Os números oficiais dos órgãos de segurança pública de Bento Gonçalves contabilizam 21 homicídios registrados na cidade no primeiro semestre, uma redução de 16% em relação ao mesmo período do ano passado (25).

Muito além da frieza dos números, contudo, casos recentes como a tentativa de latrocínio em um minimercado no Fenavinho e a execução de cinco homens com mais de 70 tiros em bar do bairro Municipal (a maior chacina de todo o estado neste ano), no início do mesmo mês, são mostras que a criminalidade e a violência que fizeram 2018 ficar marcado como ano mais sangrento da história da Capital do Vinho seguem presentes alimentando o sentimento de insegurança na população.

Dados da 1ª e da 2ª Delegacias de Polícia dão conta que mais de 95% dos homicídios estão atrelados de algum modo ao tráfico de drogas, pontuado pelas autoridades como maior problema da cidade. “O homicídio é praticado via de regra por arma de fogo e disputa de tráfico. Para diminuir os homicídios temos que seguir batendo nessas questões que estão em seu entorno: tirar a arma da mão de bandidos e combate ao tráfico”, diz o major do 3º Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (3º BPAT), Álvaro Martinelli.

A migração da violência

Cinco homicídios marcam a maior chacina do estado em 2019 (Reprodução)

O índice recorde de homicídios alcançado em 2018 era alavancado, sobretudo, conforme explica Martinelli, pela disputa de facções em bairros considerados vulneráveis. Dos 52 homicídios registrados no ano, 34 ocorreram nos bairros Ouro Verde (8), Zatt (6), Eucaliptos (8), Conceição (4) e Municipal (7), ou seja, 65% do total. Os 35% restantes foram distribuídos por 14 bairros, com uma ou duas mortes cada.

Passado o primeiro semestre de 2019, Zatt, Eucaliptos e Conceição ainda não registraram nenhum caso, enquanto um homicídio foi registrado no Ouro Verde. Caso a parte, devido a recente chacina, o Municipal já conta com sete homicídios, número igual ao total alcançado no último ano.  Em contraponto, bairros que não haviam registrado nenhum homicídio no último ano, são os mais violentos neste: Maria Goretti com três casos oficializados, Cidade Alta e Santo Antão com dois cada. São Roque que teve um homicídio durante 2018, já contabiliza dois somente no primeiro semestre deste ano.

Para Martinelli, os dados demonstram uma “migração da criminalidade”. Fato que seria explicado pelas ações policiais ocorridas em 2018, nos bairros que registraram as maiores taxas criminais. “Intensificamos operações pontuais, repressivas e até preventivas em localidades que apresentam os maiores índices de violência. Então, quando focamos nossas ações em um ponto, os crimes migram para outro lugar”, assinala.

Segundo ele, essas “ações pontuais”, movidas por um mapeamento cuidadoso dos serviços de inteligência, buscam também otimizar os recursos disponíveis. “Embora a prevenção seja feita em todos os bairros, contamos com um número limitado de recurso humano e, por isso, atuamos com maior intensidade em pontos com índices mais elevados de violência. É a famosa coberta curta”, destaca.

“Apesar dos índices de criminalidade apontarem reduções, a situação não está de acordo com o que queremos. Nosso objetivo seria, um dia, poder abrir as páginas do jornal e não ler nenhuma notícia de crime nas páginas de segurança”, Major Álvaro Martinelli

21 ou 24?

Mesmo encerrado o semestre, a redução de 16% na taxa de homicídio pode ser modificada em breve. Isso porque, embora os números oficiais relatem 21 casos confirmados, outros três casos ainda estão sendo investigados e podem ser inclusos na conta. O número pode, dessa forma, chegar a 24, ou seja apenas um caso a menos do que o registrado no mesmo período do ano passado.

. 16 de abril – Vasco João Soligo, 47 anos, Maria Goretti: Ferido por disparo de arma de fogo no dia 15 de janeiro, recebeu alta do hospital, mas morreu em casa, três meses depois. A polícia investiga se a morte decorreu da tentativa de homicídio ou de outra causa. Comprovada a primeira hipótese, o caso se torna homicídio consumado e passa a contar na lista.

. 11 de maio: Paulo Rangel, 21 anos, Tuiuty: Morto em confronto com a Brigada Militar, o caso divide opiniões se deve ou não ser incluso na lista. Os brigadianos responderão ao processo, mas a legítima defesa deve pesar como excludente de ilicitude.

. 04 de junho, Daniel Fernandes Benvenutti, 38 anos, Presídio de Bento: Após uma briga, o apenado acabou morrendo no hospital. A polícia instalou um inquérito para elucidar se se trata de um caso de lesão corporal seguido de morte ou homicídio doloso.

 

“A população aumentou, mas os policiais diminuíram”

Delegado Álvaro Becker

Tão complicado quanto conter a escalada de crimes, tem sido solucionar os casos em aberto.  Segundo informações do 1ª e 2ª Departamento de Polícia — que investigam casos em paralelo, de acordo com as áreas de ocorrência — poucos dos 21 homicídios registrados no ano foram elucidados.

Entre os casos investigados pela 1ª DP, nenhum chegou a ser solucionado ainda. Segundo a delegada Maria Isabel Zerman, a dificuldade se dá pela ligação dos casos com o tráfico, o que acarretaria o receio dos denunciantes. “É complicado, pois por quase todos os casos serem relacionados ao tráfico, as testemunhas se negam a depor por medo. Ainda não temos nenhuma autoria esclarecida”, confessa.

Outro problema assinalado pelos delegados é a sobrecarga, ocasionada tanto pela falta de efetivo, quanto pela defasagem de equipamentos. Até mesmo as expectativas positivas da Secretaria Municipal de Segurança, registradas em reportagem de dezembro de 2018 do Semanário, quanto à formação de 30 novos alunos da BM, criação da Guarda Municipal e a entrega do presídio, já não chegam a ser vistas com tanto ânimo. “Ao passo que aumentou a população, o número de agentes diminuiu. Os policiais novos não chegam nem a repor o número de aposentados. Isso acarreta sobrecarga tanto aos policiais que estão aqui, quanto para quem administra”, lamenta Álvaro Becker, delegado da 2ª DP. Nem mesmo a entrega de novos fuzis e da viatura realizada na tarde de ontem, dia 7 de junho, para a Susepe, é vista com otimismo. “São paliativos que servem ao momento, mas não para a sequência dos trabalhos”, comenta.

Embora, por dificuldades financeiras do Estado, Becker não acredite que, assim como 2018, a cidade volte a contar com operações auxiliadas pelo batalhão de choque de Porto Alegre ou pela Força Gaúcha, assinala que ações pontuais estão sendo pensadas para conter a violência no segundo semestre. “Temos um trabalho de inteligência fazendo o mapeamento das gangues e pretendemos tirar esses elementos de circulação logo. Existem alguns planejamentos que estão sendo organizados, mas depende de fatores como o deslocamento de pessoas que demanda finanças e precisa muito cuidado para que não haja contratempo ao próprio policial que vem para cá”, assinala.

A meta, concluí, ainda é garantir um ano menos violento, mantendo 2018, definitivamente, como a maior mancha da história na cidade.

“Os homicídios continuam, pois o tráfico continua. A luta tem que ser constante e sem dia ou hora para terminar” Álvaro Becker

Confira a matéria completa na edição impressa do dia 6 de julho de 2019