Região de imigração italiana. Povo católico, apostólico, romano, conforme os ensinamentos dos antepassados, que trouxeram, da longínqua madrasta Itália, um princípio: “Par ndar in Paradiso bisogna diventar inocenti come i tosatéi” (Para entrar no paraíso é preciso voltar a ser inocente que nem as crianças). Isso até funcionou por algum tempo. Por muito tempo. Aos poucos, o paraíso foi ficando meio desacreditado (embora ainda hoje tenha gente comprando seu pedacinho de terra no céu), e a proclamada inocência foi pro brejo. Resultado: vingou a máxima popular “tuti bona dgente, peró tuti ladri”. Mais do que sugerir a esperteza do italiano, esse ditado mostra a dualidade da alma humana. Afinal, ninguém é só anjo, ou anjo o tempo todo, nem só demônio ou demônio o tempo todo. As novelas é que têm a mania de catalogar as pessoas como sendo “do bem” ou “do mal”, ignorando que, na gangorra da existência, ora a gente está nas alturas, ora, no submundo dos pensamentos sombrios. Até os mais equilibrados correm o risco de cair.

Voltando ao contexto inicial: uma vila de “taliani” no meio do vale e uma história dos anos noventa, que, inclusive já fiz referência há uns dez anos. O ponto de conflito: a bela igreja em estilo gótico amparada por duas torres gêmeas, felizmente desconhecidas. No alto delas, os sinos vindos de Padova, Bellina, Becker e Scalabrina… (Não imagino onde se abriga o terceiro).
É comum nessa cidadezinha simpática, assim como em outras, os sinos badalarem aos domingos anunciando a missa. Mas houve um tempo que, por iniciativa do padre, o “blim, blem, blom” dominical foi substituído pelo Hino do Grêmio. A população reagiu de duas maneiras: metade sorria, azul de emoção; e a outra metade xingava, vermelha de raiva. Inutilmente. Aquilo se tornou regra.

Não aguentando mais a provocação, um cidadão da ala renegada criou coragem e foi até o vigário para exigir que ele rodasse também o hino que dava glória ao Internacional. Pedido aceito com uma condição: só quando o time vermelho vencesse.
Demorou, mas enfim aconteceu: o Internacional sagrou-se campeão gaúcho num jogo contra o Grêmio. O acordo foi imediatamente cobrado e cumprido no primeiro domingo após o duelo dos titãs. O padre, que acompanhava resignado a audição no banco da praça, ergueu os olhos para o alto e, pressupondo um Cristo gremista, disse: “Senhor, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem…”

Um velhinho, sentado num banco próximo, indignado com a preferência do vigário, desabafou:
-Que Dio me fá morir, préte, se el paradiso é azulo, é méio andare all’inferno”!