O clima de incertezas que paira sobre a Fenavinho ganha mais um episódio a partir desta semana: a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as duas últimas edições da festa (2009 e 2011) acende um sinal de alerta para a necessidade de um debate aprofundado sobre os rumos do evento que se confunde com a imagem de Bento Gonçalves e que agora jaz, adormecido em dívidas e dúvidas que não parecem próximas do fim. Não bastasse isso, o adiamento da edição deste ano para 2014 – sob pretexto de conseguir mais tempo para a organização e escudado na crise que afetou as finanças públicas no final de 2012 – e a ausência de um entendimento sobre os rumos da festa agravam a situação.

Mas é a falta de uma transparência, tanto de suas prestações de contas quanto do planejamento, que transforma a Fenavinho em uma verdadeira caixa preta repleta de segredos que, ao que parece, alguns não querem ver revelados. Ora, a Fenavinho é uma empresa privada, sim, porém, transformada em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), goza vantagens tributárias, facilidades na busca de recursos financeiros e materiais e recebe verbas públicas, o que provoca a exigência de clareza em suas ações. Mesmo que o Conselho Superior tenha aprovado balanços e contas, é preciso ampliar essa transparência para toda a sociedade.
A criação da CPI pode ser uma atitude drástica para com um verdadeiro patrimônio imaterial da sociedade bento-gonçalvense, mas soa como uma desesperada tentativa de trazer à tona o que está velado e refundar a festa que, afinal, não pode morrer. Além das dívidas da prefeitura e das dificuldades da festa em quitar débitos como os relativos aos espetáculos cênicos há quase dois anos, há mais coisas entre a água e o vinho do que pode sonhar o piccolo amor mio. E elas precisam ser reveladas, a pretexto de estancar o descrédito que ameaça roer a teia que há quase 46 anos fez nascer o maior evento do mundo do vinho na Serra Gaúcha.

Não custa lembrar que a Fenavinho esteve ameaçada de sumir do calendário da Serra em outras oportunidades, e chegou a ficar uma década sem ser realizada, em decorrência de interesses colocados acima do objetivo turístico e cultural da festa, a celebração da vindima. É inegável que seu resgate teve méritos e há que se louvar o esforço e a dedicação dos que apostaram no ressurgimento da festa, mesmo com um viés mercadológico mais acentuado. Por conta disso, a festa deixou de ser realizada na vindima para tentar atrair uma mais intensa participação do setor vitivinícola e se tornar um grande centro de comercialização de vinhos da América Latina. Nem um, nem outro objetivo foi alcançado. Talvez porque o cenário aponte para uma apropriação da festa pela sociedade, talvez porque o coração do mercado do vinho não esteja aqui.

O certo é que será preciso limpar as feridas para garantir a cicatrização. Em 1967, um dos motivos para a criação da Fenavinho estava na disparidade entre a grande produção e a pouca demanda, o que fazia com que as cantinas estivessem com sua capacidade de estoque esgotada e ameaçadas de não comprar as próximas safras. Um cenário não muito diferente de agora. Mas o sucesso daquela aventura se deve a um fator que agora está distante: o envolvimento comunitário, que hoje parece perdido. É preciso reinventar a Fenavinho.  Quem se habilita?