Todo cidadão brasileiro é obrigado a pagar anualmente uma taxa, mas poucos sabem que o valor destinado ao Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), em tese, garante que toda vítima de um acidente de transito, independente de ser o motorista, passageiro ou até pedestre, receba uma indenização. Embora no site da Seguradora Líder, responsável por administrar o Seguro DPVAT, fazer a solicitação do benefício pareça algo simples, com a promessa de que “o prazo para recebimento da indenização ou do reembolso é de, no máximo, 30 dias, nos casos em que a documentação apresentada encontra-se completa”, a realidade relatada por quem trabalha diretamente com as vítimas de acidentes de transito, é bem diferente.

Sabendo das dificuldades que as vítimas encontram na hora de enviar a documentação e principalmente, ganhar a indenização, existem agencias que prestam um serviço de intermediadores entre vítimas e Seguro DPVAT. Em Bento Gonçalves, a reportagem conversou com dois assessores, que relataram o cenário de quem procura os seus direitos. À pedidos, os nomes das fontes serão preservados.

Um dos assessores, que trabalha no meio há quase vinte anos, revela que em média, a cada dez processos enviados para a seguradora, apenas três recebem indenização, o restante tem o pedido negado. O Seguro prevê a cobertura por morte, no valor de R$ 13.500; invalidez permanente, que varia de R$ 135 a R$13.500 e reembolso de despesas médicas e suplementares, com valor máximo de R$ 2.700.  “Apenas 30% são indenizados. Quando indenizam, considerando a lesão em que a pessoa se encontra, o valor é muito baixo. Se tem direito de receber em torno de R$ 3 a R$ 4 mil, eles pagam R$ 1.500”, conta.

Além do pagamento com valor abaixo do previsto, outra reclamação constante é a demora em conseguir a indenização. Sobre o prazo de um mês para receber, o assessor brinca: “Trinta dias é o tempo que eles têm para negar o pedido.  É o prazo que eles têm para dar uma posição, o parecer deles”, explica.

De acordo com a fonte, são recorrentes os casos em que os documentos exigidos são enviados em conformidade, mas voltam, sob alegação de que estão incompletos. “Acontece muito de enviar a documentação e pedirem os mesmos de novo. A seguradora entende que não está conforme exigem e acham algum problema para negarem os processos”, revela.

Com o vai e vem de documentos, o prazo de trinta dias, em alguns casos, torna-se um ano de espera para a vítima. “Quando é negado eu posso ir pedindo reanalise. Tem casos em que já pedi dez vezes. Cada reanalise gera um novo número de processo. Eu mando, eles negam, mando de novo. Tem casos que fica um ano rolando e ainda assim é negado”, conta.

Processos negados são a maioria

Outra assessora que atua há oito anos no escritório revela que o Seguro tem deixado de cobrir diversos tipos de lesões, consequentemente tornando menor o número de vítimas que têm direito a ganhar a indenização. A profissional define a tabela de pagamentos como defasada e mal avaliada. “Deixaram de pagar fratura de nariz, mesmo com cirurgia. Traumatismo craniano não é mais indenizado, a não ser que a pessoa não responda mais por ela mesma. Coluna, que é a base do nosso corpo, é o membro que eles menos pagam”, analisa.

O assessor assume não entender quais critérios a Seguradora leva em conta quando uma vítima ganha ou perde o direito à indenização. “Eu não sei como funciona lá, devem ter uma política de que vão pagar para um número e para os outros vão negar, porque têm pessoas que quebram uma perna e recebem, tem outras que quebram as duas e não recebem, parece que é um sorteio que eles fazem”, comenta.

Vítima de um acidente de moto em junho desse ano, Edson Renan Santos Mandelli, 22 anos, recorreu ao escritório para ter ajuda na conquista da indenização. “Cai de moto, entrou o ferro no pé. Eu nem sabia que cada cidadão tem direito ao DPVAT, fiquei sabendo no hospital e vim trazer os documentos. Até tentei encaminhar por outros meios, mas achei muito difícil para ganhar, mas agora acho que vou conseguir”, assume o jovem.

Edson Renan Santos Mandelli, sofreu acidente de moto e está em busca de indenização

Números no Brasil

Confirmando o cenário relatado pelos assessores, um relatório de estatísticas disponível no site do DPVAT revela que entre janeiro a junho de 2019, ocorreu redução de 12% nas indenizações pagas pelo Seguro, em comparação ao mesmo período do ano passado. Entretanto, informa também que aumentou em 1% o pedido de solicitações para ganhar a indenização.

Ainda de acordo com o relatório, as indenizações pagas por morte entre 2018 e 2019 caíram 6%; por invalidez permanente, o número foi maior: 18%. Apenas os pagamentos para despesas médicas apresentaram aumento, sendo de 6% em comparação ao ano anterior.

Números no Rio Grande do Sul

Conforme dados enviados pela assessoria de imprensa da Seguradora Líder, no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2018, foram pagas 10.297 indenizações. Já no primeiro semestre de 2019, um total de 8.063 vítimas receberam o benefício, ou seja, uma redução de 2.234.

Deste total, 849 foram por morte, 4.700 por invalidez permanente e 2.514 por reembolso de despesas médicas e suplementares.

Futuro do DPVAT

O assessor não vê perspectivas positivas para o futuro, acreditando que a tendência é piorar. “acredito que não vá melhorar. Acho que esse seguro não deveria ser obrigatório de pagar, porque ele vai para uma seguradora só e ela recebe todos os seguros pagos do país e controla quem vai receber ou não. Eles fazem bem o que querem. Se tu paga uma coisa que é obrigado, quando a vítima precisa não pode contar”, afirma.

O que diz a Seguradora Líder

A assessoria da Seguradora afirma que entre os motivos para a negativa de um pedido, está a não conclusão do tratamento médico comprovando a existência de sequelas permanentes em um pedido de indenização por invalidez permanente; a falta de documentos que comprovem a relação das lesões relatadas com o acidente de trânsito; e documentos incompletos “É importante esclarecer que, para casos de invalidez permanente, é possível solicitar a indenização quando comprovada, por meio de laudo médico conclusivo, a existência de sequelas permanentes, ao fim do tratamento, sem a possibilidade de reabilitação. Solicitar a indenização nessa cobertura não é possível em caso de lesões que não resultaram em uma sequela permanente ou para vítimas que ainda estão em tratamento médico”, esclarecer a assessoria.

Sobre a demora em conseguir o benefício, a assessoria afirma que o tempo tem sido até menor do que o previsto. “O prazo para análise e resposta da solicitação é de até 30 dias após a entrega da documentação completa e correta. Atualmente, esse prazo está em cerca de 10 dias”.

Sem reajustes nos valores há onze anos, a assessoria responde que todos os valores são estabelecidos em lei. “Ano passado, a Seguradora Líder realizou um estudo, com o apoio da consultoria internacional, no qual foram analisados os modelos de seguro de acidentes de trânsito adotados em 36 países. Entre as sugestões feitas está a atualização dos valores pagos às vítimas no Brasil”.