Mil novecentos e vinte. Capoeiras (que recebeu este nome por causa de um violento ciclone que devastou as matas reduzindo-as num capoeirão) está em festa. Trata-se do casório mais esperado do vilarejo, com a união de um bigodudo influente e uma jovenzinha extremamente recatada, escolhida a dedo pelos pais do noivo.

O namoro foi breve e supervisionado pela austeridade familiar. Mas, a partir de hoje, ele terá o direito de desfrutar as benesses do casamento, e, ela, o dever de cumprir com as obrigações conjugais sem nunca sentir dor de cabeça.

De acordo com os costumes, os noivos irão a pé até a igreja, puxando um cortejo formado por parentes, amigos e gente com algum grau de importância na hierarquia social.

Tem início a procissão…  Penetras vão se juntando pelo caminho, mas deverão se dispersar assim que o padre receber os nubentes.  

Por esses dias, choveu na região, deixando a estrada lamacenta, o que dificulta o deslocamento do séquito. A cada passo, os tamancos e sapatos afundam mais. Já a noiva teve a brancura da barra do vestido batizada. Além disso, um vento geladíssimo a faz tiritar de frio. Ou de medo… Ou de vergonha… Acontece que o noivo, num gesto inimaginável, abraçou-a para aquecê-la. Considerando que até agora, foi um relacionamento de poucas palavras e nenhuma mão boba, a audácia dele está pesando meia tonelada nos ombros dela.

Estamos na última etapa do roteiro, a uns trezentos metros do destino. Todos estão ansiosos pelo “sim” oficial, porque depois vem o melhor da festa: a comilança na casa do noivo. Há quinze dias que as comadres batem ovos, assam pães e bolos, em meio a fofocas e piadinhas de fornicação. E o gaiteiro já está a postos com sua sanfona para o arrasta-pé que movimentará o bailão até o casal se retirar.

A procissão segue… De repente, um estrondo. O vidro de uma minúscula janela sai voando e se espatifa no chão, e uma cabeça feminina fica entalada no buraco. A primeira fileira estaca, com os detrás pisando nos calcanhares de quem está na frente, em efeito dominó. Risadas percorrem a comitiva. Quem assistiu a bizarrice da cena, se encarregará de manter viva a história através das gerações.    

“Eta povinho de merda”, dirá a “cabeçuda” décadas mais tarde a seus netos, em resposta ao questionamento deles sobre as bodas em que ela não foi convidada, em Capoeiras, hoje Nova Prata.