O menininho me pegou de novo de saia justa e aguarda por uma resposta convincente ao seu questionamento. Ele já não se deixa enrolar com papo furado.  

Graças a gênios da computação, posso tirar qualquer dúvida na “Bíblia” do século XXI, aquela que forma doutores a granel, espalhados por todo lugar, que nem formigas. E tudo indica que o farei com frequência, já que a curiosidade do menino aumenta à medida que ele cresce.

 Então fui averiguar a origem da cedilha, este sinalzinho que acompanha a consoante “C”. E não é que só agora, já aposentada, desacelerada, descansada, serenada e, pela primeira vez, ativa fisicamente, descubro tratar-se de um processo de encolhimento de uma letra que tinha sido amalgamada à outra?… Realmente, a cada dia, uma nova aprendizagem.

Vou contar a história, como sempre, customizada. Tudo teve início no século XI ou XII, na Espanha, com o casamento arranjado entre o “C” e o “Z”, para suprir a falta de uma letra que representasse um som sussurrado, feito um assobio ou um sibilo… Acontece que a união das duas letras baseou-se no modelo patriarcal, ou seja, uma delas – o “C” – era o chefão e ficava sempre por cima da linha.  Já ao “Z” cabia obediência, mantendo-se na parte inferior, mas sem desgrudar do mandachuva. Essa situação humilhante foi abalando a estrutura do Z, que começou a definhar…  Incapaz de reagir, a cada século, ficava menor. Lá pelos anos 1800, o “z” tinha encolhido tanto que acabou virando um rabinho do “C”.  Diante dessa situação bizarra, a Espanha resolveu declarar a expulsão, do alfabeto castelhano, das duas letras fundidas, que, então, migraram para a Língua Portuguesa e Francesa, entre outras, onde vivem até hoje sem sobressaltos.

E já me antecipando à pergunta que virá: “Por que usar o “Ç” se a dupla sertaneja “SS” pode fazer o mesmo som? Aí é uma questão de respeito para com as raízes. Assim como nós mantemos o sobrenome às vezes esquisito, engraçado ou até vulgar, a Língua Portuguesa também preserva este sinal que faz parte de sua identidade. Afinal, Língua sem memória é Língua sem História.

Mas as novas gerações de estudantes podem dar-se por satisfeitas, afinal grande parte dos sinais foi aposentada por invalidez. Inclusive o monstrinho mais simpático e útil da nossa gramática nem chegou a ser apresentado aos alunos de hoje. Ele foi condenado à morte por uma canetada presidencial em 2009. Ah, sim, o nome dele era Trema.