Produtores precisam se adaptar à legislação e buscar conhecimento técnico avançado para cultivar sem agrotóxicos

Observação. Essa é a palavra chave dos produtores que optam pela agricultura livre de agrotóxicos. Eles precisam olhar com cuidado a vontade das plantas, o solo, o clima, o terreno e outras variáveis que podem ser imprescindíveis para o desenvolvimento dos seus cultivos. A prática também exige certo grau de conhecimento técnico e experiência.
Do outro lado, a burocracia, a legislação rígida e a dificuldade de encontrar insumos adequados são empecilho para mais agricultores aderirem à prática. Somado a isso, a exigência de mais mão de obra também é um entrave. Geralmente são pequenos produtores familiares, que produzem muito para uma feira e pouco para um supermercado.
De acordo com o engenheiro agrônomo da Emater de Bento Gonçalves, Alexandre Frozza, quem opta pelo cultivo orgânico precisa passar por um processo de certificação, regulado pelo Ministério da Agricultura. “Essas pessoas podem comercializar direto com o consumidor, são poucos no estado e no país”, explica.
Uma das formas de conseguir a certificação é por meio de Organismos Participativos de Avaliação de Conformidade Orgânica (Opac). Esses grupos são formados por representantes de diversas associações de produtores orgânicos, que fazem a verificação das condições de produção.

Entre a burocracia e as boas práticas

Frozza observa que há dificuldade de ampliar a produção de orgânicos e o número de agricultores que aderem à prática. Ao mesmo tempo, a demanda dos consumidores por produtos livres de agrotóxicos é crescente. “A dificuldade que nós temos visto é mais burocrática, de preenchimento de documentação. A Emater auxilia nisso”, aponta.
O mercado de insumos também é um problema, na medida em que poucas casas agrícolas comercializam os produtos adequados. “Para quem começou a 30 anos atrás, já tem mais insumos para utilizar. Hoje existe toda uma linha de controle biológico, mas poucas casas agrícolas comercializam, por isso pode ser difícil ter acesso”, considera.
Adotar uma série de boas práticas também é pré-requisito para o cultivo orgânico e se torna um empecilho, na medida em que exige mais conhecimento e mais mão de obra. “Isso exige bastante. Como há limitações de uso de alguns insumos, se não observarmos detalhes as doenças vão ocorrer com mais frequência. A prática também exige rotação de cultura”, explica Frozza.

Adeptos de cultivos orgânicos contam experiências

Sônia quer converter toda terra para orgânico em dois anos. Foto: Lucas Araldi

Solice Beatriz Moroni, 56 anos, mora quase na divisa entre Pinto Bandeira e Farroupilha. Antigamente ela e a família se dedicavam somente à produção do pêssego e da uva, mas como um ente querido faleceu decorrente de uma leucemia desencadeada pelo uso de agrotóxicos, a agricultora passou a se concentrar nos orgânicos. “Nós pensamos ‘chega de veneno’. Nós diminuímos a produção, começamos com morangos orgânicos, aspargos, pepino para conserva, pimentões, tomates, berinjelas, etc. A uva nós conseguimos converter toda para biodinâmica e orgânica”, afirma.
Para Sônia, parar de usar agrotóxicos é algo que vem de dentro de cada um, na medida em que é necessário não pensar somente em produzir e fazer dinheiro. “Tem que ter consciência, se tu come bem tu tem que oferecer o bem para o outro, também. Não adianta comer uma fruta limpa e oferecer uma envenenada para o outro”, ressalta.
Diferente dos cultivos convencionais, Sônia observa que trabalhar com orgânicos é uma tarefa mais braçal, com enxada e foice. “Mas assim você sabe que pode ir, enfiar a mão na terra e esfregar nos olhos que a visão não vai ser prejudicada”, comenta.
Sônia relata que a procura é grande e que muitas vezes é difícil cultivar o suficiente para suprir seu mercado. “Hoje fui para Caxias pela segunda vez nesta semana e está faltando produção. Eles estão pedindo mais 30 quilos de morango. Temos que torcer para que a planta colabore agora”, conta.

Na concepção do produtor orgânico Gilmar Cantelli, de Bento Gonçalves, trabalhar com agricultura ecológica se baseia muito no “depende”. “Tem que olhar a natureza, a questão do solo, do clima, o que se pode produzir naquela área. Ela requer um certo conhecimento sobre como a cultura se adapta e também do preparo do ambiente para aquela cultura”, avalia.
Cantelli comenta que o acesso a insumos melhorou nos últimos anos, mas que mesmo assim tem mais mão de obra se comparado aos métodos convencionais de produção. “Você não vai conseguir produzir em grande escala. Por exemplo, nós tivemos que ensacar um por um dos pêssegos para proteger contra a mosca da fruta”, aponta.
Como agricultor, Cantelli relata que se sente melhor ao cultivar sem veneno, porque assim sabe que produz o mesmo para si e para o outro. “Produzir com agrotóxico é como fazer academia usando anabolizantes, você não sabe a consistência que aquilo tem”, compara.

Santin conta que buscou optar por uma produção diferenciada. Foto: Lucas Araldi

Na estufa de pepinos de Domingos Santin, 51 anos, a chuva nunca cessa. O agricultor de Pinto Bandeira relata que a temperatura alta e a água constante são ideais para a verdura. “Por ser um produto orgânico, preciso cuidar bastante da adubação e da água”, observa.
O principal problema é a pequena produção e a grande procura. “Hoje, se eu colhesse 200 quilos por dia, venderia tudo”, comenta. As mudas precisam ser replantadas todos os anos. “Ela produz 80 dias”, explica.