Jack e Ronda são um casal de cães labradores que nasceram com uma importante missão: ajudar pessoas com necessidades especiais. A rotina deles faz parte de um trabalho conhecido como cães de terapia ou de assistência, funções diferentes, mas que aos poucos estão conquistando espaços em associações que atendem pessoas com deficiência ou em famílias em que alguma pessoa precisa de algum auxílio ou benefício específico que pode ser atendido por um cachorro treinado para isso.

A dupla de cães pertence aos treinadores caninos Janaina Ganzer e Cesar Augusto Beux, fundadores do Centro de Adestramento Canino Vale da Neblina, que fica no município de Farroupilha, fundado há nove anos e considerado pioneiro na região da Serra na área de terapia e assistência com cachorros. “Antes não tinha quem trabalhasse com isso e até então as pessoas não sabiam que um cão pode ajudar de tal forma, agora que estamos tendo uma demanda maior”, observa Janaína.

Um dos locais onde Jack e Ronda trabalham é na Associação Pró-Autistas Conquistar (APAC), de Bento Gonçalves. A entidade teve o projeto Intervenções Assistidas por Cães aprovado pelo Fundo Social do Sicredi, que financia o trabalho realizado no local desde o segundo semestre do ano. As atividades são realizadas quinzenalmente, nas sextas-feiras de tarde e contempla 18 adultos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) que frequentam a instituição.

Jack trabalha como cão de terapia na APAC

Antes de cada encontro acontecer, a coordenadora e psicopedagoga da APAC, Claudia Cruz Pimentel se reúne com a Janaína para fazer o planejamento da próxima sessão de terapia. Com base nisso é que a treinadora decide qual dos cães vai ser levado no dia. “Tem os educandos que são mais calmos e os que são mais agitados, então conforme a atividade do dia ela traz o animal que vai se adequar melhor”, explica Claudia.

A atividade desenvolvida entre os jovens e o cão é sempre relacionada com um assunto que já está sendo trabalhado no momento, segundo Claudia. Por exemplo, na tarde em que a reportagem esteve no local, a atividade do dia era referente a primavera, temática que já estava sendo abordada com eles durante a semana. Também conforme a coordenadora da entidade, o foco principal do trabalho com os cães é fazer com que os educandos se sintam responsáveis e capazes de cuidar de outro ser.

Claudia conta que pensou em ir buscar o projeto por dois motivos. Primeiro, porque ano passado foi feita uma tarde de recreação entre os cachorros do Vale da Neblina e os adultos da APAC que deu certo. Segundo, porque tem consciência dos benefícios que os animais geram na vida de pessoas com deficiência.

Benefícios relação autistas x cães

Embora o autismo não tenha cura, existem tratamentos que podem minimizar os efeitos do transtorno que está relacionado principalmente a dificuldades de comunicação e interação social. O convívio com os animais, por exemplo, segundo a psicopedagoga Claudia, contribui muito para o desenvolvimento dos autistas.

Com a voz em tom de empolgação e orgulho, Claudia relata que a aceitação dos adultos da APAC com o novo projeto está sendo muito positiva e cita as principais vantagens que percebe nesse processo. “Tem a questão de aprender a lidar com o bichinho, de passar a mão com cuidado, de não poder apertar, enfim, todo cuidado que eles vão aprendendo e depois transferem isso no relacionamento com as pessoas. Como os autistas têm dificuldades de interação, a ideia é proporcionar atividades que vão sanando isso e a gente percebe que dá certo e é muito importante”, ressalta.

O cão traz algo diferente que nós não conseguimos, mas o cão consegue só de estar presente – Janaina

Janaina acrescenta que a cada encontro é possível perceber um pouco da evolução de cada um dos integrantes. “Têm alguns que gostam mais, outros ficam distantes e não tocam muito, mas a gente sabe que a reação já muda quando o cão está aqui. Qualquer detalhe a mais que a gente vê no desenvolvimento deles já é bom. O cão não precisa estar fazendo nada, só de estar junto a gente já vê uma reação diferente deles”, afirma.

Nesse contato entre autistas e cães, Janaina observa outros pontos positivos, como o aumento da afetividade e da comunicação. “O autista acaba tendo esse amor com o cão e depois com as pessoas no geral também. A comunicação acaba crescendo porque o autista tem essa limitação, a escrita, enfim, muitas coisas podem ser benéficas”, garante Janaina.

O cão ideal

De acordo com Janaina, os indicados para quem tem autismo são cães de grande porte, para suportar uma possível fuga e entre as raças mais indicadas está o Labrador ou Golden Retriever. “Uma pessoa que tem autismo tem crises, às vezes se torna um pouco agressiva, pode acabar dando um tapa, tendo algum comportamento indesejado com o cão. Nós fazemos simulações com o cão para que ele suporte, para que entenda que aquilo não é algo agressivo, que não pode ter nenhum comportamento ruim ou querer se afastar, enfim isso tudo é trabalhado para que o cão saiba se comportar naquele momento”, afirma, Janaina.

Além do autismo

Existem dois tipos diferentes de trabalhos desenvolvidos por cães. De acordo com Janaina, o cão de terapia pertence ao treinador e desenvolve trabalhos em instituições junto com uma equipe multidisciplinar.

Já o cão de assistência é treinado para uma necessidade específica de um usuário que tenha alguma deficiência. Nesse caso, o cão recebe treinamento por até dois anos, dependendo da necessidade. Depois, é entregue para a família com a qual vai morar. “Treino o cão de acordo com o que for solicitado do usuário, seja de uma pessoa com alguma deficiência física, motora, um cadeirante, uma pessoa surda ou que tenha autismo e vou trabalhar desde filhotinho, seguindo os protocolos de treinamento”, explica a treinadora.

Para o futuro

Além de Bento, os cães também desenvolvem projetos nas cidades de Caxias do Sul e Carlos Barbosa. “Fiz um curso em Natal e estava conversando com uma instrutora da Espanha sobre meu trabalho de terapia e ela falou para eu continuar seguindo nessa área porque é o futuro, é algo inovador na nossa região. As pessoas estão conhecendo e procurando mais para desenvolver esse trabalho”, assegura Janaina.

Atualmente Jack tem quase oito anos e devido à idade, já não trabalha tanto. Ronda tem quatro anos. Junior, o filho do casal, tem um ano e dez meses e também já atua nessa área. “A gente sempre se preocupa com o bem-estar do cão e o bem-estar dele do Jack é trabalhar, ele gosta disso, mas também tenho que saber o limite do meu cão”, finaliza Janaina.