Manhã festiva de domingo. Foguetes avisam que o churrasco está na brasa, e o badalar dos sinos, que o padre está pronto para a celebração. O coroinha toca a sineta manual para acordar os apreciadores de “água benta”, que fazem corpo mole na bodega, envolvidos na fumaça dos próprios cigarros (vícios dificilmente andam sozinhos).

A missa tem início. A maioria das pessoas participa dos ritos, cantando, respondendo, levantando, ajoelhando, sentando, até que o novo ajudante do sacerdote apanha o microfone para anunciar:

-E agora vamos ouvir a leitura da “e…pistola” de São Paulo aos coríntios.

Gargalhada geral. As bochechas vermelhas do padre mostram seu constrangimento. Do alto do púlpito, ele tenta acalmar o rebanho alvoroçado. O já ex-ministro sai do templo resmungando entredentes:

-Não tenho culpa se escreveram palavrão na Bíblia, seus merda!


* * *

Esse fato, ocorrido recentemente no interior de… de algum município da serra, me reportou aos anos setenta. Eu passava em frente ao Cine Aliança quando parei para ver o anúncio do filme “Isto é Pele” [Péle]. Pensei tratar-se de documentário de Biologia – uma dissecação das camadas cutâneas – ou, talvez, de psicologia – algo do tipo nervos à flor da pele. Até me passou pela cabeça que pudesse ser um romance bem tórrido, coisa de pele e paixão… Só tempos depois descobri que se tratava da vida de Edson Arantes de Nascimento, o Pelé (com acento).

Tudo bem! Fui lenta mesmo. Mas a questão dos acentos ou da falta deles pode causar duplas interpretações e boas risadas, assim como a falta do trema, exterminado pelo acordo “bilateral” de 2009, cumprido só pelo Brasil. O problema é quando o exagero dos linguistas de plantão ultrapassam as fronteiras do bom senso. É o caso desta historinha que li em algum lugar, ocorrida há algum tempo, em alguma pequena cidade do Brasil. É mais ou menos assim:

De passagem pela vila e precisando de um terno novo, um respeitável cidadão entrou numa alfaiataria em cuja placa estava escrito “Aguia de Ouro” (sem acento). Indignado com o erro gramatical, o letrado disse:

-Indicaram-me sua alfaiataria como a melhor das redondezas. Mas como posso confiar em seu trabalho se o senhor não escreve certo nem o nome do próprio negócio?

O homem olhou-o com estranheza. Então o visitante explicou:

-O senhor não colocou o acento em águia. O correto é “Alfaiataria Águia de Ouro”.

Aí o alfaiate respondeu:

– Não, “dotor”! É “Aguia [agúia] de Ouro”. (Agulha de Ouro)