Quando Salomão disse que cortaria o bebê ao meio para agradar às duas mulheres que se diziam mães da criança, ele obviamente sabia que esta opção jamais seria uma solução; era só uma estratégia para descobrir a verdadeira mãe, nada mais. Agradar gregos e troianos ao mesmo tempo é tarefa impossível, pelos antagonismos inerentes. Não dá para ser branco e preto ao mesmo tempo. O resultado é cinza, que não serve nem para branco nem para preto. Enfim. Algumas coisas são incompatíveis, para não dizer ilegais.

Ao estabelecer um meio termo que permita a coexistência de gregos, troianos, árabes, egípcios e israelenses, todos juntos dentro do mesmo prédio do “Lar das Meninas” o secretário de Governo, César Gabardo, supõe-se, tenha se utilizado provavelmente de um artifício estratégico semelhante.

Há muitas dúvidas ainda sobre como as decisões vão se concretizar de fato, mas o que ficou claro, nas palavras do secretário, é que o prédio será, sim, destinado prioritariamente ao acolhimento institucional de menores em condição de risco, com a transferência para lá do ex-ex-albergue, que havia voltado, enfim, a ser albergue de novo, só com outro nome. De qualquer forma, para os mais de 300 doadores do Lar das Meninas – que assinaram protestando contra a então decisão oriunda do Rotary Bento Gonçalves de transformar o prédio num Ceacri e que já estavam prontos para reivindicar judicialmente a devolução dos valores doados – parece que finalmente os rumos estão sendo corrigidos e o Lar vai ser Lar mesmo para menores em condição de risco, podendo atender ainda o que mais a lei permitir concomitantemente, o que, diga-se, não é muita coisa como alguns possam supor. E aquela inverdade de que “a lei não permite acolhimento institucional” cai por terra, morta e sepultada, espera-se que ninguém mais ouse pronunciar.

Na verdade, Bento Gonçalves está muito atrasada no seu tema de casa com relação a este problema social. Muito atrás de Farroupilha, por exemplo, cidade vizinha bem menor, onde funciona uma Casa Lar modelar para menores em condições de risco, num imóvel amplo e espaçoso, maior inclusive do que o do Lar das Meninas. Lá estão acolhidas com alta qualidade de atendimento, 22 crianças (já foram mais de 30) todas de Farroupilha apenas. O local é tão qualificado que utiliza o método Montessori. E, de lá, nos últimos três anos, já foram muito bem adotadas, entre outras, três crianças em Bento Gonçalves. Mas aqui, em Bento, até “ontem”, inclusive no próprio Judiciário, se afirmava não haver demanda para uma casa de acolhimento com estas proporções e que o prédio do Lar das Meninas poderia ser melhor utilizado na forma de Ceacri. Um Ceacri com até 300 crianças em contraturno, como chegou a ventilar de peito estufado o preposto da presidência do Lar das Meninas, mas que nunca chegou a ter uma só, pois, como era previsto, não teve público algum para esta demanda, nem professores. Enquanto isso, hoje, 12 menores em condição de risco (já foram mais de 20) continuam albergados em Bento em estrutura totalmente insatisfatória onde chegam a dormir, no mesmo quarto, adolescentes e bebês, numa casa alugada pela prefeitura.

yeQuando a primeira criança em condição de risco puder usufruir daquela infraestrutura que a ela pertence de fato – o prédio do Lar das Meninas – haverá de render graças a uma pessoa, principalmente: Inês Pompermar. Esta líder que, apesar de ter sido tão humilhada e destratada dentro do próprio Rotary Bento Gonçalves por acreditar no ideal proposto ainda pelo então prefeito Darcy Pozza e torná-lo concreto com sua capacidade de mobilização comunitária, jamais desistiu da luta e afrontou a tudo e a todos na defesa deste espaço digno para crianças em situação de vulnerabilidade que já sofreram tanto e precisam de um local que as acolha com muito carinho, atenção e competência profissional. O mesmo Rotary que, aliás, chegou a expulsar por justa causa de seus quadros um associado que foi um dos principais doadores do Lar das Meninas, que estava inconformado com toda esta situação.

Mas agora, finalmente, o Lar vai ser Lar, isso parece estar bem claro. Restam entretanto, algumas perguntas que não querem calar: Como ficarão as pendências com o INSS? E as doações em dinheiro feitas à Associação Lar das Meninas desde a inauguração do prédio em 2009, destinadas a atender criança alguma até hoje? E os valores repassados pelo Comdica a um projeto que jamais existiu? Com certeza a comunidade, especialmente os mais de 300 doadores, receberão alguma resposta.