Vocês lembram da figurinha canina que me fez verter uma piscina de lágrimas há questão de uns meses? Acho que só chorei assim no filme “La Novia”, com o cantor chileno e personagem central da trama, Antônio Prieto. Que voz! Aliás, ainda hoje, suas músicas me provocam arrepios na alma, em especial “El Reloj”.

Pois então, a surdinha, que desenvolveu um tumor do tamanho de uma manga rosa e que, submetida a uma cirurgia, voltou pra casa, leve e faceira, julgou-se no direito de estabelecer novas regras de convivência. Tipo assim: “Estou perdida neste mundão povoado de silêncios, e você (que sou eu) é minha âncora, meu porto, meu bote salva-vidas.

Portanto esteja sempre ao alcance do meu olhar, senão, já sabe, né!”

E como sei! Ufa! Seus latidos estridentes ecoam no bairro todo, talvez porque não tenha o controle do volume da própria voz. Enfim, ela grita quando quer comer, quando quer passear, quando quer fazer cocô e quando me quer por perto.

A família, em pé de guerra comigo – porque “eu a acostumei mal, coisa e tal, – exige providências. Que eu me imponha, se preciso for com uns tapinhas na bunda, senão todo mundo pira.

Imagina! Violência contra menores. Inaceitável. Se bem que, noutro dia mesmo, eu até lhe dei uma chineladinha – com um chinelinho de pano do meu netinho de três anos – e ela nem se importou. A questão é que até eu, que tenho uma paciência de Jó, estou com os nervos à flor da pele.

A rotina da noite é ainda pior do que a diurna. Tive que acomodar sua caminha no meu quarto, pois, como já disse, ela precisa me ver, já que não me ouve. Acontece que, às três e trinta da madrugada, ela acorda. Apavorada. E dá um latido agudo, uma pausa, outro latido, outra pausa e assim sucessivamente. Então acendo a luz, e lá está ela, feito um suricato em vigia. Assim que me vê, depõe as armas e começa a abanar o rabinho. Não ocorrendo novo surto, o sossego vai até às seis e meia, hora de ir ao “banheiro”.

Acho que a pobrezinha sofre da Síndrome da Ansiedade da Separação, desencadeada pela surdez. Deve ser terrível sua solidão, viver num mundo à parte como se houvesse um escudo invisível separando-a dos outros. Mas, pesquisando na literatura pet, concluí que outros fatores podem estar interferindo no comportamento dela, como a perda de identidade e dos princípios da hierarquia. O fenômeno é consequência da humanização pelo qual os cães estão sendo submetidos. Assim, eles se tornam egoístas, chatos e mandões como muita gente.

Preciso reverter o processo, retomar as rédeas desta relação, mostrar quem é quem e proporcionar a ela um convívio maior com a própria espécie.

-Vamos dar uma volta, neném! Com sorte encontraremos alguns amiguinhos de rua pra vocês interagirem…
Do que que adianta falar, esta guria é surda que nem uma porta! Ah, se não fosse meu colinho…