A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender nacionalmente os processos trabalhistas que discutem a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) sem vínculo CLT, desencadeou um intenso debate e gerou insegurança entre trabalhadores e empregadores em todo o país. A medida, que visa uniformizar o entendimento sobre a legalidade da “pejotização”, levanta questionamentos sobre o futuro dos direitos trabalhistas e o impacto nas relações de trabalho, chegando ao conhecimento e à análise do Legislativo Municipal.
Hellen Waskievicz Locatelli, advogada com atuação há 10 anos na área trabalhista e empresarial e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil de Bento Gonçalves, explica que a decisão impede qualquer avanço dos projetos em curso também. Ou seja, o trabalhador que já ingressou com o processo vai esperar mais tempo para obter a decisão, congelando também o recebimento ao FGTS, INSS e verbas rescisórias, que geralmente são atreladas a esse tipo de processo. “Para o trabalhador, isso representa insegurança e morosidade, pois ele não terá sua demanda apreciada no curto prazo. Para os advogados, exige revisão de estratégias processuais e atenção redobrada à construção de provas documentais e testemunhais, caso o julgamento traga critérios mais objetivos”, explica.

Camile De Bacco Pasquali, presidente da OAB-BG

Camile De Bacco Pasquali, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Bento Gonçalves, expressou preocupação com a decisão. “Vemos com cautela essa suspensão, por entender que muitos desses processos versam sobre situações concretas em que há, muitas vezes, disfarce de vínculo empregatício sob a roupagem de prestação de serviços por pessoa jurídica. A suspensão pode postergar a entrega da tutela jurisdicional a trabalhadores em situação de vulnerabilidade”, afirma.
A decisão do STF reacendeu o debate sobre a flexibilização das relações de trabalho e a possível fragilização dos direitos conquistados historicamente. Para Camile, há um risco de que a medida abra precedentes perigosos para práticas abusivas. “Há uma preocupação legítima de diversos setores de que esta medida possa representar um enfraquecimento dos direitos trabalhistas historicamente conquistados. O modelo celetista foi estruturado para garantir condições mínimas de dignidade ao trabalhador. A sistemática da contratação por meio de pessoa jurídica, quando utilizada com o único propósito de afastar tais garantias, configura fraude, e não pode ser naturalizada”, ressalta.
Hellen compartilha da mesma preocupação de Camile, pois a ausência de uma regulamentação clara e a judicialização em massa são sintomas de uma crise normativa sobre as formas de contratação. “Para os trabalhadores, a suspensão cria um vácuo de proteção, pois muitos podem estar trabalhando sob condições análogas à CLT sem os direitos correspondentes. Para os empregadores, a indefinição gera receio de passivos futuros: contratos de PJ válidos hoje podem ser invalidados amanhã, caso a tese do STF seja desfavorável”, explica sobre a situação.
O vereador Alcindo Gabrielli também se manifestou sobre a decisão, considerando a “pejotização” como um retrocesso e a validação de uma fraude. “É convalidar uma fraude. Como concordar que determinado empregado seja induzido a abrir uma ‘empresa’, mas a pessoa fica sob às ordens da mesma gerência, cumpre horário, recebe salário mediante trabalho habitual, ou seja, a pessoa segue cumprindo todas as regras que configuram uma relação de trabalho. Isso não representa a pessoa jurídica, muito menos, um microempreendedor individual (MEI). Flexibilizar é uma coisa e compactuar com fraudes é coisa totalmente distinta”, enfatiza.
Em Bento Gonçalves, onde setores como tecnologia, construção civil e prestação de serviços apresentam alta informalidade e terceirização, a suspensão gera incertezas. “Para os trabalhadores de Bento Gonçalves, especialmente em setores marcados por elevada rotatividade e terceirização, como construção civil, tecnologia da informação e serviços em geral, a suspensão gera insegurança. Muitos aguardavam decisões judiciais para reconhecimento de vínculos formais, e agora veem suas ações paralisadas por tempo indeterminado, o que pode representar um agravamento de sua instabilidade econômica”, explica Camile.

Hellen Waskievicz Locatelli, Conselheira da OAB-BG

Hellen explica que para atender a requisição de reconhecimento de vínculo CLT, o juiz do trabalho aplica os requisitos clássicos previstos no artigo 3º da CLT, e que versam sobre a pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. “Quando, por exemplo, o profissional está inserido na estrutura da empresa, cumpre jornada, recebe ordens e não possui autonomia, a contratação de PJ caracteriza-se fraude. Uma contratação legítima de PJ, por outro lado, pressupõe autonomia técnica, ausência de subordinação e liberdade na gestão da própria atividade”, ressalta.
A segurança jurídica no meio trabalhista também é afetada pela decisão. “Sem dúvida, a suspensão afeta a segurança jurídica no meio trabalhista. Ao retirar das instâncias ordinárias a competência para julgamento de demandas já ajuizadas, cria-se uma lacuna interpretativa que repercute negativamente tanto sobre trabalhadores quanto sobre empregadores, que deixam de saber com clareza os limites legais de suas condutas”, pondera Camile.

Vereador Alcindo Gabrielli

Gabrielli compartilha dessa preocupação, alertando para o cenário de insegurança jurídica que a decisão pode causar. “Certamente a decisão do referido Ministro causa um cenário de insegurança jurídica que não é bom para o desenvolvimento social e econômico. A utilização de contratos laborais mascarados de MEI e PJ tem causado inúmeros processos trabalhistas, déficit na Previdência Social e séria ameaça à proteção social. Se a ‘pejotização’ for chancelada pela maioria do STF, tal decisão representará a precarização do trabalho”, alerta.
Camile também questiona a compatibilidade da decisão com os princípios constitucionais do trabalho e da dignidade da pessoa humana. “A decisão precisa ser analisada sob a luz dos princípios constitucionais que regem o Direito do Trabalho, sobretudo o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana. Entendemos que o Judiciário deve atuar como guardião desses valores e não como instrumento de sua suspensão. A morosidade ou paralisação de causas que tratam da essência da proteção trabalhista pode comprometer tais princípios”, afirma.
Outro ponto levantado por Hellen é a possibilidade do congresso se ver pressionado a modernizar a CLT ou criar um regime híbrido entre autônomo e empregado. “STF, ao se posicionar sobre o tema, criará um parâmetro vinculante que o legislador dificilmente ignorará. A depender da tese, pode haver impulso para uma regulamentação mais clara sobre o trabalho por projeto, remoto, intermitente ou autônomo. A jurisprudência tende a ser catalisadora de reformas legais, como ocorreu com a terceirização e o trabalho remoto”, afirma.
A OAB de Bento Gonçalves acompanha de perto a evolução desse cenário e se coloca à disposição para o diálogo institucional, visando fomentar contratações regulares e juridicamente seguras.
Hellen orienta que quem deseja entrar com algum processo deve organizar a documentação que comprove o vínculo empregatício de fato. “E-mails com ordens, controle de ponto, recibos mensais de valor fixo, testemunhas, etc. Recomenda-se não romper contratos sem respaldo jurídico, pois a jurisprudência futura pode reconhecer o vínculo retroativamente. Além disso, é possível avaliar ações paralelas com base em outras violações (como doenças ocupacionais, verbas não pagas, etc.), sem pleitear o vínculo diretamente, enquanto aguarda-se a decisão do STF”, orienta.