Quando eu tinha lá meus 10 anos de idade, meu pai me presenteou com estudo no Colégio Marista. Mas, para vir do Barracão ao Colégio eu tinha que ficar na beira da estrada empoeirada e conseguir carona. Vez por outra eu pegava ônibus com dinheirinho de minha mãe. O ônibus que fazia transporte Bento-Pinto Bandeira era de propriedade dos Irmãos Nichetti, “gente finíssima”, como costumam dizer os jovens. Eu entrava no ônibus e, vez por outra, o Nichetti disparava “poereto”, quer dizer, pobrezinho. E lá ia eu com meu uniforme de segunda mão, mangas mais curtas, fivela caída, tudo era de segunda mão. Quando eu ia de carona, sempre de caminhão, antes de entrar na sala de aula eu “cuspia um tijolo”. Na sala de aula eu ficava com as mãos embaixo do banco, de vergonha das mangas curtas, o Marista pensava que eu estava fazendo arte (bolinhas de papel para atitar nos colegas) e lá vinha reguada (apanhar de régua). Para voltar para casa eu ia na rodoviária (ali na praça do Apolão), me postava na entrada do ônibus , olhava para o Nichetti, com ar de apenado e peixe morto, e dizia, sem falar: “estou sem dinheiro, me dá carona?”. E ele, sensível, dizia “sobe ai guri”, minha felicidade era plena, eu viajava de ônibus gratuitamente e ao lado do motorista. Em pouco tempo virei auxiliar de motorista em troca dos “serviços” viajava de graça. É claro que ele fazia a gentileza muito mais por ser amigo do meu pai. Essa narrativa não é ficção, os Nichetti ainda estão ai para confirmar. Depois fui trabalhar na Isabela, meu primeiro emprego, cuja vivência lá é um capitulo a parte que vou pular. Da Isabela fui trabalhar lá na Irmãos Luchese, empresa próspera que fabricava implementos agrícolas. A empresa gerava muitos empregos. Neste período nós já morávamos na cidade, a carona, na beira da estrada, era para o almoço e ida para casa no fim da tarde. Mais caronas, com caminhões e ônibus, para ir trabalhar, até o dia em que meu pai me emprestou o carro para trabalhar, fim do problema.

A CARONA II

Assimilei bem, com sofrimento e resignação, a importância da carona na vida de uma pessoa. Em plena FIMMA eu tirei um tempo para ir até a praia recolher as “tralhas”. Acordei às cinco e, quando eu estava contornando a praça do Apolão vi um jovem que estava arrastando uma mala (de rodinhas) pela rua e havia feito um “pit stop” para pedir informações. Eu logo saquei, ele quer saber onde fica a rodoviária. Parei o carro, abri o vidro e disse “sobe ai que eu te levo, põe a mala no assento traseiro”. Dito e feito. No trajeto até a rodoviária, perguntei: para onde vais, quem és, o que fazes, de que te alimentas (profissão)? Ele disse, vim ver a FIMMA, vou para a rodoviária, de ônibus até Porto Alegre, e, da rodoviária de lá, de Trensurb até o aeroporto e, de avião, até São Paulo. E de São Paulo até minha cidade, no interior lá perto de São Roque (não lembro que cidade). Era uma maratona cívica. Tens uma escolha eu disse: vai de ônibus ou vai comigo te deixo lá perto do Aeroporto. Ele vacilou, estava chegando na rodoviária e lasquei: “te decide rapaz, tem que tomar uma decisão, a vida é cheia de decisões, certas ou erradas tem que tomar”. ‘Tá, eu vou de carona”, disse ele. E fomos. Na viagem, falamos da FIMMA, a empresa que ele representava no interior de São Paulo estava expondo, se queixava do pouco movimento da Feira, ele entende que a empresa não vai mais expor. De Bento ele sabia tudo, tudo mesmo e, do Esportivo, mais ainda, mesmo eu tendo presidido o Clube por três anos ele sabia mais de Esportivo do que eu. Tudo pelas palavras do amigo Aristeu Romagna. Daí a pouco começamos a falar do Inter e, ao ouvir as minhas queixas, ele disparou: aquele lateral direito Léo não joga nada, jogou lá pelo interior de São Paulo, não jogava nada, não entendo como um time da grandeza do Inter contratou um jogador tão limitado. Casou com minha opinião, até sobre o Inter ele sabia mais do que eu, essa é uma das grandes vantagens de ser representante comercial, eles vão a tudo que é lugar e ficam sabendo de tudo, assim como eu ficava sabendo muitas coisas sentado no ônibus ao lado dos Nichetti. Deixei o rapaz no terminal de embarque do aeroporto, ele não sabia o que dizer e o que fazer para me agradecer, tudo havia sido feito em nome da cordialidade de Bento ressaltada por ele como “uma das únicas vantagens desta feira estar sendo feita aqui, está muito longe de São Paulo”, disse. Quando cheguei em Xangri-lá, me questionei, ué, eu passei pela FreeWay? É que na minha mente passou de tudo, o Aparecida, os Nichetti, o Esportivo, o Inter, a FIMMA, Bento. Moral desta história: dê uma carona a quem precisa, você vai fazer o bem, até aliviar o sofrimento passado, se passou por isso; saber muitas coisas; conquistar amigos; quem tem boca, ou arrasta uma mala pela rua, pode ir a Roma, desde que aceite o sacrifício, pela vontade de ir a Roma. Mas cuidado, ao fazê-lo, você poderá não estar sendo filmado, mas poderá estar sendo assaltado.