Ontem fui ao aniversário do filho de um dos meus melhores amigos. O moleque completou cinco anos de vida. O assunto que quero dividir com você é outro e talvez minha história lembre a sua própria história.

Fiquei de olho nos presentes que o menino ganhava. E para a minha surpresa caiu de tudo no Salão de Festas: Helicóptero Pelicano com rádio controle de 3 canais, binóculo com luz Spy Gear, Acqua Boat, Pintando com Cocoricó, multi-herói Ben 10, bonecos em forma de esfera, brinquedos monte e desmonte, miniaturas de carros, bonecos com cartões magnéticos, joguinhos eletrônicos.

Tinha tudo em meio ao montão de presentes, menos uma mísera bola.

Agora me diga, sinceramente, como um menino pode crescer sem os benefícios provocados por uma bola? Além de estimular a atividade física, a bola tem um poder fantástico no inconsciente infantil, reforçando, entre outras coisas, a auto-confiança.

No meu aniversário de cinco anos ganhei apenas um presente e esse presente foi justamente uma bola de borracha tão dura que desafiava a integridade de dedões acostumados a achar pedras no escuro.

Foi no meio da rua perto de casa que estreei minha bola nova de borracha.

No meu tempo jogávamos uma “pelada” em tudo que era canto. No meio da rua, num terreno baldio, nos corredores da escola, nos ruelas da praça. Bastava juntar mais de 5 ou mais meninos. A escalação dos times era na base do par ou ímpar. E os times eram sempre “os de camisa” contra os “sem camisa”. As goleiras eram definidas com pedaços de pau, paralelepípedos, tijolos, montinhos de camisas ou as tradicionais havaianas.

Gritaria e correria dos diabos. Suor escorrendo à canecadas pelas calhas de nos nossos rostos vermelhos de tomate maduro. Todos atacavam e todos defendiam.

A “pelada” tinha algumas regras, mas não eram de acordo como manda a FIFA. Valia puxar pelo calção, dar rasteira, empurrão e cotovelada. Não valia sair no meio do jogo para tomar água e mão na bola.

Tinha os que reclamavam o tempo todo: “Foi falta”; “Passou por fora”; “Foi pênalti”. Tinha os pernas-de-pau que apanhavam da bola. Tinha os “engomadinhos” que não cabeceavam nem nada para não desarrumar o cabelo. Tinha, inclusive, os craques que driblavam e “rebolavam”, humilhando os adversários.

Minha bola de borracha no centro daquela ferveção.

Maltratada, a redonda tentava escapar dos nossos “bicos”, quicando aqui, pulando ali, se escondendo nas bocas de lobo ou atrás de muros altos.

De vez em quando, sobrava para uma ou outra canela desprotegida. Dois ou três ais e a dor ia embora. De repente, o goleiro Montanha deu um chutão, a bola subiu e subiu para cair no jardim de uma casa ali perto.

Instantes depois, saiu pelo portão da casa um homem com a bola fujona em uma das mãos e um canivete na outra. A lâmina brilhava ao sol. Sem dó e nem piedade, o homem deu uma estocada.

A bola sangrou, barbaramente assassinada.

Caímos no choro copioso e sentido. Com o canivete ainda aberto, o homem chegou disse cheio de razão: “Vocês estavam precisando levar uma lição para aprender a não incomodar os vizinhos”.

Fiz um movimento afirmativo com a cabeça e murchei. Eu não tinha coragem para responder o que quer que fosse.