Inevitável a comparação. Bisneta de imigrantes italianos, fiz uma tranquila viagem aérea de onze horas para conhecer a Itália dos meus bisavós e me fartar de sua imensa e longa história cravejada de ouro, prata, bronze, mármore, gesso, pedra… com as quais foi erguida, entre outras, a igreja de São Pedro. Já meus bisavós penaram quase quarenta dias numa dolorosa viagem marítima a um país praticamente sem história, deixando para trás pompa, riqueza, arquitetura, arte… que eles jamais tiveram a chance de conhecer. Ironia do destino.

Então, fico imaginando, de um jeito bem pessoal, a saga dos nossos imigrantes que, à margem da sociedade, se lançaram – ou foram lançados – numa desventura de “macchina e vapore”…

Mar revolto. Balanço incômodo. Hálito bilioso.

Porão fétido. Vômitos, fezes e ratos.

Comida racionada, água contaminada.

Dores físicas e morais. Choros agudos e lágrimas
contidas.

Os dias se arrastavam escuros. Meus bisavós e seus filhos pequenos só vislumbravam uma nesga de luz através de uma abertura no teto, quando homens rudes lhes jogavam algum alimento e conferiam as baixas para desovar os corpos no mar.

E ela, a dama de preto armada de foice vigiava: sempre havia mais uma vida para roubar. Era paciente, ia se aproximando aos poucos da prole dos meus bisas… Até que, numa manhã, ou tarde, ou noite – não havia como saber – tomou um de seus filhos, o menor, o mais frágil, o mais amado e calou seu choro.

Quanto sofrimento! A pobre mulher, agarrada ao pequeno fardo, tentou evitar o inevitável. Mas ninguém enganava os mensageiros da morte, e seu menino foi arrancado de seus braços e jogado às ondas…

Só a fé os manteve vivos. O Cristo que nunca habitou os altares das magníficas catedrais, este Cristo avesso à ostentação e poder amparou meus bisavós e os bisavós de tantas outras pessoas.

Depois, a chegada. Alívio? De jeito nenhum! Não havia maná caindo dos céus, nem se colhiam queijos das árvores. Os montes não estavam cobertos de ouro, nem de vinhas, mas de mata fechada. O perigo à espreita. Nada do que a igreja anunciara e os governos prometeram se concretizou. Era só desolação e desespero e solidão. E trabalho e suor e dor. E fé!

Décadas se passaram… Nossos bisavós construíram a ferro e fogo o desenvolvimento, que foi crescendo com o suor das gerações que os sucederam. Agora, está sendo a nossa vez de darmos continuidade à história, mas convenhamos: é fácil a gente deitar na cama quando outros a fizeram.