Do assalto e tráfico de drogas para a limpeza das ruas, apenados idealizam nova vida após cumprirem suas penas

A vegetação arrancada na beirada da rua e o barulho da enxada no chão indicam que trabalhadores estão fazendo o extenuante trabalho de limpeza urbana. Gradativamente, o verde que insiste em crescer no meio dos paralelepídos vai sumindo. Devagar, para um grupo de 10 presidiários, ele é substituído pela esperança de reduzir o tempo de cadeia e de construir uma realidade distante do crime.
Esses trabalhadores fazem parte de um convênio da Prefeitura com o Governo do Rio Grande do Sul, que permite utilizar mão de obra dos apenados do regime semi-aberto, do Presídio Estadual de Bento Gonçalves, para serviços municipais. A cada ano trabalhado, eles têm a pena reduzida em quatro meses.
Alexandre Alves, 36 anos, cumpre um ano e meio por interceptação. Ele conta que comprou um carro roubado sem saber e parou na cadeia. “Agora me colocaram tornozeleira para trabalhar na rua, se não eu teria que cumprir todo o tempo em regime fechado”, relata.
Após sete meses encarcerado, o preso deixou o presídio pela primeira vez na quarta-feira, 1º de julho. Para ele, as celas e a comida são insuportáveis e precárias. “É horrível. O cara passa fome e necessidade. Cada preso não gasta R$ 20 reais por mês lá dentro, comendo arroz cru e feijão azedo todo dia”, reclama. Alves afirma que em uma cela comum, para 20, há cerca 40 presidiários.
O preso ainda conta que estava com uma carta de emprego para outro lugar, mas que a chance para conseguir a vaga seria pequena. “Aqui pelo menos eu vou receber alguma coisa, vou ajudar minha familia, meu filho. Hoje estou livre, nao estou lá preso”, comemora.
Já Vinicius Aguiar, de 23 anos, cumpre seis anos e oito meses por assalto. Ele entende que as atividades ajudam no processo de ressocialização, porque assim precisa respeitar regras e horários. “O cara vem se reabilitando à sociedade, porque lá dentro nao é lugar para ninguém, é tempo perdido”, ressalta.
Segundo ele, a situação no presídio é muito difícil e faltam palavras para descrever, por isso, considera o trabalho uma ótima oportunidade. “É muito dificil explicar, só quem está lá dentro para saber. É onde o filho chora e a mãe não vê”, descreve.

“O crime não compensa em nada”

Alguns presos que participam do programa estão cumprindo penas mais longas. Um bom exemplo é o caso de Claudiomiro Rodrigues, 46 anos, que pegou 21 anos por tráfico de drogas. Ele ficou oito anos encarcerado antes de sair pela primeira vez, há 35 dias. “Para mim é uma experiência nova, porque a gente faz os delitos, a gente erra e então tudo tem um começo novamente. É melhor estar aqui do que lá dentro, porque lá dentro tem superlotação”, pensa.
O objetivo de Rodrigues é seguir com os estudos e o trabalho e buscar oportunidade em um concurso público. No momento, ele quer fazer um curso que auxilie nos estudos. “Eles me ligaram e me arrumaram esse emprego. Isso me ajuda muito”, ressalta.
No tempo em que está privado de liberdade, Rodrigues conta que se arrependeu de ter entrado para o crime e que precisa de uma chance para se regenerar. “Eu vi que só perdi, mesmo varrendo uma rua a gente tem um começo por aqui, para chegar a um lugar acessível mais tarde”, afirma.

A vida dentro do presídio

No relato do ex-traficante, as dificuldades de estar encarcerado ultrapassam as grades do presídio. Ele comenta que muitos problemas internos acabam refletindo na sua família. “Foi muito difícil para eles”, conta. De acordo com Rodrigues, em celas com 15 camas, em situações normais têm 40 presos.
Segundo ele, as relações dentro do presídio se sustentam em regras, na medida que existe a possibilidade de reduzir a pena com trabalho e estudo. Contudo, entre os presidiários, predomina um sentimento de individualismo. “Lá dentro é cada um por si. Agora está tendo problemas com facções, está causando atrito entre os presos, mas acredito que vai ser amenizado logo”, revela.

Os detentos relatam as dificuldades enfrentadas no presídio. Foto: Lucas Araldi

Na sua avaliação, todo tempo que passa encarcerado é perdido, porque não ajuda na reabilitação e nem em construir outra realidade fora do crime, futuramente. “Nós ganhamos só aqui fora. Então a gente faz o esforço máximo para sair o mais rápido possível. Queira ou não queira a gente errou, foi condenado, tem que cumprir a pena”, avalia.
O coordenador da equipe pela Prefeitura de Bento Gonçalves, Clóvis Tomazelli, afirma que nesses três primeiros meses de trabalho não teve qualquer dificuldade de insubordinação ou desobediência dos apenados. A única dificuldade apontada por Tomazelli é a falta de prática de alguns para fazer a limpeza. Isso ajuda na reabilitação, eles também estão felizes. Estão gostando do trabalho e estão fazendo um trabalho bem feito para a comunidade”, aponta.

Remissão de pena e reinserção social pelo trabalho

Segundo Zago, Garibaldi e Barbosa também receberão presos para trabalhar. Foto: Lucas Araldi

Além dos trabalhos externos, como esse em parceria entre o governo do Rio Grande do Sul e a Prefeitura de Bento Gonçalves, uma parcela dos apenados compõe ligas laborais dentro do presídio. Eles se divivem nas tarefas de cozinha, limpeza e manutenção. Alguns também estudam. Contudo, o tamanho da casa não suporta a ocupação da maioria, que busca nas atividades, sobretudo, uma forma de reduzir a pena.
De acordo com o diretor da instituição penal, Volnei Zago, há pouco tempo 95% dos presos chegaram a ter uma ocupação, mas a fragilidade econômica e o fim da parceria entre o presídio e empresas reduziu o número drasticamente. “Os 5% eram aqueles que não queriam trabalhar, que preferiam ficar sem fazer nada”, relata. Hoje são 316 no regime fechado, mas apenas 15 deles exercem trabalho atrás das grades.
Outro fator agravante é o medo das empresas em contratar detentos. O diretor explica que a responsabilidade pelo preso passa a ser do contratante durante os horários que ele estiver no trabalho. “Ele vai usar a tornozeleira, mas se sair, o empregador também responde pelo ato. Essa é uma das dificuldades, porque muita gente tem medo de assumir a responsabilidade”, avalia.
Antes de estar empregado e buscar a atividade como forma de reduzir o tempo de cadeia, o apenado precisa cumprir uma série de requisitos. Por exemplo, é necessário ter bom comportamento e não pode estar aguardando julgamento ou respondendo a um processo administrativo. Zago explica que as medidas não se encaixam aos provisórios, que podem ser soltos a qualquer momento. “A melhora tem que partir deles, precisam realmente querer”, afirma.
Na sua avaliação, o programa com a Prefeitura é bastante positivo e já se concretiza a possibilidade de ampliar para mais municípios da região, como Garibaldi e Carlos Barbosa. “Esse é um passo muito importante. O preso vai cumprir a pena dele no menor tempo fechado”, ressalta. Além disso, ele coloca que é difícil eles encontrarem emprego em outro lugar pelo fato de serem presidiários. “Geralmente já ficam rotulados por serem presos”, comenta.
Embora a superlotação e as dificuldades internas do presídio sejam motivos de reclamação da maioria dos apenados, o diretor entende que isso não é condição para retornarem ao crime. “Eles vão ficar desconfortáveis, mas isso nao é determinante, não é uma desculpa para voltar a cometer um delito na rua”, argumenta.

Controle rigoroso, colaboração efetiva

De acordo com o secretário de Segurança Pública de Bento Gonçalves, José Paulo Marinho, os apenados têm se dedicado efetivamente às atividades, na medida que cumprem o horário e as ordens estabelecidas. “Recentemente, eles consertaram o telhado de uma escola, que foi atingida pelas interpéries da chuva. Fazem também serviços gerais, assim economizamos na mão de obra e auxiliamos na ressocialização”, aponta. As atividades envolvem desde pintura de cordões até varreção de praças públicas.
O secretário afirma que a Prefeitura avisa a Vara de Execuções Penais sobre o lugar onde eles estão trabalhando, como forma de exercer controle por meio do Sistema de Monitoramento e evitar que saiam da área delimitada. “Qualquer problema que eles vierem a promover, durante a execução do trabalho, eles imediatamente serão desligados e mandados para o presídio”, garante.
Com isso, os presos recebem 65% do valor de um salário mínimo e a cada três dias trabalhados, há a redução de um dia de pena. “A perspectiva de vida é importante, nós podemos ajudar com isso”, afirma o secretário.