Semiadormecida, naquele estado singular de consciência em que o cérebro fica processando memórias, revi a cena da menina convulsionando. A indignação pelo desinteresse brasileiro em liberar a substância canabidiol para uso medicinal me projetou num mundo bizarro, onde figuras alucinógenas ganharam vida e voz. Foi assim, entre as fronteiras da vigilância e do sono, que surgiu este colóquio muito doido, com Cannabis na frente:

-Sou a última esperança de doentes desesperados… – garante a popular Maconha.
-kkk! – Debocha com seu riso virtual uma criação sintética bastante nociva – Até eu, que encharco o cérebro de serotonina e provoco viagens cheias de êxtase, sou…“drogada e prostituída”, hehe.
-Não me refiro à minha parte tóxica, entorpecente, mas de uma substância que está no meu DNA que pode ser imensamente útil para o controle de doenças que não têm cura.
-De que forma, madame Sativa? – ironiza a pílula das “raves”, a colorida que destrói neurônios.
-É o canabidiol, que atua como anticonvulsivo. E tenho ainda potencial para o tratamento da esquizofrenia, do Parkinson, do Alzheimer e de outras doenças degenerativas. Até o autismo pode entrar na parada…

Dona Coca, que andava mascando suas próprias folhas, alivia a boca com uma cuspidela e fala em sua língua de origem:
-No creo! Si fuera verdad, estarías en las farmacias.
-Pois é isso que estou falando! Minha parte boa precisa estar nas farmácias.
-Y lo que te impide? – insiste a devastadora.
-A visão obtusa, a ignorância, o medo… Ou falta de vontade mesmo.
-Uahuahuah,.. – é Mister Álcool entrando na conversa cheio de vontades. Sua risada internética escrachada revela o nível do “delirium tremens, mas mesmo assim cantarola uma música à la sertaneja:
-Já eu estou “em cada rua, em cada esquina, num beco, na mesa do bar”… é só me “procurar”… “Eu vou deixando um pouco, em cada dose que eu tomar”, “e passo a mão no saca saca saca rolha, até eu me acabar, “ se afoga em mais um porre, se prepara para a morte…”

Final feliz? Não desta vez. O papo surreal nascido de um problema real foi interrompido pelos latidos “do despertador”. Hora de abrir os olhos e sair do limbo, pisar na hipocrisia, que andar é preciso…