Masato Kobiyama, especialista na área, indica que situação pode se agravar ao longo dos anos e indica que a oferta de mecanismos de informação à população pode salvar vidas em episódios como os registrados no início de maio

Desastres ambientais têm assolado a Serra Gaúcha e os Vales recentemente, levantando questionamentos sobre suas causas e possíveis desdobramentos futuros. Diante do cenário observado nos últimos meses, surge a indagação: quais tipos de eventos extremos podemos esperar no Rio Grande do Sul, especialmente nestas regiões e seus arredores? A possibilidade de deslizamentos se tornarem mais frequentes é uma preocupação latente. A vulnerabilidade das populações em áreas de risco levanta a necessidade de repensar políticas públicas de prevenção, considerando a percepção do perigo pelos próprios afetados e suas consequências para a remoção dessas populações.

À luz desses desafios, é importante refletir sobre os possíveis “principais erros” que trouxeram a este ponto o Rio Grande do Sul e quais medidas são essenciais para prevenir futuros desastres naturais na Serra e regiões próximas. Nesta reportagem especial, o Jornal Semanário busca entender melhor essas questões através da perspectiva do professor Masato Kobiyama, renomado especialista em desastres naturais e membro da Global Alliance of Disaster Research Institutes, trazendo sua vasta experiência e conhecimento para o debate sobre como enfrentar esse desafio crescente.

Segundo Kobiyama, os recentes desastres ambientais têm sido desencadeados principalmente pela chuva. No entanto, ele aponta dois fatores cruciais, a intensidade e a quantidade total de precipitação. “O pior desastre pode ser causado com a combinação de alta intensidade e elevada quantidade de chuva. Esse exemplo pode ser a atual tragédia que a Serra Gaúcha e a região dos Vales enfrentaram”, explica.
De acordo com o especialista, esses eventos extremos hidrológicos podem ser gerados frequentemente por causa das mudanças climáticas. Para ele, essa tendência é particularmente pronunciada em áreas montanhosas, como as existentes nas duas regiões afetadas pelos eventos de setembro e novembro de 2023 e maio deste ano, onde as características geográficas favorecem a intensificação dos impactos das alterações do clima. “Muitos pesquisadores dizem que as mudanças climáticas vêm tornando-se mais nítidas nas áreas montanhosas. Então, como a Serra Gaúcha e a região dos Vales possuem o ambiente montanhoso, sua característica geográfica favorece essa intensificação das mudanças climáticas”, revela.

Fenômenos devem continuar acontecendo

Para Kobiyama, a realidade atual indica que os desafios enfrentados pela região devem persistir com mais deslizamentos de encostas e inundações repentinas ao longo das margens dos rios. “Como estamos observando ou sendo afetados atualmente, a Serra no Rio Grande do Sul vai, certamente, continuar daqui pela frente (ser afetada). Comparados com inundações graduais que ocorrem em Porto Alegre, Pelotas, e Rio Grande, os fenômenos que as comunidades vão sofrer serão muito mais violentos e devastadores. Os fenômenos críticos que essas regiões possuem são características do ambiente montanhoso que oferece muita beleza natural. Por isso, eu sempre digo: quanto mais bonita a região, mais perigosa”, afirma.

Preocupação em salvar vidas

Na visão do pesquisador, a partir de agora, autoridades devem prever uma gestão de risco e desastres que vise à prevenção de mortes e danos estruturais decorrentes de deslizamentos, com medidas que abrangem diferentes prazos. Observar a cor da água subterrânea, áreas encharcadas, rachaduras e movimentação do solo e das árvores são sinais importantes. “Quando a cor dessa água for transparente, está razoavelmente segura. Mas quando a cor é marrom, a movimentação da terra está ativa, o que necessita a evacuação imediata da população local”, indica.

Ausência de núcleos para monitoramento

Kobiyama aponta ainda a falta de políticas públicas e a criação de núcleos para monitorar problemas estruturais, quando se fala em desastres naturais. O pesquisador afirma que quase nenhuma prefeitura na Serra Gaúcha e na região dos Vales tem uma Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COMPDEC) efetiva e ativa idealmente. “Essa ausência deve ser o principal erro”, indica.

O pesquisador relata ainda que o governo do RS deveria ter buscado mais apoios técnico e científico da comunidade acadêmica, como universidades. “Durante a pandemia, a população mundial aprendeu que devemos tomar decisão com base nos conhecimentos científicos. Assim sendo, um dos principais erros no RS foi uma fraca conexão entre o setor de Proteção e Defesa Civil e a comunidade acadêmica gaúcha”, aponta.

Kobiyama destaca que, embora medidas estruturais sejam importantes para evitar desastres naturais, é crucial considerar o “paradoxo do desenvolvimento seguro”. Ele exemplifica o efeito de barragens de contenção de sedimentos, onde a construção de grandes estruturas pode levar à concentração de população nas áreas próximas, aumentando os riscos em caso de ruptura. “Se construir uma gigante barragem, a população vai estabelecer um grande bairro à jusante da barragem. Quando ocorre um rompimento, o desastre ficará bem maior do que antigamente sem a estrutura”, pontua.

Ele enfatiza que o conhecimento de cada cidadão sobre os riscos naturais é fundamental. Ele defende o fortalecimento da educação para a Gestão de Riscos e Desastres (GRD), permitindo que as pessoas compreendam melhor os fenômenos naturais e possam tomar medidas preventivas adequadas. “Eu pessoalmente acredito que o fator mais importante é o conhecimento de cada cidadão. Cada morador terá que ter boa noção de chuva, de dinâmica de água em encosta, de movimentação de terra e de árvores, do efeito de diversas obras sobre estabilidade e instabilidade de encosta, entre outros. Para ter esses conhecimentos, é necessário fortalecer a educação para a GRD”, finaliza Kobiyama.

Entrevista

  • Desastres ambientais se tornaram um fenômeno recorrente nos últimos tempos na Serra Gaúcha e na região dos Vales. O que pode estar provocando isso?

O que vem causando recentes desastres ambientais provocados pelos fenômenos naturais nos últimos tempos na Serra Gaúcha e na região dos Vales é, sem dúvida alguma, a chuva. Nesse caso, existem dois aspectos: intensidade e quantidade total. Esses desastres podem ocorrer somente com um evento de chuva extremamente intensa. Por exemplo, desastre ocorrido no litoral norte paulista em fevereiro de 2023, teve 682 mm por 24 horas. Também esses desastres ocorrem com o elevado acúmulo de chuva, por exemplo desastre na Região Metropolitana de Recife em maio/junho de 2022, com 926,4 mm por 22 dias. O pior desastre pode ser causado com a combinação de alta intensidade e elevada quantidade de chuva. Esse exemplo pode ser a atual tragédia que a Serra Gaúcha e a região dos Vales estão enfrentando.

Esses eventos extremos hidrológicos podem ser gerados frequentemente por causa das mudanças climáticas. Uma das principais características das mudanças climáticas é as heterogeneidades (ou variabilidades) espacial e temporal de regime pluviométrico. Em outras palavras, quando chove, chove muito enquanto quando parar de chover, não chove por muito tempo. Além disso, as áreas de chuva intensa se concentram em uma determinada região. Então, nessa vez, está chovendo quase que somente no estado de Rio Grande do Sul.

Muitos pesquisadores dizem que as mudanças climáticas vêm tornando-se mais nítidas nas áreas montanhosas. Então, como a Serra Gaúcha e a região dos Vales possuem o ambiente montanhoso, sua característica geográfica favorece essa intensificação das mudanças climáticas.

  • Com base no que estamos vendo ao longo dos últimos meses, quais tipos de eventos extremos devemos ter no Rio Grande do Sul, em especial na Serra e arredores daqui pela frente? Deslizamentos serão mais frequentes?

Como estamos observando ou sendo afetados atualmente, a serra no Rio Grande do Sul vai certamente continuar daqui pela frente. Ou seja, na Serra Gaúcha e na região dos Vales, as comunidades vão sofrer deslizamentos em encostas e inundação brusca (enxurrada) na beira dos rios. Comparados com inundações graduais que ocorrem em Porto Alegre, Pelotas, e Rio Grande, os fenômenos que as comunidades na Serra Gaúcha e a região dos Vales vão sofrer são muito mais violentos e devastadores. Os fenômenos devastadores que essas regiões possuem são características do ambiente montanhoso que oferece muita beleza natural. Por isso, eu sempre digo: “Quanto mais bonita a região, mais perigosa.” A população deve compreender que o ambiente montanhoso nos oferece a beleza natural e também perigo natural.

  • Caso os deslizamentos sejam mais frequentes, o que é necessário ser feito a curto, médio e longo prazo para evitar novas mortes e outros problemas estruturais nas cidades?

A meta principal da gestão de risco e de desastres (GRD) é a morte humana ZERO. Com base nessa meta, precisamos pensar as medidas a curto, médio e longo prazo, contra deslizamentos.

No caso do curtíssimo prazo, isto é, nesse momento atual quando a população está enfrentando hoje, devemos fazer o monitoramento em encosta. Entre os itens importantes a serem monitorados, são fundamentais: (i) a cor da água subterrânea que aflora da terra especialmente na base da camada de movimentação (quando a cor dessa água seja transparente, está razoavelmente segura. Mas quando a cor esteja marrom, a movimentação da terra está ativa, o que necessita a evacuação imediata da população local); (ii) surgimento de áreas enxaguadas (como o deslizamento ocorre com o excesso de água, o surgimento implica a possível iniciação de deslizamento); (iii) presença das rachadura (especialmente na região das cabeceiras do deslizamento começa a aparecer a rachadura); e (iv) movimentação da terra e de árvores (a movimentação da terra gera um degrau (ou rejeito), então pode medir esse deslocamento. A inclinação ou queda de árvores também pode ser uma boa indicação de movimentação da terra). Com esses monitoramentos simples, a população em si pode e deve decidir a evacuação imediata ou não.

No curto prazo, é necessário realizar uma drenagem de água subterrânea de excesso.

No médio prazo, a sociedade deve procurar medidas estruturais e não estruturais mais adequadas para cada região. No caso das medidas não estruturais, cada prefeitura precisa realizar o mapeamento de áreas de risco, como a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) menciona. Esse mapeamento precisa conter o alcance das massas movimentadas. Muitos mapas de áreas susceptíveis a deslizamentos demonstram somente os locais de iniciação de deslizamento, não as áreas de deposições dos sedimentos onde a maior morte humana ocorre. O sistema de alerta deve ser bem estabelecido também. Nesse caso, a conexão a partir do órgão que emite alerta até os moradores locais deve ser cuidadosamente construída. Hoje em dia, é comum buscar um procedimento baseado com o uso de celular ou SMS, mas no caso da mega desastre, as comunicações com celular nem sempre funcionam. Portanto, deve procurar alternativas de comunicação no sistema de alerta, sem uso de celular.

No caso de medidas estruturais, dependendo da situação, será necessário implementar sistema de drenagem, barragem de contenção de sedimentos, fixação da tarde, especialmente sua base, entre outros. No caso de medidas contra o fluxo de detritos, a construção de açudes (ou tanques de peixes) entre a casa e a encosta pode ser eficiente estrutura, já que essa estrutura salvou uma família na região Serrinha no município de Colinas.

No caso do longo prazo, eu gostaria de enfatizar a importância da educação. A educação adequada para cada cidadão no ensino formal e informal é essencial na GRD. Tanto cidadão comum quanto técnico especializado para a GRD necessitam conhecimentos empíricos, científicos e técnicos (práticos).

  • A vulnerabilidade das pessoas que vivem em áreas consideradas de risco envolve o problema da prevenção. Os formuladores de políticas públicas deveriam levar em conta a percepção do perigo pelas próprias pessoas afetadas? Quais as consequências disso para a remoção de populações em áreas de risco que sofrem com enchentes e deslizamentos, fenômenos comuns em nossa região?

Na Serra Gaúcha e a região dos Vales, a população tem que entender a elevadíssima violência dos fenômenos naturais tais como deslizamentos e enxurrada (ou inundação brusca). Diferente da inundação gradual que a população de Porto Alegre sofre, a enxurrada (outro tipo de inundação) é muito rápida e repentina. No caso do deslizamento, pode ser rápida e às vezes imprevista devido ao fluxo de água subterrânea, o qual não é fácil ser observado. Em outras palavras, a ocorrência desses fenômenos é dificilmente prevista. Então, ainda mais é necessário que cada cidadão precisa ter percepção e que a pequena comunidade local precisa atuar como o grupo local com forte laço e solidariedade.

Para obter boa gestão das ações de proteção e de defesa civil, cada município obrigatoriamente deve ter a Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COMPDEC). Essa COMPDEC deve criar em cada comunidade em área de risco, a qual é normalmente altamente vulnerável, o Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil (NUPDEC). Ele consiste somente em cidadãos que realizam trabalho voluntário e solidário, e executam as ações preventivas em áreas de risco e também ações imediatas nas situações emergenciais. A qualidade das ações do NUPDEC certamente pode definir o grau de um desastre.

Então, os formuladores políticos realmente precisam trabalhar no sentido de verdadeira formação dos NUPDECs nas áreas de risco de deslizamentos e enxurradas.

  • Na sua opinião, quais foram os “principais erros” para deixar que a situação chegasse nesse ponto aqui no RS?

A comunidade que sabe mais problemas locais é a própria comunidade local. Então, essa comunidade deveria ter o NUPDEC. Para criar o NUPDEC, é necessário ter uma ativa COMPDEC. Infelizmente, quase nenhuma prefeitura na Serra Gaúcha e na região dos Vales está tendo uma COMPDEC efetiva e ativa idealmente. Essa ausência do NUPDEC e COMPDEC deve ser o principal erro.

Como acima mencionado, o excesso de água oriunda de chuva está causando esses desastres associados a deslizamentos e enxurradas na Serra Gaúcha e a região dos Vales. Isso indica que a gestão de recursos hídricos pode ser essencial para a GRD. Como a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) menciona, a bacia hidrográfica é a unidade ideal para a gestão de recursos hídricos. Isso implicitamente explica que a bacia pode ser a unidade ideal também para a GRD. O governo do RS define cerca de 25 bacias hidrográficas e seus comitês, por exemplo Comitê de Taquari-Antas, Comitê Caí, e Comitê Sinos. Embora cada comitê deveria atuar na gestão de recursos hídricos mais efetivamente, sua atuação está bem longe da qualidade desejada. Então, podemos dizer que a ausência da atuação do Comitê de bacia hidrográfica é um dos principais erros no RS.

Eu era da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Quando trabalhava na UFSC, eu observava que as comunidades acadêmicas estavam sempre procuradas pelo governo estadual, e ainda hoje eu vejo isso no estado de Santa Catarina. Agora eu estou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Talvez por isso, ainda mais sinto que o governo do RS deveria ter buscado mais apoios técnico e científico da comunidade acadêmica como universidades. Durante a pandemia, a população mundial aprendeu que devemos tomar decisão com base nos conhecimentos científicos. Assim sendo, um dos principais erros no RS foi uma fraca conexão entre o setor de Proteção e Defesa Civil e a comunidade acadêmica gaúcha.

  • Quais medidas são essenciais para evitar desastres naturais na Serra e regiões próximas daqui para frente?

A maioria da população deseja que o governo realizará muitas medidas estruturais para evitar os desastres associados a deslizamentos e enxurradas na Serra Gaúcha e a região dos Vales. Eu não nego a importância das medidas estruturais. Mas nós devemos nos lembrar do conceito de “paradoxo do desenvolvimento seguro”. Esse conceito ensina e alerta a população: Paradoxalmente, a redução de risco por meio do aumento da medida estrutural contra desastres pode levar a um aumento da exposição e vulnerabilidade. Posteriormente, se ocorrer uma tragédia, as suas consequências serão mais graves do que seriam sem medidas estruturais. Um bom exemplo seria efeito de barragem de contensão de sedimentos. Se construir uma gigante barragem, a população vai estabelecer um grande bairro à jusante da barragem. Quando ocorre um rompimento de barragem, a desastre ficará bem maior do que antigamente sem barragem. Este paradoxo pode ser evitado caso a população tenha bom conhecimento.

Portanto, eu pessoalmente acredito que o fator mais importante é conhecimento de cada cidadão.

Cada cidadão terá que ter boa noção de chuva, de dinâmica de água em encosta, de movimentação de terra e de árvores, do efeito de diversas obras sobre estabilidade e instabilidade de encosta, entre outros. Para ter esses conhecimentos, é necessário fortalecer a educação para a GRD.