Nada melhor que uma cama. Dormir é bom demais, mas passar um terço da vida na horizontalidade se configura num desperdício de tempo. Isso é, no mínimo, uma baita contradição.
Já dormir de menos significa problema. Tudo fica mais lento, desde os movimentos ao raciocínio. Nessa hora, pegar no volante é perigo constante. Melhor tirar uma soneca com o risco de bater o ponto com atraso do que por a vida em risco.

Mas não foi isso que fiz há algum tempo. Depois de uma feijoada infame, as pestanas começaram a pesar. O relógio estava acelerado, e eu, quase parada. Precisei reagir. Bebi café, tomei ar, masquei chicletes, mas o sono me pegou direitinho. Obstinada a chegar no trabalho não mais tarde do que de costume, resolvi sacudir a preguiça freneticamente, como se estivesse tomada por uma entidade espiritual meio doidona.

Renovada, apanhei meus badulaques e fui para o carro. E, já de saída, fiz algo bizarro, que muita gente boa não consegue: descer de ré pelos degraus de uma escada.

Na pista, decolei rumo ao além-mar, cerca de uns seis quilômetros de casa. Estaria tudo tranquilo, se eu não estivesse ouvindo, por falta de opções, “Sala de redação”, um programa pra lá de… enfim, se o som daquelas vozes não entorpecessem meus sentidos. E então aquele soninho camuflado começou a encurralar minha cabeça. Quando eu vi – ou quando não vi – estava sob o domínio de Morfeu.

Na altura da Treze de Maio, tudo ficou por conta do automático. Daí em diante, um doce torpor me distanciou do mundo, até que… “Bum!” Um estampido forte e seco varou meus ouvidos.
Minha lucidez acordou na hora e partiu para as hipóteses instantaneamente. Tiroteio em pleno dia nas ruas movimentadas de Bento? Bala perdida? Buscapé de algum moleque? Show pirotécnico de um foguete só? Explosão provocada pelo homem prateado da sinaleira?

Então meu olhar panorâmico flagrou um pneu atravessando a rua transversal e saltitando rampa acima, num singular desafio da lei da gravidade. Foi quando entendi o ocorrido: a quina da calçada, que estava com o nariz perigosamente empinado, batera em mim (considerando-se que o pneu é o prolongamento do pé), fazendo um estrago e tanto.

Mas como sou uma pessoa de sorte – devo ter uma equipe de anjos a meu serviço – vislumbrei um espaço providencialmente vazio, logo ao lado, que pode abrigar meu carro capenga. E, naquele exato momento, passou por lá um jovem de boa índole e de bons músculos disposto a me ajudar. Ele descobriu onde estava o macaco, encontrou o estepe, encaixou-o na roda cheia de dentes, apertou os parafusos, coisa e tal.

Eu? Fiquei esperando o pneu fujão voltar, porque tudo o que sobe, também desce, não é verdade?