Dor é dor, seja dor de cotovelo ou dor no cotovelo.

Mas, em se tratando de dores físicas, cada um responde conforme sua experiência. Mulheres afirmam que não há nada que se compare às dores do parto. Já homens desmaiam ao se lembrarem do efeito de um chute nas partes íntimas. Entre os dois polos, permeiam a dor de dente, a enxaqueca, o cálculo renal, o lancinante trigêmeo (ainda bem que só tive gêmeos), que provoca dores intensas por onde passa… Até calo, quando grita e esbraveja dentro de um sapato apertado, é sofrimento puro. E há uma infinidade de outras dores, mais ou menos atrozes, que ficam à espreita para atacar as pessoas. Se não se consegue driblá-las, o jeito é administrá-las com recursos e técnicas da medicina.

É o que aconteceu com um homem que teve luxação do ombro durante uma trombada num jogo de futebol. Levado ao Pronto Socorro e após os procedimentos de praxe – avaliação clínica e radiológica – a médica plantonista lhe confidenciou que ele sofrera abdução do ombro. Ignorando o que viria pela frente, o cara até fez piada sobre alienígena, coisa e tal.

Na mesma sala, uma menininha de nem quatro anos, com a boca inchada devido a um tombo que lhe afrouxara os dentinhos da frente, cedera “voluntariamente” sua vez ao barbado, que sorria amarelo.

E então começou o espetáculo. A plantonista, supersincera, avisou:

-Vou por a articulação no lugar. Vai doer! Te prepara!

O cara arregalou os olhos. Alertada, a mãe tapou os ouvidos da filha.
-Vou contar até três! – anunciou a médica – Um, dois…
-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI! Senhor que tirai os pecados do mundo, tende piedade de mim!

Depois de uma pausa para respirar, ele esbravejou:
-PQP! A senhora me enganou, caramba!
-Vou tracionar de novo – informou a médica.

Dessa vez, além dos ouvidos, a mãe tapou os olhos da filha, mas nada conseguia abafar os urros do atleta de fim de semana, que implorava clemência a Deus e, em seguida, vomitava xingamentos.

A menininha, apavorada. A mãe, aflita. O jogador, acabado. A plantonista, decidida. Ao menos, decidida a mostrar que mulher pode botar ombro de homem no seu devido lugar. Mas aí alguém percebeu a bizarrice da situação: uma criança pequena testemunhando aquela “tortura”, justamente em local destinado a aliviar a dor.

Mãe e filha foram então conduzidas a outro espaço todo branco, com moças também de branco deslizando silenciosa e diligentemente pelo aposento, que mais parecia a antessala do paraíso…

Depois de desgrudar do pescoço da mãe e recuperar a voz, a menininha sussurrou:
– Mamãe, elas são anjos?
– Sim, querida, elas são anjos.

Esquecida da própria dor, a pequena sorriu iluminando o ambiente…

Quanto ao cara do ombro deslocado, não se ouviu mais nada. Parece que desmaiou na terceira tentativa.