Instaladas em barracos desde o início do mês, mais de 100 famílias convivem com inseguranças e incertezas do futuro – Foto: Ranieri Moriggi

Um problema que atinge todo Brasil chegou com força a Bento Gonçalves. Centenas de famílias estão montando barracos em um terreno que foi invadido entre o bairro Vilanova II e III e o loteamento Bortolini. São mais de 500 pessoas que não tem para onde ir e decidiram buscar um espaço para construir seu novo lar. Por não estar sendo utilizado pelos proprietários, o local foi o escolhido para a construção das casas. Os motivos para a chegada de famílias ao terreno vão desde o alto valor do aluguel até a falta de emprego. Os invasores, como são chamados, garantem que este foi o meio encontrado para conseguirem viver com suas famílias. Em condições precárias, sem luz, água e esgoto, eles se viram, construindo seus casebres em meio ao mato e esperando por um posicionamento dos órgãos municipais e da Justiça, que deve expedir a decisão de reintegração de posse nos próximos dias. Enquanto isso, o número de assentados não para de crescer. Famílias apontam falta de planejamento e políticas públicas para diminuir o problema.

Lisiane trabalha no registro das famílias que chegam ao local – Foto: Ranieri Moriggi

A maioria dos moradores é oriunda dos bairros arredores, de acordo com levantamento realizado por Lisiane Pires, ex-invasora, que há um ano conseguiu conquistar legalmente um espaço, após ficar morando durante ano e meio em um terreno invadido, como ela mesma diz. A justificativa, tem como base os altos valores dos alugueis, que, em muitos casos, ultrapassa o valor da renda mensal das famílias. Sem perspectiva, eles vão para as ruas, em áreas de risco, ‘de favor’ em casas de parentes ou se organizam e realizam invasões em prédios ou terrenos que, segundo eles, estão abandonados ou sem produção. Conforme Lisiane, o grupo espera um posicionamento e ajuda da prefeitura. “Essas famílias já estão aqui há cerca de 20 dias e até o momento, nenhum representante da assistência social veio à nossa procura. Se fossem outros tempos, quando Adriana Gabardo (in memorian) estava à frente da Secretaria, com certeza essa situação já teria sido resolvida da melhor maneira”, desabafa. Segundo Lisiane, a invasão explicita o drama de inúmeros trabalhadores que fazem o possível para ganhar decentemente a sua vida e não tem sequer o direito à moradia, que é garantido na Constituição, mas que não é respeitado por nenhum governo.

Sem renda para pagar aluguel, famílias optam pela invasão – Foto: Ranieri Moriggi

Durante a reportagem, diversas famílias afirmaram ter participado de programas que a prefeitura disponibilizou, destinados para a compra da casa própria e financiados pelo “Minha Casa Minha Vida”. No entanto, poucas conseguiram conquistar o tão sonhado pedaço de terra. “Muitas dessas pessoas se inscreveram, apresentaram documentação, mas não ganharam a oportunidade de ter o seu lar. A justificativa sempre esbarra na questão econômica ou na falta de algum documento. Eles dizem que a renda é inferior e faz com eles não consigam pagar pelo imóvel ou não se enquadram no perfil estipulado. Enquanto isso, há domicílios vagos na cidade e muitas famílias sem a oportunidade de ter uma casa”, lamenta. Moradores afirmam estar vivendo na insegurança e no medo, pois, até o momento, ninguém foi procurado para solucionar o impasse.

Mesmo com o impasse da situação, as famílias invasoras buscam auxílio para manterem-se no local. Além de madeiras, telhas e lonas, as cerca de 500 pessoas precisam de roupas, água e alimentos não perecíveis, que podem ser entregues na rua Ivan Copati, número 01, no bairro Vila Nova II, na residência de Lisiane Pires.

Prefeitura aguarda decisão judicial

Número de famílias no local já ultrapassa de uma centena – Foto: Ranieri Moriggi

Conforme a secretária-adjunta da Secretaria de Habitação e Assistência Social (Sehams), Milena Bassani, o município possui dentro de toda a área invadida uma parte de aproximadamente nove terrenos. Quando a prefeitura foi notificada da situação, foi solicitado um pedido de reintegração de posse na Justiça, notificando as famílias que construíram as casas em cima do terreno pertencente ao município. Segundo Milena, após receberem o auto de infração e o pedido para a retirada do local, os responsáveis se recusaram a sair e, portanto, a medida adotada pelo Poder Público foi o ingresso de uma liminar. “Estamos no aguardo do deferimento ou não da liminar, para que novas medidas sejam tomadas”, explica.

A secretária adjunta salienta que o município não apoia o ato de invasão dos moradores e indica que, para solucionar o problema de moradias, as famílias compareçam ao Departamento responsável para realizar o cadastro de inscrição, no intuito de adquirir um imóvel. “O município não é conivente com isso, pois é dever zelar pelas áreas públicas. A partir do momento que temos conhecimento das invasões, entramos com ação judicial, pois não podemos acordar com esse tipo de ato”, aponta.

 

Em cada barraco, uma história de vida diferente

Neuriele Peres – Mãe de três crianças pequenas, Neuriele já saiu da casa do sogro para ir construir o seu barraco no terreno invadido. O marido tem feito a obra da casa que é de madeira e lona. Durante as noites frias e chuvosas, a mãe ainda consegue pegar os pequenos e levá-los até a antiga moradia para livrarem-se do frio.

Elemara Santa Brum – A mãe do pequeno Michel, de apenas três anos, já era moradora do bairro Vila Nova II, mas a casa em que moravam era de aluguel. A falta de emprego e a dificuldade financeira da família fez com que ela e o marido decidissem pegar os poucos pertences e fossem em busca de um espaço no terreno invadido.

Elpidio Santos – Avô de duas meninas e pai de uma filha, seu Elpidio trabalhou durante parte de sua vida na lavoura. Atualmente desempregado e sem conseguir se aposentar, ele buscou refúgio no terreno pois não conseguia sustentar a família e pagar as contas do mês. O barraco (aos fundos da foto), abriga quatro pessoas.

Maria Domingas – Mãe de quatro meninas, Morena, como é conhecida pela vizinhança, veio do Maranhão, região Nordeste do País, em busca de emprego no Rio Grande do Sul. Apesar dos percalços, Maria Domingas garante que “até a situação mais difícil que passei aqui em Bento, não chega aos pés das dificuldades vividas por lá”, desabafa.

Manoel Bezerra – Pai de dois filhos, Bezerra foi despejado esta semana. Juntamente com a esposa, ambos desempregados, buscam diariamente uma nova oportunidade no mercado. Sem sucesso, ele apela à fé. “Creio em Deus que algo de bom vai acontecer, caso contrário, se nos tirarem daqui vou pedir para que cavem um buraco e enterrem toda a família”, desabafa.

Claudine e Glaucia Chaves – Irmãs, Claudine e Glaucia relatam que por diversas vezes tentaram adquirir um imóvel por meio do cadastro feito na Prefeitura. Ambas garantem que a luta diária na invasão tem um motivo especial. “Estamos aqui batalhando para dar um futuro digno aos nossos filhos. Não queremos nada de graça, aceitamos pagar pela moradia, desde que seja nossa”, afirma Claudine.

Nelson da Silva – Pai de um menino de oito anos, Nelson da Silva veio de Soledade para Bento Gonçalves em busca de emprego e de uma vida melhor. Ele garante que o mais difícil de estar na invasão é construir a casa, devido a falta de bons materiais. Da Silva salienta ainda que prefere morar naquele local do que deixar faltar comida para o filho. “Não admito que ele passe fome”, comenta.

Michele Borges da Silva – Mãe de quatro filhos, Michele precisou abandonar a antiga residência pois o local havia sido interditado pela Defesa Civil. Com a promessa de pagamento do Aluguel Social, ela aceitou deixar o local, entretanto aguardou até domingo, 13, para montar o seu barraco na invasão. “Ainda espero pela ajuda prometida da Prefeitura, enquanto isso estou aqui”, lamenta.