefeitura, a curiosa ação premia, semanalmente, com um kit de prevenção (30 máscaras e álcool em gel), as pessoas que obtiverem mais curtidas em suas fotos usando máscaras.


Já em Garibaldi, a medida passou a valer com o decreto número 4.377 de 17 de abril. Segundo o prefeito, Antonio Cettolin, em um primeiro momento, a fiscalização tem trabalhado na conscientização, mas existe a possibilidade da aplicação da multa caso exista descumprimento. Segundo ele, a estimativa é de que 95% da população está respeitando o decretado. “Não será uma multa que vai valorizar a vida, mas existe sim uma multa para quem descumprir o decreto”, destaca.

Uso da máscara não é o suficiente


Apesar do uso da máscara estar sendo adotado como uma das alternativas dos municípios da Serra Gaúcha para conter a velocidade do contágio do coronavírus, ao passo em que reabrem o comércio e demais setores econômicos, as orientações dos principais órgãos de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), são claras ao afirmar que a medida mais segura segue sendo o isolamento social, em outras palavras, manter-se em casa.


O coordenador médico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Bento Gonçalves, Marco Antônio Ebert, assinala que, embora não existam dados concretos, o uso da proteção funciona como uma barreira que diminui as chances da transmissão e, por conseguinte, a agilidade com que o coronavírus se prolifera. “É um vírus que se transmite muito rápido, e essa proteção pode impedir que as gotículas de saliva cheguem até outra pessoa ou infectem superfícies como corrimões e maçanetas. Isso, somado ao uso frequente de sabão ou álcool em gel, pode diminuir a velocidade do contágio”, pontua.

Com distanciamento social, higienização das mãos e uso de máscaras, entendemos que a velocidade não será tão alta e permitirá acolhermos todos os casos mais críticos que vão precisar de respiradores e leitos de UTI. Pois isso representa o gargalo dos sistemas de saúde em todo o mundo: quando os casos críticos superam tua capacidade de acolhimento, os leitos de UTI não dão conta, faltam respiradores e se entra no colapso, como Itália, França e algumas cidades brasileiras, como Manaus, estão passando”, Marco Antônio Ebert