“Eu sou nuvem passageira/Que com o vento se vai/ Eu sou como um cristal bonito/ Que se quebra quando cai.”

Pois é! Todos nós somos. E há nuvens que se vão antes, assim como nosso amigo que, neste ano, nos deixou. Mas sua lembrança permanece, inclusive no texto abaixo, que faz parte do livro “Confissões de um Vencedor” (2007), escrito em primeira pessoa pelo personagem Zé da Mata. A história é real, os “adereços”, por minha conta. “Hasta la vista”, professor Daniel!

Na mata, apesar da dureza da vida, a gente sobrevive sem dinheiro. Já, na cidade, a coisa é bem diferente. Você paga para se alimentar, se deslocar, se divertir…
Teve uma vez que fiquei louco para conhecer a região metropolitana. Logicamente, eu não dispunha do básico para uma aventura dessas. E, viajar de trem, só se fosse escondido na carga. Mas eu estava cansado de ser um zé-ninguém, “sem lenço e sem documento”. Então, maquinei um plano junto com meus companheiros.
No acampamento, havia morado um padre que, depois de alguns anos de indecisão, resolveu deixar o celibato. O cara ficou amarradão numa morena com olhos de jabuticaba. Então juntou os trapos e se mandou com a bela para tentar vida nova por aí, nesse mundão de Deus. A última notícia que tivemos dele foi que já era pai e que liderava um movimento de Sem Terras.
O ex-sacerdote, deixando para trás o ofício, também deixou a batina. Que, aliás, nos foi muito útil. Graças a ela, pudemos armar nossa estratégia. Assim:
Soubemos que havia uma lei que dava direito a padres viajarem de trem sem pagar a passagem. Já que eu era o menos favorecido, fiquei com o privilégio de usar a batina. O resto do pessoal arcou com as despesas.
A caminho da estação ferroviária, encontramos alguns bêbados que exigiram minha atenção. Como estava com muita pressa, gritei um “Deus os abençoe”, e continuei caminhando a passos largos. Não podia me dar ao luxo de assumir as honras eclesiásticas. Mas os pinguços não estavam nem aí para minha preocupação. Queriam atendimento espiritual personalizado.
-Padre! Padre! Quero beijar seu anel.
Expliquei ao bando:
-Quem usa anel é bispo.
Os “tontos” não admitiam discussão.
-Padre, se vossa santidade não me der a mão para eu beijar o anel, saco ela a tapas.
Não tive alternativa senão atender o veemente cristão. Rapidamente tirei do bolso e coloquei no dedo anular uma argola de chaveiro. Hesitante, ofereci a mão.
Num gesto inesperado, o cara arrancou meu “anel”. Quando entendi a intenção, saí em disparada. Precisava estar bem longe quando o “bebum” se desse conta da trapaça…